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Maria Magdalena Antunes Pereira nasceu no dia 25 de maio de 1880 no Engenho Oiteiro, na cidade de Ceará-Mirim, época em que o município era um importante centro produtor de açúcar da província do Rio Grande do Norte, conforme dito anteriormente. Sendo filha do tenente-coronel José Antunes de Oliveira e de Joana Soares de Oliveira, Magdalena Antunes foi a irmã mais velha em uma sequência de quatro irmãos. Logo abaixo apresento a árvore genealógica da família Antunes Oliveira.

FIGURA 5 - Árvore genealógica da família Antunes Oliveira

FONTE: elaborado pelo autor com base em Antunes (2003), Duarte e Macêdo (2013), Gurgel (2001), Siqueira (1968) e Villar (2016).

Em relação a José Antunes de Oliveira, existem muitos detalhes de sua vida registrados na memorialística da filha; todavia, em relação a Joana Soares de Oliveira existem poucas referências. No entanto, Magdalena Antunes deixou registrado que sua mãe era filha do coronel Onofre José Soares, um rico senhor de engenho e escravos na região canavieira de Maxaranguape (ANTUNES, 2003). Sobre essas figuras falarei adiante.

Após o nascimento de Magdalena vieram: Ezequiel Antunes de Oliveira, Juvenal Antunes de Oliveira e a caçula Etelvina Antunes de Oliveira. Sobre Ezequiel Antunes de Oliveira, existem poucas informações, mas o que é sabido é que ele nasceu em 1º. de abril de 1881, se formou em medicina, tornando-se médico pela Faculdade da Bahia em 1906, após cursar farmácia (VILLAR, 2016). De comportamento sóbrio e moderado, Ezequiel foi o segundo filho do casal, e segundo informações encontradas em texto publicado por Lúcia Helena, sua sobrinha-neta, o tio foi transferido para Belém do Pará logo depois de formado e, em seguida, radicou-se em São Paulo, onde veio a falecer anos depois (PEREIRA, 2011c). Wandyr Villar (2016) por sua vez, acresceu que Ezequiel casou duas vezes e chegou a publicar um livro onde relatou suas experiências e impressões acerca do movimento do Contestado, no qual participou exercendo a função de médico.

1880 - 1959 Maria Magdalena Antunes de Oliveira 79 18? - 1915 José Antunes de Oliveia 18? - 1934 Joana Soares de Oliveira 1881 - 19? Ezequiel Antunes de Oliveira 1883 - 1941 Juvenal Antunes de Oliveia 58 1885 - 1963 Etelvina Antunes de Oliveia 78

Juvenal Antunes de Oliveira, por sua vez, nasceu a 29 de abril de 1883, sendo o terceiro filho do casal José Antunes e Joana Soares. Além de poeta, Juvenal formou-se advogado na Faculdade de Direito de Recife, exercendo no Rio Grande do Norte o cargo de promotor de justiça em Açu e, em seguida, o de secretário na saúde pública do Dr. Calistro Carrilho (SIQUEIRA, 1968). Paralelo às atividades na área da advocacia, Juvenal fundou um jornal intitulado A Capital, “[...] jornalzinho litero-político fundado por ele, Galdinho Lima e Honório Carrilho” (SIQUEIRA, 1968, p. 11) e “[...] que teve boa repercussão na cidade” (GURGEL, 2001, p. 186).

Juvenal ficou conhecido como boêmio, explorando em seus textos (poema e prosa) uma forte vertente humorística e sarcástica. Segundo Tarcísio Gurgel, “[...] suas irreverência e boemia determinaram a mudança de Estado, e o fato é que Juvenal pertence às duas literaturas” (GURGEL, 2001, p. 186). Antes de se mudar para o Acre, Juvenal Antunes publicou na imprensa de Natal. Em 1909, reuniu um conjunto de versos, levando à publicação do volume que intitulou Cismas, tendo como prefaciador Henrique Castriciano de Souza. Além deste, também publicou o livro de poemas intitulado Acreanas em 1922, quando já estava no Acre, consagrando-se como o “príncipe dos poetas acreanos” (SIQUEIRA, 1968). Publicou também Cartas a Laura que, segundo Siqueira, em 1968, ainda permanecia inédito. Mas, ainda sobre a mudança do poeta para terras nortistas, verdadeiro exílio, conforme o próprio autor coloca em suas cartas à irmã Magdalena, Esmeraldo Siqueira nos diz:

Em 1911, seu irmão mais velho, Ezequiel Antunes, veio para Natal como oficial do exército. Sóbrio e bem comportado, escandalizou-se Ezequiel com os desregramentos de Juvenal, e, em setembro daquele ano, indo servir na guarnição de Belém, levou consigo o irmão intemperante. Juvenal Antunes, mal chegado a Belém, zarpou para Sena Madureira, no Acre, onde, a princípio promotor público interino, aceitou depois, em setembro de 1913, um lugar de delegado de polícia. [...] Ocupou, durante o mês de janeiro de 1914, a promotoria pública de São Paulo de Icó, enquanto esperava a de Nova Olinda, para onde de fato foi transferido logo no mês seguinte [...] (SIQUEIRA, 1968, p. 11).

Juvenal Antunes viveu durante 29 anos no estado do Acre (STÉLIO, 2016), mas mesmo de longe conseguiu manter relações afetivas com as irmãs, Magdalena e Etelvina, laço reafirmado através de cartas, as quais serão discutidas mais à frente. Juvenal Antunes faleceu na cidade de Manaus em 30 de abril de 1941, quando vinha de viagem para o Rio Grande do Norte passar férias. Sua morte se deu em decorrência do agravamento dos efeitos nocivos do vício do álcool e do fumo sobre sua saúde, fazendo com que ele desenvolvesse cirrose hepática, mal que o vitimou, tal como pontuou seu biógrafo Antonio Stélio (2016).

Etelvina Antunes de Oliveira nasceu em 17 de maio de 1885. Durante anos, foi colaboradora de jornais de sua terra, como também de revistas literárias de Natal e de Recife

(DUARTE; MACÊDO, 2013). Tal qual sua irmã Magdalena Antunes, Etelvina participou ativamente dos jornais O Sonho (1908) e Esperança (1901-1909), ambos periódicos de Ceará- Mirim dirigidos por Dolores Cavalcanti e Izaura Carrilho. Nesses periódicos, Etelvina utilizou o pseudônimo Hortênsia Flores e, ao longo de sua vida, reuniu poemas em um volume que intitulou de Violetas e que foi publicado em 2016 pela editora Azymuth (ANTUNES, 2016). Etelvina também se destacou como musicista, tocando violino, bandolim, cavaquinho e violão (DUARTE; MACÊDO, 2013).

Em agosto de 1906, Etelvina se casou com Vicente de Lemos Filho, de quem passou a assinar civilmente o sobrenome Lemos, e com quem teve três filhos, Etelvina Dulce, José Vicente e Ignês. Os dois primeiros já são falecidos, mas a terceira tive a oportunidade de conhecer e entrevistar e cujos depoimentos apresento no capítulo seguinte. Tal como Magdalena, sua irmã acumulou as atividades de escritora, de esposa, de mãe e de dona de casa, produzindo bastante ao longo dos anos. Etelvina faleceu em 6 de janeiro de 1963, na cidade do Natal, onde residia na época (VILLAR, 2016). Sua fisionomia pode ser conhecida na figura abaixo.

FIGURA 6 - Etelvina Antunes

FONTE: Pereira (2011b)18.

No engenho Oiteiro, todos os irmãos nasceram e viveram suas infâncias sob os cuidados dos pais, que são descritos por Magdalena Antunes como pessoas adoráveis e bastante estimadas (ANTUNES, 2003). Foi dentro de um contexto patriarcal e ainda escravista que Magdalena conviveu com a escrava doméstica de nome Patica (mãe-preta) e Tonha, esta alforriada, mas que morava na fazenda junto à avó, ainda cativa, que se chamava Tetê. Por Tonha e Patica, a escritora tinha enorme afeição, dedicando-lhes várias páginas de sua memorialística, narrando cenas do seu cotidiano em que ambas faziam parte (SOUZA, 2007).

Ainda no engenho Oiteiro, Magdalena Antunes teve acesso à alfabetização e ao letramento começando suas primeiras lições aos sete anos de idade, ao ser presenteada por seu pai com uma carta de A-B-C, presente este recebido com protesto, já que ela não se interessava pelos estudos (ANTUNES, 2003). As cartas de A-B-C faziam parte do conjunto de recursos didáticos utilizados nas escolas primárias a partir de meados do século XIX. Sob o

18 Imagem disponível em http://aclablog.blogspot.com/2011/11/com-nobre-honra-transcrevo-um-dos.html (acesso em: 07 set. 2016).

incentivo de seu pai, Magdalena Antunes e seus irmãos foram iniciados no mundo do conhecimento científico. O pai sentava junto aos filhos “passando a lição” regularmente, todas as noites, ao chegar da lida no engenho (ANTUNES, 2003).

Através do esforço do pai e incentivo da mãe, Magdalena Antunes foi introduzida no mundo da leitura e dos números, o qual não a atraía, de forma que os anos passavam e ela não progredia, diferentemente dos irmãos, conforme ela destacou em seu livro (ANTUNES, 2003). Na verdade, ela passa toda a obra se autodepreciando em relação aos irmãos em termos intelectuais, sobretudo em relação à irmã Etelvina, a verdadeira escritora de poemas, segundo Magdalena Antunes. Vale ressaltar que a mãe de Magdalena Antunes, Joana Soares de Oliveira, aprendeu a ler de forma autodidata com a ajuda de uma vizinha e, depois de casada, continuou a ler nos intervalos dos afazeres domésticos (ANTUNES, 2003).

Com a finalidade de fazê-la uma menina educada foi que, aos 11 anos, exatamente em 1891, foi decidido pelo pai, em uma reunião de família, que Magdalena Antunes deveria ir estudar em uma escola católica do Recife (ANTUNES, 2003). Nela, Magdalena Antunes teria uma educação mais adequada aos padrões do que era esperado para uma menina da aristocracia da época, aprendendo a tocar piano, falar português e francês corretamente, bordar, desenhar, entre outros lustres necessários (AZZI, 2000). Tal como outras meninas de seu círculo social, Magdalena Antunes precisava moldar-se a uma conduta corporal e comportamental.

É importante observar que foi através do incentivo de seu pai e contra a própria vontade que Magdalena Antunes teve estudos formais. O pai de Magdalena era sensível ao ponto de entender a importância de educar seus filhos homens, e principalmente suas filhas mulheres, diferentemente da maioria dos senhores de engenho da época, que mantinham suas filhas analfabetas, conforme afirmou Falci (2013). Essa postura adotada por muitos pais se dava pelo entendimento de que proporcionar educação às meninas e moças era algo desnecessário, quando não perigoso.

De forma geral, a maioria das mulheres da elite, no Nordeste do século XIX, era analfabeta (FALCI, 2013). Mesmo as que tinham algum grau de instrução tinham seus movimentos limitados ao âmbito privado pela própria cultura patriarcal. Às mulheres abastadas, “[...] não se destinava a esfera pública do mundo econômico, político, social e cultural. A mulher não era considerada cidadã” (FALCI, 2013, p. 251). Para que educar e instruir as mulheres, com vias a emancipá-las através da alfabetização, permitindo-lhes assim a abertura ao mundo público? Era o pensamento de então.

Muitas filhas de famílias poderosas nasceram, cresceram, casaram e, em geral, morreram nas fazendas de gado. Não estudaram as primeiras letras nas escolas particulares dirigidas por padres e não foram enviadas a São Luís para o curso médio, nem a Recife ou Bahia, como ocorria com rapazes de sua categoria social. Raramente aprenderam a ler e, quando o fizeram, foi com professores particulares, contratados pelos pais para ministrar aulas em casa. Muitas apenas conheceram as primeiras letras e aprenderam a assinar o nome. Enquanto seus irmãos e primos do sexo masculino liam Cícero, em latim, ou Virgílio, recebiam noções de grego e do pensamento de Platão e Aristóteles, aprendiam ciências naturais, filosofia, geografia e francês, elas aprendiam a arte de bordar em branco, o crochê, o matiz, a costura e a música (FALCI, 2013, p. 251).

Na contramão disso, tanto Magdalena Antunes quanto seus três irmãos foram matriculados em colégios do Recife. Os meninos foram matriculados no Colégio Parthenon e as meninas no Colégio de São José. Mesmo o pai enfrentando problemas de ordem financeira devido à progressiva queda da economia açucareira que atingia os engenhos do vale do Ceará- Mirim, não descuidou da educação de sua prole. O Colégio de São José era um colégio religioso regido por freiras italianas da Congregação de Santa Doroteia e funcionava sob o regime de internato e destinado ao ensino de meninas (AZZI, 2000). A exemplo de outras escolas da época, o referido colégio promovia um determinado padrão de educação que legitimava a sociedade patriarcal, cujos valores enfatizavam que as mulheres deveriam se adequar a um modelo idealizado, ou seja, ele preparava as moças para serem freiras ou esposas de renomados senhores da sociedade brasileira (FALCI, 2013).

Nos capítulos dedicados às vivências que teve no colégio pude observar, dentre muitas outras coisas, que Magdalena Antunes faz a descrição das freiras da escola e do convívio com elas, das festas do colégio, tais como a primeira comunhão, algumas práticas pedagógicas da instituição, a festa do patrono e a cerimônia em que recebeu a medalha e a fita da Congregação Filhas de Maria. A autora ainda descreve as relações com as colegas, que nem sempre eram amistosas, além de trazer detalhes da metodologia e das práticas educacionais adotadas no estabelecimento de ensino.

Após findos os anos de colégio e já de volta à sua terra em 1896, Magdalena Antunes começou a escrever nos jornais femininos locais, tal como sua irmã Etelvina (ANTUNES, 2003). Morando agora no centro da cidade de Ceará-Mirim, no Solar dos Antunes, prédio esse construído por seu pai em 1888, e que hoje funciona como a prefeitura municipal da cidade, Magdalena Antunes começou a circular pelo espaço público, passando a ter uma convivência social mais efetiva, participando de saraus e reuniões domésticas com os jovens de seu tempo, entre eles a escritora e professora Adelle de Oliveira, com quem, segundo Stélio (2016),

Juvenal Antunes manteve um relacionamento afetivo. Por essa época, Magdalena Antunes muito pouco frequentava o engenho Oiteiro (STÉLIO, 2016).

FIGURA 7 - Jornal manuscrito O Sonho

FONTE: Oliveira (2002)19.

Nos saraus e assustados, que eram encontros realizados pelos jovens da época, moças e rapazes do seu ciclo de amizade se reuniam, declamavam poemas, tocavam instrumentos musicais e conversavam sobre temas diversos, entre eles, literatura. Nesse momento havia dois periódicos femininos que eram produzidos de forma manuscrita e artesanal na cidade de Ceará-Mirim: o jornal Esperança, dirigido por Izaura Carrilho e Dolores Cavalcanti, em que Magdalena Antunes estreou como escritora colaboradora, e o segundo jornal intitulado O

19 No manuscrito: “O SONHO. Parque das Musas. NO ETHER. Noite. E no alto, semeadas, soltas,/ sintilam, tremem, profusões de estrellas./ Muitas parecem como que revoltas, tamanho é o brilho que se espalha d‟ellas./ Sei que outras fulgem, sem que eu veja, envoltas/ Em névoas frias... Se eu podesse ve-las/ livres de sombras, semeadas, soltas,/ Brilhantes, e claras, como vejo aquelas! / E a via-láctea, mais e mais cintila,../ A nebulosa, mas, de que te espantas?/ Vamos, minh‟alma, de carinho ungil-a!./ E dá-me o sonho pequeninas asas.../ Nas nebulosas vejo estrellas, tantas!/ qual se entre cinzas crepitassem brasas –1908- Delia Maltez” (OLIVEIRA, 2002, p. 37). Segundo Gomes (2009), Delia Maltez era um dos pseudônimos utilizados pela escritora Adelle de Oliveira neste periódico literário.

Sonho, este último editorado por Adelle de Oliveira, que fazia parte do ciclo de amizade dos irmãos Antunes. É importante salientar que não acessei diretamente tais periódicos e as informações sobre eles que trago neste trabalho foram extraídas do estudo da professora Edna Maria Rangel de Sá Gomes (2009) que sobre O Sonho escreveu:

O Jornal O Sonho (1905-1910) era mensal, manuscrito em folha de papel pautado, com cerca de 26 cm de largura por 35cm de altura, e circulou de 7 de setembro de 1905 a novembro de 1910, com duas colunas em cada página. Trazia na capa desenhos de rosas feitos com grafite. Em suas páginas manuscritas, eram publicados escritos exclusivamente femininos: artigos, crônicas, poemas, pequenos contos, crítica feminina dissimulada, pensamentos, acontecimentos da sociedade ceará- mirinense, amenidades em geral, notas diversas e questionamentos, mesmo que velados, sobre a condição da mulher na sociedade. A Direção e Redação do jornal eram assinadas por Adelle de Oliveira e tinha como secretária Tracilla de Carvalho. [...] (GOMES, 2009, p. 159).

Esse fato respalda, mais uma vez, a necessidade e a possibilidade de as mulheres potiguares se fazerem presentes no cenário público através da palavra escrita, tal como ocorria em algumas cidades mais cosmopolitas do Brasil e da Europa, onde havia uma série de jornais sendo produzidos e contando com a atividade de mulheres como colaboradoras, editoras, redatoras, cronistas, escritoras e leitoras de jornais, como afirmou Bicalho (1985). A inserção de um bom número de mulheres brasileiras nesse espaço pode ser observada quando consultamos a antologia Escritoras brasileiras do século XIX organizada, em três volumes, pela professora Zahidé Muzart (2000; 2004).

Segundo a historiadora Tania Regina de Luca (2015), ao trabalhar com as fontes impressas, incluindo assim os jornais, é importante que o pesquisador não se furte aos detalhes inerentes à sua própria materialidade e aos seus suportes. Elementos tais como o tipo e o tamanho do papel, o número de páginas e a existência ou não de iconografia diz muito sobre as condições de feitura do documento, bem como se ele estava vinculado a um grupo ligado ao poder ou não. Outra coisa que o periódico reflete a partir do suporte é sua infraestrutura de produção e a sua temporalidade, ou seja, em que época o jornal foi produzido (LUCA, 2015).

Os recursos ligados ao maquinário, à ordenação do paginador, a composição manual pelo tipógrafo e à ação dos operadores de linotipos que foram progressivamente substituídos pelos meios digitais avançam conforme o tempo, de forma que essas mudanças aparecem no suporte do impresso. A historiadora ainda coloca: “[...] é obvio que as máquinas velozes que rodavam os grandes jornais diários do início do século XX não eram as mesmas utilizadas pela militância operária, o que conduz a outro aspecto do problema: as funções sociais desses impressos” (LUCA, 2015, p. 132).

Os jornais O Sonho e Esperança em que Magdalena Antunes colaborou eram manuscritos, com desenhos feitos a grafite, cujo suporte era composto por simples folhas de papel pautado (GOMES, 2009). Por conseguinte, isso é um retrato das condições, ainda precárias, para se produzir periódicos em algumas cidades do Rio Grande do Norte na primeira década do século XX, sobretudo jornais femininos.

Além das dificuldades técnicas e do fechamento dos círculos editoriais, ainda havia a situação de muitos pais, maridos e filhos desencorajarem as mulheres da família a participarem do mundo das ideias através da publicação na imprensa (MORAIS, 2002). Por outra via, também existiam exceções a essa regra. A título de exemplo, posso citar o caso da romancista carioca Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), que, sob os auspícios de seu pai, participou da imprensa do Rio de Janeiro, colaborando com escritos e publicando uma vasta obra literária (MORAIS, 2002).

Os jornais femininos brasileiros, a exemplo dos jornais editados no Rio de Janeiro, ganhavam espaços com títulos que metaforizavam a figura que se tinha das mulheres, segundo a professora Maria Arisnete Câmara de Morais (2002). São eles: Belo sexo (1862), Biblioteca das senhoras (1874), O bisbilhoteiro (1889), Eco das damas (1879/1882), Recreio do belo sexo (1856), Recreio das moças (1876/1877) e O direito das damas (1882). Esses periódicos eram verdadeiras redes que conectavam as mulheres através de seus textos que circulavam pelos principais centros urbanos do país20. Em suas páginas traziam informações diversas e, assim, entre um texto e outro, em que suas autoras escreviam sobre temas tais como modas, costuras, comportamento e crônicas elogiosas sobre a maternidade, apareciam de forma discreta textos discutindo a emancipação da mulher, a mulher no magistério, a instrução pública e a educação das meninas.

Como se pode observar através da articulação entre os estudos de Gomes (2009), Bicalho (1985) e Morais (2002), os jornais O Sonho e Esperança não se distanciavam dos jornais cariocas, seja em relação às imagens suscitadas a partir dos seus títulos, seja em relação aos assuntos abordados em suas páginas. No que tange os títulos, observo uma relação direta com atitudes próprias do que se esperava para as mulheres: sonhar e esperar – atitudes

20 Vale salientar que muito antes disso já havia mulheres que escreviam, a exemplo de Safo na Antiguidade clássica. Na Europa medieval, conforme afirmou Norma Telles (2015), esse movimento se dava pelo fato de muitos homens deixarem suas esposas em casa porque estavam envolvidos nas chamadas Guerras Santas contra os povos muçulmanos, o que obrigava as mulheres a se tornarem administradoras dos negócios da família e da casa na ausência de seus maridos. Mas havia outras escritoras no medievo, as místicas, geralmente monjas ou ligadas à Igreja, que escreviam nas suas línguas de origem, e não no latim como requerido pelo Império Romano. Sobre isso consultei o capítulo “Escrita e transposição de um ideário de feminilidade” contido no livro de Ana Laudelina Ferreira Gomes (2013).

essas que exprimem passividade, jamais ação ou transformação. No que diz respeito aos temas publicados, conforme nos diz Gomes (2009), percebe-se que, quando se fazia algum tipo de crítica ou reivindicação, tal escrita era feita de forma sutil e despercebida, uma verdadeira artimanha (MUZART, 1990).

Os jornais femininos despontavam enquanto um importante canal de expressão da vocação literária das mulheres, conectando-as através das suas ideias que passavam de um centro urbano para outro, e vice-versa. Outrossim, nesses periódicos eram preservadas as identidades das mulheres casadas, tendo em vista que não era de bom tom para uma mulher,