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A primeira das mulheres que trago para o centro do debate é a mãe de Magdalena Antunes, Joana Soares de Oliveira. Sua data de nascimento é desconhecida por mim e ao longo do Oiteiro percebi que Magdalena Antunes, ao contrário do que fez com o pai, quase nada detalhou sobre a história e vivências da mãe, e os detalhes que aparecem surgem de forma bastante diluída ao longo de sua escrita. Nas páginas da obra, atentei para o fato de que Magdalena Antunes se deteve em representar sua mãe enquanto uma típica senhora de engenho com uma extensa carga de atribuições para dar conta. A realidade dessas mulheres sinhás-donas de casa-grande foi retratada pelo escritor pernambucano Mário Sette (2005) em seu romance Senhora de engenho, que trouxe, a partir da personagem Dona Ignacinha, casada com um importante senhor de engenho pernambucano, as expectativas que giravam em torno de sua posição social. Como exemplo, trago a seguinte passagem:

- Olhe minha filha, vá mais Betânia. Ela lhe mostra tudo direitinho viu? Eu não vou também por causa da minha lida. De manhã é um aferventado de coisas... Repare: aquela meninada vem buscar leite. No pátio, punhado de crianças, filhas dos moradores, traziam vasilhaes para encher de leite, as sobras das vacas, dadas caritativamente pela bondosa senhora (SETTE, 2005, p. 77; grifos meus).

Joana Soares de Oliveira, nas narrativas de Magdalena, aparece como uma matrona que, tal como salientou Gilberto Freyre (1998), eram as senhoras que, casadas entre os treze e quatorze anos, aos dezoito já haviam adquirido completa maturidade, sobretudo corporal, devido às demandas do casamento e da maternidade. A mãe de Magdalena Antunes circula na narrativa tendo que dar conta de uma rotina atribulada, a criação dos quatro filhos e a administração da casa, o que incluía a gerência da escravaria doméstica.

Além disso, a mãe de Magdalena Antunes possuía uma rede extensa de comadres, recebendo-as constantemente em sua casa, certamente mães de afilhados seus, como era comum entre as famílias pobres darem seus filhos para pessoas mais influentes economicamente batizarem. Nesses encontros que aconteciam na casa-grande do engenho Oiteiro, segundo Magdalena Antunes, o assunto da abolição aparecia timidamente, dado o receio das comadres de sua mãe em tocar nessa questão, que era bastante delicada nas famílias escravocratas de Ceará-Mirim (ANTUNES, 2003). Sobre isso escreveu Magdalena Antunes: “Em nossa casa chegavam comadres pobres, de minha mãe, as que nunca tiveram escravos, abordando com disfarce o assunto da abolição, que a todos empolgava” (ANTUNES, 2003, p. 98).

Magdalena Antunes narra em sua memorialística que algumas das conversas dessas mulheres foram ouvidas clandestinamente por ela e Tonha quando eram meninas, tendo à época apenas oito anos: “Muitas dessas histórias eu e Tonha escutávamos escondidas, pois minha mãe não queria que as ouvíssemos. Então, a negrinha sobressaltada conjecturava: „Sinhá Lica, eu estou com medo de nascê de novo e sê escrava...‟” (ANTUNES, 2003, p. 99). Tonha, por sua vez, era a companheira de brincadeiras de Magdalena e tinha apenas dois anos a mais que ela, nascendo em 1878 após decretada a lei do Ventre Livre (1871), o que a fazia liberta. Quando da Abolição, em 1888, a avó de Tonha, chamada Tetê, levou a menina embora para Angicos para morar com ela, fazendo com que Magdalena Antunes perdesse sua companheira de primeira infância, conforme narrado por ela (ANTUNES, 2003).

A partir das conversas das senhoras que foram ouvidas subversivamente pelas duas meninas, foi possível observar o perfil de algumas mulheres sinhás-donas de casa-grande da região de Ceará-Mirim. Sobre estas assim Magdalena escreveu:

Contavam coisas incríveis dos “Senhores”. Imaginavam como iriam ficar a dona Dondon, que queimava as negras com o ferro de engomar em brasa, quando lhe tostavam os vestidos; a dona Joaquina, que prendia o lóbulo da orelha da escrava no portal, e, depois, chamava-a de certa distância, imperiosamente, tendo a escrava que atender, senão seria pior... E a infeliz ia ao seu encontro deixando na porta o pedaço da orelha! Contavam a indignação de certo juiz de Direito quando, certa vez, fugira de propriedade próxima da cidade, uma negrinha que, entrando em sua casa se lhe ajoelhou os pés, pedindo misericórdia. Trazia o corpo chagado de surras horríveis, infligidas pela senhora. A esposa do juiz, uma excelente criatura, horrorizara-se ao constatar no corpo da infeliz feridas secas, algumas sangrando ainda recentes” A cabeça era um sarapatel!... Então, o magistrado mandou que a abrigassem em sua casa, dizendo: Quero ver quem a poderá tirar daqui! (ANTUNES, 2003, p. 98).

Gilberto Freyre (1998) em Casa-Grande & Senzala identificou essas agressões das mulheres casadas como sadismo e explicou essas práticas direcionadas às escravas como um reflexo da violência doméstica que elas próprias sofriam em relação aos seus maridos, muitas das quais sendo preteridas por eles em relação às escravas do engenho. Em contraposição a essas mulheres, descritas minuciosamente por Freyre, e das rememoradas por Magdalena Antunes, Joana Soares de Oliveira, nas narrativas da filha, aparece de forma senhorial exercendo o poder ao administrar o lar, dando ordens aos trabalhadores e cuidando para que tudo funcionasse no mais perfeito estado, inclusive direcionando o trabalho das escravas domésticas, entre as quais Patica e Virginia.

Em relação aos filhos, ela foi descrita por Magdalena Antunes como sendo bastante atenciosa e dedicada, sobretudo para com Juvenal, o filho tido como o mais peralta entre os quatro e que lhe dava mais trabalho. Devido às habilidades que tinha no manejo do corte e costura e também nos bordados, cuidou pessoalmente da confecção de todo o enxoval de Magdalena Antunes quando foi decidido em reunião familiar que esta deveria ser matriculada no colégio interno (ANTUNES, 2003). Foi chorando às escondidas que cuidou dos últimos preparativos da viagem da filha primogênita, a qual, na companhia do marido, foi deixar no Colégio de São José, na cidade do Recife, em junho de 1891 (ANTUNES, 2003).

Ao trazer a figura de sua mãe, Magdalena Antunes me permitiu visualizá-la em relação às demais mulheres do Nordeste. E foi justamente a partir da contraposição entre ela e as demais sinhás-donas que Joana Soares foi representada nas narrativas da filha. Nesse sentido, um fato se faz importante destacar: o fato de a maioria das mulheres se encontrarem em estado de analfabetismo naqueles idos. Fato é que, na época da implantação do regime republicano, do total de mulheres brasileiras, quase dois terços eram analfabetas, segundo Almeida (1998). Isso refletia o próprio quadro de atraso em relação à instrução pública por que passava o país nos Oitocentos.

As críticas ao abandono educacional em que se encontrava a maioria das províncias estavam presentes nos debates do Parlamento, dos jornais e até mesmo dos saraus. Os anos passavam, o Brasil caminhava para o século XX e, nas cidades e povoados, sem falar na imensidão rural, grande parte da população continuava analfabeta (LOURO, 2013, p. 443-444).

Por outro lado, sobre as mulheres, havia impedimentos ligados à própria ordem cultural da sociedade, que era regida por valores predominantemente masculinos, fazendo limitar o seu acesso ao espaço do conhecimento instruído, de forma que, mesmo com a promulgação da primeira Lei de Instrução Pública no Brasil em 182743

, que em si já tinha suas aberturas em relação ao ensino proposto ao público feminino, a autoridade paterna, que em alguns casos evoluía para verdadeira violência, aparecia como um fator a limitar as mulheres e, em muitas situações, a impedi-las totalmente de acessar o mundo da cultura letrada.

O quadro de analfabetismo se dava principalmente com as mulheres pobres, mas também incluía parte das mulheres ricas. Se entre as mulheres nordestinas da elite o analfabetismo era algo que existia, tal como afirmou a historiadora Miridan Falci (2013), entre as mulheres pobres a situação era ainda mais complicada, pois estas não dispunham dos bens culturais tais como poderiam ter mais facilmente as primeiras. Sobre o quadro de analfabetismo das mulheres oitocentistas, fala Magdalena quando esta menciona sua mãe em outro momento:

Minha mãe era uma criatura adorável! De uma filosofia rara! Um diamante sem ser lapidado. Pertencia à época em que a educação dada à mulher era quase nenhuma e em que não iam além das primeiras letras as próprias senhoras da mais alta posição social. Os pais não a puseram na escola para não aprender a escrever a namorados. Inteligente, conseguiu às ocultas, tomar lições com uma vizinha que morava na mesma praia de Água-Maré, em Macau, onde ela nasceu, e assim, vencendo dificuldades aprendeu a assinar o nome e ler qualquer livro (ANTUNES, 2003, p. 41; grifos meus).

43 A primeira Lei de Instrução Pública no Brasil foi decretada em 15 de outubro de 1827, determinando que a partir de então se criasse escolas de primeiras letras nos pontos mais longínquos do Brasil, onde elas se fizessem necessárias (BRASIL, 2009). A partir desse momento, as brasileiras passaram a ter garantido, de forma gratuita, ao menos oficialmente, o acesso aos estudos através da criação das escolas de nível primário. Pelo menos em tese, tal como os meninos as meninas aprenderiam as chamadas primeiras letras, “[...] aliás único nível a que as meninas teriam acesso” (LOURO, 2013, p. 444). Para a época, é possível considerar que a lei foi um avanço em termos de possibilidades para as brasileiras que em sua grande maioria encontravam-se imersas no analfabetismo. A lei de 1827 veio para tentar minorar esse quadro. O documento era composto por 17 artigos que norteavam diferentes pontos que precisavam ser seguidos para a efetivação do projeto. Os artigos versavam sobre a criação das escolas, o salário dos mestres, o método de ensino, o currículo, o concurso público, as gratificações, as escolas para meninas, fechando com os castigos e a fiscalização do trabalho dentro do espaço das escolas. A lei de 1827 foi a primeira lei minimamente completa que se voltava para a instrução pública no Brasil e que, tal como nos países europeus de onde o modelo educacional foi importado, estava destinada às classes populares (NEVES, 2003). Sobre isso consultar ainda o tópico: “A regulamentação da educação feminina no Brasil” de Ana Laudelina Ferreira Gomes (2013, p. 124-126).

Ao refletir sobre a educação que foi negada à sua mãe, Magdalena Antunes possibilita a ampliação do cenário para se pensar que outras mulheres da época tiveram que trilhar o mesmo caminho subversivo, desviando assim suas ações do controle adotado por muitos pais, sobretudo os das famílias do período colonial. Sobre a educação das jovens brasileiras desse momento, o pintor e desenhista francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) também se deteve a observar quando esteve no Brasil compondo a Missão Artística Francesa no início do século XIX. Em seu livro intitulado Viagem pitoresca e histórica ao Brasil publicado em três volumes, ao regressar ao seu país de origem, Debret escreveu: “[...] os pais e maridos favoreciam essa ignorância, a fim de destruir os meios de correspondência amorosa (DEBRET, 1972, p. 17).

O viajante francês Charles Expilly (1814-1886) por sua vez, após sua estadia na cidade do Rio de Janeiro escreveu o livro Mulheres e costumes do Brasil publicado pela primeira vez em 1863. Assim ele escreveu sobre a educação que era dada as meninas e moças: “Uma mulher já é bastante instruída quando lê corretamente as suas orações e sabe escrever a receita de goiabada. Mais do que isso seria perigoso para o lar” (EXPILLY, 1935, p. 401).

Magdalena Antunes salientou que a própria falta de incentivo e o excesso de autoritarismo dos pais atuaram como fator complicador, limitando as meninas e moças de ocuparem os bancos escolares. Muitos destes pais eram imbuídos do pensamento de que não era preciso instruir as mulheres, mas apenas dotá-las de alguns saberes básicos que seriam absorvidos com o contato direto com suas próprias mães, para utilizá-los no espaço privado, haja vista que o seu futuro já estava traçado desde o nascimento: esposas, donas-de-casa e mães (LOURO, 2013).

Magdalena Antunes retratou o pensamento que circulava na época, ao trazer para as páginas do Oiteiro a figura de Amaro, senhor de propriedades na região de Ceará-Mirim e primo do coronel José Antunes. Segundo a memorialista, ele era assíduo em sua casa mesmo a contragosto de seu pai. Assim ela diz:

Meu pai acolhia-o mais por complacência que por amizade, pois não gostava de suas opiniões, nem da ironia que lhe fagulhava nos lábios a cada palavra. Pensava que não se deveria instruir a mulher que, quanto mais ignorante mais feliz, ao passo que toda ciência para o homem seria pouca. Achava que meu pai devia guardar para o futuro o dinheiro que iria gastar comigo no colégio, porque o lucro seria outro; futuramente só o dinheiro valeria. E acrescentava: - Hei de lutar para morrer rico, embora mortalha não tenha bolso, nem caixão tenha gaveta. E gargalhava estrondosamente, troçando de tudo e de todos. Meu pai discordava disto com brandura, e insistia em pôr as filhas no colégio, dando-lhes instrução igual, se possível, à dos rapazes... O primo então retorquia: - Pois dê ciência às suas filhas que eu guardarei dinheiro para as minhas... E zombando: - Depois veremos quem acertou... (ANTUNES, 2003, p. 167; grifos meus).

O livro intitulado Direitos das mulheres e injustiça dos homens (FLORESTA, 1989a), publicado em Recife, no ano de 1832, é apresentado pela potiguar Nísia Floresta enquanto uma tradução livre da obra A Vindication of the rights of women da escritora inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797). Todavia, a escritora brasileira não se contentou em apenas fazer uma tradução do livro britânico, mas adaptou suas ideias e ampliou a reflexão para a realidade do Brasil (DUARTE, 1989a). A escritora refletiu sobre as especificidades da mulher brasileira por acreditar que elas também eram capazes de galgar espaços de comando. Para tanto, se fazia necessário dotá-las de conhecimentos advindos dos estudos de homens que, enquanto controladores do sistema educacional, insistiam injustamente em recusar o seu acesso às mulheres.

Nesta obra Nísia Floresta fez um exame minucioso visando verificar se existia alguma diferença essencial entre os sexos que servisse de justificativa para explicar a dominação que os homens exercem sobre as mulheres. Em tese, a autora concluiu o quanto os homens são injustos para com as mulheres ao monopolizarem os espaços de poder, impedindo-as de terem acesso a eles pelo poderio que possuíam sobre as estruturas educacionais. Nísia afirmou sobre a questão:

Assim, faltas de educação, somos entregues a todas as extravagâncias porque nos tornamos desprezíveis; temos atraído sobre nós seus maus tratamentos por faltas de que eles têm sido os autores, tirando-nos os meios de evitá-las. [...] enquanto os homens nos fecharem toda a entrada às ciências, eles não poderão, sem fazer recair sobre si toda a repreensão, lançar-nos ao rosto as faltas de conduta que a ignorância nos faz cometer e nós acusaremos sempre de injustiça e crueldade os desprezos e maus tratos que eles têm para conosco, por faltas que não está em nossas mãos remediar. [...]. (FLORESTA, 1989a, p. 90-91).

Fundamentados em discursos carregados de preconceito, em alguns casos respaldados em saberes ditos científicos na época, muitos homens desqualificavam categoricamente as mulheres que não seguiam o padrão instituído socialmente. Muitos pais, inclusive, reverberavam o imaginário coletivo sobre suas filhas, atuando de forma que elas conservassem seu estado de ignorância em relação à educação formal. Sobre elas, seria mais conveniente impor uma educação de cunho moral e que colaborasse com a constituição de princípios e do caráter. Embasada nos dogmas da doutrina católica, a educação pensada para as mulheres objetivava inculcar nas jovens que seus gestos e ações deveriam se colocar sob a autoridade masculina, jamais um ensino que lhes proporcionasse liberdade de opiniões e de ações. Segundo Gilberto Freyre (1998), dentro das famílias patriarcais brasileiras, para que as meninas e moças fossem valorizadas, seria necessário que elas ostentassem certo ar angelical

e olhar submisso frente aos adultos, sobretudo diante dos homens. As questionadoras e desafiadoras eram alvo de repressão e violência. Assim escreveu o sociólogo:

À menina, a esta negou-se tudo que de leve parecesse independência. Até levantar a voz na presença dos mais velhos. “Tinha-se horror e castigava-se a beliscão a menina respondona ou saliente: adoravam-se as acanhadas, de ar humilde”. [...]. As meninas criadas em ambiente rigorosamente patriarcal, estas viveram sobre a mais dura tirania dos pais – depois substituída pela tirania dos maridos (FREYRE, 1998, p. 421).

É possível afirmar que a própria educação direcionada às meninas, tanto nas escolas públicas quanto a que era oferecida nas escolas católicas, possuía muito desse viés disciplinador sexista. Seus corpos e mentes se faziam objeto de investimentos para que pudessem corresponder a um determinado padrão de comportamento social valorizado. Os corpos precisavam ser docilizados a partir da atuação de métodos dirigidos por instituições disciplinares e os colégios entram nesse rol (FOUCAULT, 2013b). Através do esforço despendido em educar as meninas e moças, objetivava-se moldá-las a um projeto social em que elas seriam bastante importantes para manter a ordem estabelecida:

A educação da mulher seria feita, portanto, para além dela, já que sua justificativa não se encontrava em seus próprios anseios ou necessidades, mas em sua função de educadora dos filhos ou, na linguagem republicana, na função de formadora dos futuros cidadãos (LOURO, 2013, p. 447).

Na legislação de 1827, o discurso presente em suas linhas enfatizava essa realidade: a necessidade de melhor preparar as mulheres, uma vez que estava em suas mãos a missão de serem as primeiras educadoras dos seus filhos e, dessa forma, seriam elas os primeiros parâmetros dos homens do futuro. Foi refletindo sobre essa necessidade de se educar as mulheres brasileiras que Nísia Floresta discorreu em seu Opúsculo humanitário, publicado pela primeira vez, em 1853, endossando algumas discussões que já havia trazido em seu livro de 1832. Assim nos diz Nísia:

Temos já transposto metade do século XIX, século marcado pelo Eterno para nele revelar ao homem estupendos segredos da ciência, tendentes a aplainar as grandes dificuldades que se opõe à universalidade do aperfeiçoamento das ideias, em ordem a fraternizar todos os povos da terra. [...]. Nada, porém, ou quase nada temos visto fazer-se para remover os obstáculos que retardam os progressos da educação das nossas mulheres, a fim de que elas possam vencer as trevas que lhes obscurecem a inteligência, e conhecer as doçuras infinitas da vida intelectual, a que têm direito as mulheres de uma nação livre e civilizada (FLORESTA, 1989b, p. 43/44).

A escritora mineira Helena Morley, que foi contemporânea de Magdalena Antunes, em seu diário publicado sob o título de Minha vida de menina, também refletiu sobre a situação vivenciada por sua avó na cidade de Diamantina, Minas Gerais. Embora fosse bastante inteligente, e essa inteligência que Helena descreve se deva às apropriações que sua

avó fez ao longo da vida, faltava-lhe o saber oficial, adquirido através do processo de alfabetização, ou seja, a avó de Helena era analfabeta.

Mesmo sem ser alfabetizada, a senhora se empolgava ao ver sua neta escrevendo as cenas do cotidiano no seu diário, servindo-lhe de importante incentivo. Talvez o fato de a avó de Helena ter vivido numa época em que as interdições sobre as mulheres eram bem maiores, sobretudo para as mulheres do interior, explique o valor que ela dá aos estudos da neta. Certamente ela não queria que a menina tivesse o mesmo destino seu. A mãe de Magdalena, mesmo sendo uma geração à frente da avó de Helena, também sofreu os efeitos da cultura de moldes patriarcais, sendo-lhe vetado o acesso aos estudos pelos pais.

Em data de 20 de dezembro de 1893 assim escreveu Helena:

Vovó fica toda inchada de alegria de ver as coisas que eu escrevo. Mamãe nunca olha o que escrevo, mas vovó quer que eu leia tudo para ela e também para as pessoas de fora. Quando estou passando os dias na chácara eu fico aflita para ir para a casa só por isso. Coitada; ela é muito inteligente, mas mal aprendeu a ler e escrever e por isso fica pensando que é uma coisa do outro mundo contar as coisas com a pena. Engraçado é que ela não se admira de eu contar com a boca. É que ela