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Segundo Michelle Perrot (2015), para se escrever a história são necessárias fontes, documentos e vestígios. Sendo assim, no que tange à pesquisa e escrita da história das mulheres, essa dificuldade é ainda maior, uma vez que sua “[...] presença é frequentemente apagada, seus vestígios, desfeitos, seus arquivos, destruídos. Há um déficit, uma falta de vestígios” (PERROT, 2015, p. 21). A pesquisadora elenca uma série de fatores para justificar como é que se produz o silenciamento de textos de autoria feminina. Isso se faz, seja por parte da própria escritora, seja dos seus familiares, seja também por parte dos arquivos públicos que historicamente deram ênfase à guarda e proteção da produção masculina em detrimento da produção feminina.

Ao pesquisar sobre a trajetória de Magdalena Antunes, similarmente percebi esse esvaziamento dos documentos, o que infelizmente agora foi reforçado pelo falecimento de sua neta Lúcia Helena Pereira que, segundo a professora Sylvana Kelly Marques da Silva, foi a descendente que teve mais proximidade com a escritora30. Além de uma importante fonte oral, certamente possuía também registros escritos, fotografias, etc. Destarte, para escrever sobre Magdalena Antunes, segui as pegadas deixadas por ela e que foram eternizadas por familiares e admiradores, entre os quais menciono mais uma vez o acadêmico Paulo de Tarso Correia de Melo e Ignês Antunes de Lemos Santos.

A exemplo desses traços deixados, apresento as cartas escritas para Magdalena por seu irmão Juvenal Antunes. Mesmo distante, quando estabeleceu residência no estado do Acre, Juvenal manteve vínculo de amizade com a irmã, com quem se comunicava através de cartas, o que era do costume da época. Alguns dos fragmentos dessas missivas podem ser consultados no ensaio biográfico Um boêmio Inolvidável (SIQUEIRA, 1968).

Outro trabalho de cunho biográfico sobre o escritor Juvenal Antunes a que tive acesso intitula-se O anjo devasso, de Antonio Stélio (2016) e que, de forma geral, trata do último livro de uma trilogia escrita a partir do subgênero literário romance histórico, no qual a narrativa ficcional se relaciona com fatos históricos. Todo seu trabalho, segundo esclarecimentos do próprio autor, os quais me ajudaram sobremaneira, é ancorado em pesquisas documentais feitas em arquivos e entrevistas, tanto no estado do Acre quanto no Rio Grande do Norte.

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A título de informação, conheço Sylvana Kelly Marques da Silva desde os tempos da graduação quando tive a oportunidade de pagar disciplinas junto a ela. Com o tempo, esse laço se perpetuou na pós-graduação e para além da vida acadêmica e, de fato, até hoje somos amigos. Sendo natural de Ceará-Mirim, onde residiu durante anos juntamente com sua família, Sylvana Kelly mantinha relação de amizade com a escritora Lúcia Helena Pereira, com quem conversou e me apresentou enquanto pesquisador da trajetória de Magdalena Antunes. Atualmente, a acadêmica é professora adjunta do curso de Turismo da Universidade Federal do Maranhão, campus São Bernardo.

FIGURA 12 - Juvenal Antunes, irmão de Magdalena Antunes

FONTE: Pereira (2011c)31.

Entre as pessoas entrevistadas pelo autor, destacou Lúcia Helena Pereira, neta de Magdalena, que concedeu entrevista a ele pouco antes de seu falecimento, em 2016. O autor também entrevistou a filha de Etelvina Antunes, Ignês Antunes de Lemos Santos, cuja fala foi muito importante em termos de informações sobre o passado familiar dos Antunes, para ele e para mim. Embora o trabalho de Antonio Stélio enfatize a trajetória de vida e intelectual de Juvenal Antunes, ele também colaborou para que eu pudesse encontrar detalhes sobre a vida familiar de Magdalena Antunes, sobretudo sua relação afetiva com os irmãos.

31 Imagem disponível em http://aclablog.blogspot.com/2011/11/os-seis-elogios-de-juvenal-antunes.html (acesso em: 07 set. 2016).

Em relação ao livro Um boêmio inolvidável (1968), texto que também tomei como fonte, saliento que seu autor, o escritor Esmeraldo Siqueira, reuniu pequenos artigos de sua autoria escritos com base nas cartas enviadas por Juvenal a Magdalena e os publicou em formato de livro32. Todavia, para a concretização desse projeto, a colaboração de Magdalena Antunes foi de suma importância. Conforme Siqueira afirmou: “Graças aos bons préstimos da nossa muito querida amiga Magdalena Antunes, devotada irmã do poeta, não nos tem faltado abundante material e documentação sobre a vida e a obra do talentoso norte-riograndense” (SIQUEIRA, 1968, p. 39).

Essas cartas foram publicadas pelo escritor potiguar Esmeraldo Siqueira, amigo da família e que fazia parte do círculo de amizade de Magdalena Antunes, entre os anos de 1940 e 1950, momento em que a escritora colaborou para que ele escrevesse um livro biográfico dedicado ao seu irmão. Embora as cartas que Esmeraldo Siqueira reproduziu em sua obra sejam de autoria de Juvenal, a partir delas tentarei trazer mais um pouco da dimensão familiar, privada e até mesmo afetiva da vida de Magdalena Antunes. Acredito que a colaboração de Magdalena Antunes com o livro de Esmeraldo Siqueira foi uma importante demonstração de afeto dela pelo seu irmão33

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Vale salientar que na época em que Esmeraldo Siqueira se dedicava à publicação dos textos sobre Juvenal Antunes, ou seja, na década de 50, Magdalena Antunes já vinha escrevendo sua autobiografia, haja vista que os artigos de Siqueira sobre Juvenal Antunes são datados do ano de 1953, sendo a maioria deles embasados nas cartas recebidas e guardadas por Magdalena Antunes, que morreria seis anos depois. Talvez ela tivesse consciência de que Juvenal, por ter vivido, produzido e morrido longe de seu solo natal teria maiores chances de ser esquecido, sobretudo pela vida boêmia e fora dos padrões aceitáveis para a época, uma vez que Juvenal nunca se casou e por isso foi praticamente exilado, conforme ele mesmo colocava em suas cartas à irmã (SIQUEIRA, 1968).

Sobre o fato de nunca ter se casado, Juvenal questiona a ideia burguesa de casamento em voga no momento. Segundo ele, os moldes pelos quais o elo entre os cônjuges se fazia, ou

32 Esmeraldo Siqueira (1908-1987) foi médico, professor, poeta, crítico literário chegando a atuar em diversos jornais de Natal tais como A República, o Diário de Natal e a Tribuna do Norte. Além disso, Esmeraldo Siqueira destacou-se pela publicação de uma gama de obras que versam sobre literatura clássica europeia, sobretudo francesa, e temas da cultura brasileira (CARDOSO, 2000). Sua imagem fotográfica pode ser visualizada na Figura 16, no capítulo seguinte.

33 Juvenal Antunes veio a falecer em 1941, no dia 30 de abril, em Manaus, na Santa Casa de Misericórdia, quando vinha de viagem, já bastante debilitado, para o Rio Grande do Norte (SIQUEIRA, 1968). O autor da biografia não explica os motivos da morte de Juvenal, silêncio este posto em xeque anos depois pelo estudo biográfico de Antonio Stélio, que trouxe à luz a figura esquecida de Juvenal Antunes. Segundo Stélio (2016), Juvenal morreu acometido de cirrose hepática após passar mal a bordo do navio de navegação fluvial Aracaju.

seja, atrelado na maioria dos casos meramente à questão de junção de riquezas e propriedades, bem como para se constituir uma prole ou para oferecer uma estampa para a sociedade, não lhe agradava. Assim ele nos diz em carta endereçada à Magdalena:

Quem como eu, faz do amor um ideal e do coração um santuário, acima dos preconceitos e hipocrisias sociais, só unirá seu destino ao de uma mulher que se torne indispensável à sua vida, como epílogo de longo drama de amor, e não burguesmente, pelo dever de constituir prole (ANTUNES, [?] apud SIQUEIRA, 1968, p. 11).

É visível que, ao mesmo tempo em que Magdalena Antunes se esforçou para inserir seu nome no celeiro das letras de seu estado através da escrita que desenvolveu na imprensa e na literatura, ela também se empenhou em fazer o mesmo com o nome do irmão que muito amava. Essa missão foi levada adiante por Lúcia Helena Pereira, sobrinha-neta de Juvenal, que publicou um livro intitulado Breve coletânea de Juvenal Antunes, em 1998, em edição comemorativa pelos 140 anos do município de Ceará-Mirim. Como não cheguei a consultar a obra, acessando apenas comentários sobre ela no texto de Lúcia Helena Pereira (2011c), suspeito que esse livro tenha sido produzido com material deixado por Magdalena Antunes aos cuidados da neta.

O esforço de Magdalena Antunes nessa empreitada de traçar uma biografia para o irmão é elogiado e reconhecido com gratidão pelo autor de Um boêmio inolvidável, que utilizou parte do material que ela possuía de autoria de Juvenal e, nisso, incluem-se as cartas que aqui utilizo. Assim, Siqueira reforça a importância da colaboração de Magdalena:

Pode-se imaginar o que se não perdeu do seu espírito nessas tertúlias boêmias. Ficou, apesar de tudo, graças principalmente ao fraternal afeto de Madalena Antunes, muita coisa ainda capaz de conservar-lhe o nome. Essa fidalga e digníssima senhora nos deu a honrosa confiança de constituir-nos legatário único de quanto foi possível salvar-se da dispersiva atividade literária de seu irmão. Dos papéis guardados em nossos arquivos restam copiosas páginas ainda inéditas, cuja publicidade iremos trazendo por partes, sem precipitação (SIQUEIRA, 1968, p. 69).

Algumas dessas cartas me ajudaram a visualizar questões da vida privada da família Antunes. Conforme mostra Siqueira (1968), dentre essas relações do âmbito doméstico e familiar, que não se estendiam à esfera pública, e que Magdalena retrata muito superficialmente em seu Oiteiro, cito a relação afetiva travada desde a infância entre os dois irmãos e que será um tema bastante recorrente, aparecendo com frequência nos trechos que trarei a seguir.

Na carta de 1924 que foi escrita em Nova Olinda e destinada a Magdalena Antunes, observa-se:

Só ontem, isto é, com o atraso de seis dias, chegou aqui o correio, cuja canoa se alagou, perdendo-se parte da correspondência, inclusive um ofício e uma carta para mim. A tua felizmente se salvou, o que me deu muito prazer. Descubro através das tuas últimas letras um afeto sempre crescente, recordando-me os desvelos que tinhas para comigo em criança, quando mais velhinha do que eu, vigiavas os meus passos e me ensinavas a rezar o terço mariano. Porque me esqueci daquelas orações que tanto me poderiam servir hoje de consolação? É que, de certo, a perseverança final é para os predestinados. Não é assim que rezam as Escrituras sagradas? (ANTUNES, 1924, apud SIQUEIRA, 1968d, p. 18-19).

Na carta acima é possível observar os papéis familiares desempenhados pelos dois irmãos. Pelo fato de Magdalena Antunes ser a irmã mais velha e, justamente, por ser menina, a ela ficava a incumbência de “olhar” pelos irmãos menores, protegendo-os e sendo os olhos dos seus pais sobre os mais moços quando eles não estivessem por perto, sobretudo para com Juvenal, três anos mais novo, seu irmão mais peralta, conforme afirmou seu biógrafo (SIQUEIRA, 1968). Antonio Stélio, com base em entrevista a Lúcia Helena Pereira sobre essa relação entre os irmãos, acrescenta:

O amor entre os dois era daqueles que nunca se acaba. E nem a lonjura atrapalha. Ninguém mais que ela sofreu tanto com a morte de Juvenal, dentro ou fora da família. Vovó era interlocutora dele. Porta-voz ou cúmplice? Fosse o que fosse de bom ou de ruim, lá estava ela a tratar por Juvenal. Procurava amenizar as preocupações da família com o poeta, o mais amado [...] (STÉLIO, 2016, p. 26).

É possível observar traços da cultura religiosa da época através da citação ao terço mariano, ao texto bíblico e as orações que Magdalena tentava ensinar a Juvenal, mas sem muito sucesso. Segundo Barman (2005), a partir do século XIX, surgiram novos tipos de devoção no Brasil e que, tanto na forma, quanto na mensagem transmitida, buscavam servir de alento para as mulheres. O culto à Virgem Maria, por exemplo, na figura da Imaculada Conceição (concepção sem a mancha do pecado original), já era realizada desde tempos remotos. Por volta de 1854, ele foi declarado dogma e em 1856 uma festa universal da Igreja Católica, tornando-se um forte apelo às mulheres, da mesma forma que a adoração ao “Sagrado Coração de Jesus”. Maria era o contraponto de Eva, “[...] a rainha da cristandade medieval” (PERROT, 2015, p. 84), o modelo ideal de mulher que todas as meninas e moças deveriam se espelhar sendo o terço, principal símbolo dessa devoção.

Os trechos das cartas possibilitam a visualização de nuances da vida familiar de Magdalena Antunes no âmbito privado e também detalhes da cultura da época em relação à religiosidade, entre outras questões. São cartas datadas entre os anos 10 e os anos 30 do século XX. Esmeraldo Siqueira (1968) não faz referência às datas de algumas delas; todavia, o valor histórico dessas não é diminuído.

A alusão às respostas às cartas de Juvenal, ou seja, as cartas escritas por Magdalena Antunes, constam no livro de Siqueira (1968) enquanto uma importante fonte de pesquisa. Contudo, o autor não faz menção sobre o paradeiro destas, mas levanta hipóteses sobre a possibilidade de terem sido perdidas juntamente com outras produções de Juvenal, que levava uma vida boêmia. Embora ocupasse importantes cargos públicos no Acre e circulasse entre a alta cúpula da intelectualidade sendo, inclusive, um dos fundadores da Academia Acreana de Letras (AAL) em 1937, Juvenal levava uma vida nada convencional para os padrões da época34.

Em termos de definição, pode-se dizer que as cartas são um tipo de documentação autobiográfica, que se produz “[...] na primeira pessoa, na qual o indivíduo assume uma posição reflexiva em relação à sua história e ao mundo onde se movimenta” (MALATIAN, 2015, p. 195). Ademais, as correspondências são um tipo de documentação produzida e consumida no âmbito da domesticidade, e não têm o objetivo de serem publicizadas no momento de sua feitura. Dessa forma, elas nos permitem visualizar os missivistas por um viés mais aproximado, pois muito da subjetividade de quem escreve é revelada, graças à despreocupação com o olhar do outro e a confiança direcionada à pessoa a quem escreve.

Numa das cartas, datada de 17 de agosto de 1913, Juvenal mostra uma peculiaridade de Magdalena Antunes que não se apresenta nos demais escritos que ela fez de si nem que outros autores fizeram dela, que é sua veia humorística, dado apresentado primeiramente por Paulo de Tarso de Melo (2018) na entrevista a mim concedida. Isso é sugerido na seguinte passagem: “Acabo agora mesmo de reler a tua última carta, que muito me satisfez e fêz rir bastante [...] (ANTUNES, 1913, apud SIQUEIRA, 1968c, p. 73).

Outra peculiaridade sobre a vida de Magdalena Antunes que Juvenal revela, em tom de comédia, é que ela teve uma cadelinha de estimação que atendia pelo nome de Fru-Fru, palavra esta que naqueles idos, acredito que poderia identificar-se com algo que fosse cheio de detalhes e enfeites. Assim ele nos diz: “Madalena – Recebi a triste notícia... Não lamento a Fru-Fru não ter o direito, na vida terrena, das prerrogativas de uma alma, pois pertencia à escala dos irracionais. Ela não perdeu nada com isso [...]” (ANTUNES, 1913, apud SIQUEIRA, 1968b, p. 55).

34 Antonio Stélio (2016) salienta que existe uma documentação substancial para a feitura de pesquisas sobre Juvenal Antunes em terras acreanas. Entre a documentação, cita jornais datados de 1913 a 1942 editados nas cidades de Sena Madureira, Porto Acre e Rio Branco, que se encontram à disposição dos pesquisadores no Museu da Borracha em Rio Branco, conservação esta que, segundo Stélio, se deu devido ao carinho dispensado pela intelectualidade à figura de Juvenal. Stélio também cita inúmeros testemunhos e depoimentos de seus contemporâneos, artigos científicos e literários, reportagens e até mesmo uma dissertação.

Sobre o caráter temporal das correspondências, pode-se dizer que “a temporalidade está dividida entre os „tempos fortes‟ (festas natalinas, de ano-novo, aniversários, nascimentos, casamentos, falecimentos) e os „tempos mortos‟ ou sem novidades marcantes na vida cotidiana” (MALATIAN, 2015, p. 207). As cartas enviadas por Juvenal Antunes publicadas por Esmeraldo Siqueira se inserem dentro desse tempo morto, uma vez que os temas abordados nas cartas giram em torno do cotidiano, notícias dos entes da família em Ceará-Mirim, debate sobre as movimentações políticas da época em que são emitidas opiniões sobre educação, economia e saúde pública. Nessas cartas, ele também confidencia à irmã seu amor por Laura, a moça cearamirinense que não lhe aceitou como namorado.

Segundo a historiadora Andréa Lisly Gonçalves (2006), as cartas têm sua escrita associada às mulheres, sobretudo em finais dos Setecentos e ao longo de todo o século XIX. Às mulheres cabia a tarefa de manter a rede familiar conectada, e esse costume continua, mesmo com a intensificação e diversificação dos meios de comunicação, com o advento da industrialização nos Oitocentos. Magdalena Antunes cumpria esse papel de manter a família de Ceará-Mirim a par de notícias de Juvenal, uma vez que este estava morando no Acre.

Em carta datada de 1933, escrita em Porto Acre, o poeta pede à irmã que o defenda perante a mãe de comentários que, segundo ele, eram caluniosos sobre sua índole e comportamento. Assim diz o poeta:

Dize-lhe que ainda estou longe de viver embriagado como dizem. Bebo apenas [...] regularmente. Ainda neste momento, sob o pretexto de que está fazendo frio, tenho diante de mim uma garrafa de “Macieira”, o imortal conhaque que se intitula fine eau-de-vie (fina água da vida...), mas não deixo de cumprir meus deveres de funcionário federal (ANTUNES, 1933, apud SIQUEIRA, 1968e, p. 13).

O trecho acima mostra que de fato a escritora fazia a intermediação de notícias entre o irmão e os demais entes da família, haja vista o pedido do irmão para que ela intercedesse por ele junto à mãe. Além disso, ao que se vê Magdalena Antunes continuava exercendo a função de “mãe substituta” de Juvenal, tal qual era conferido a responsabilidade às irmãs mais velhas e ela a exercia desde a meninice, cuidando e intercedendo pelo irmão mais novo. Vale salientar que Etelvina, ao lado de Magdalena Antunes, lia as cartas de Juvenal e também as de Ezequiel, mantendo a família toda noticiada de como iam passando os irmãos (STÉLIO, 2016).

Por meio das missivas trocadas, a coesão familiar era mantida através de notícias, conselhos e suporte emocional, uma vez que as cartas serviam de elo a unir pessoas que se estimavam, mas que, por um motivo ou outro, se encontravam morando em lugares diferentes e, neste caso, distantes (MALATIAN, 2015). E, além disso, é perceptível o traço humorístico

de Juvenal, tão conhecido em sua poesia, tal como pode ser visto no poema “Elogio da preguiça”:

Bendita sejas tu, preguiça amada,

Que não consentes que eu me ocupe em nada. Mas, queiras tu, preguiça, ou tu não queiras, Hei-de dizer, em verso, quatro asneiras. Não permuto por toda a humana ciência Esta minha honestíssima indolência Está na Bíblia esta doutrina sã: Não te importes com o dia de amanhã.

(ANTUNES, [19-] apud SIQUEIRA, 1968a, p. 110-111).

Seja nos poemas ou nas cartas, Juvenal Antunes mantém sua veia cômica, sendo ele o mais divertido do grupo de irmãos, aquele que alegrava a família e quem tinha o hábito de passar suas férias na casa de Magdalena Antunes em Ceará-Mirim (SIQUEIRA, 1968). Quando ele regressava para o Acre, restava a saudade que era minorada através das cartas trocadas. É importante dizer que o desempenho do processo epistolar ao longo do século XIX foi acompanhado do processo extensivo de alfabetização das mulheres, que atingiu de forma desigual os diferentes países, o que foi responsável pelo recrutamento de professoras entre as próprias mulheres, sobretudo as de renda menos elevada. Segundo Andréa Lisly Gonçalves, “[...] a correspondência, a literatura e a imprensa são os meios através dos quais as mulheres foram conquistando o espaço público” (GONÇALVES, 2006, p. 101).

A correspondência trocada entre duas pessoas distantes geograficamente “[...] criava e sustentava um desejo de reciprocidade, pois o envio de uma carta trazia implícito ou explícito um pedido de resposta na conversação realizada à distância” (MALATIAN, 2015, p. 197). Conforte afirma Gonçalves (2006), cartas enviadas aos maridos distantes no contexto do Brasil do século XIX, por exemplo, poderiam revelar detalhes do poder da mulher exercendo sua administração doméstica, cuidados com os filhos e o traquejo com os escravos.

As realidades descritas nas missivas mostravam que as mulheres não estavam totalmente limitadas pelo poder oriundo da cultura patriarcal vigente; ao contrário, mesmo que houvesse limitações impostas pela cultura de orientação masculina, elas conseguiam se