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No outono da vida, recordar a infância é abrir pontos de luz na estrada abandonada do passado (ANTUNES, 2003, p. 29).

A obra escrita em seus anos de maturidade e que aqui está sendo objeto de reflexão diz muito desse lugar de fala. Ou seja, Magdalena Antunes traz as reminiscências de uma mulher pertencente a uma elite, tanto econômica quanto intelectual do Rio Grande do Norte e que, em seus anos de maturidade, decide registrá-las através da escrita. As suas vivências de menina, foco de toda a obra, são indiciárias dessa posição social, tal como foi salientado por Câmara Cascudo em seu artigo de jornal transformado em prefácio na primeira edição do Oiteiro.

Ao afirmar-se sinhá-moça no subtítulo adotado do seu livro de memórias, Magdalena Antunes já deixa bastante clara essa demarcação de lugar. Afinal de contas, Magdalena se reconhecia como uma sinhá-moça que, a saber, figurava enquanto um dos vários personagens típicos dentro do cenário dos engenhos de açúcar do Nordeste, identidade esta assumida para si e para as pessoas do seu convívio (MELO, 2018). O escritor Paulo de Tarso de Melo, na entrevista que me concedeu, falou-me que ela se dizia uma sinhá-moça:

O Oiteiro são as memórias de uma sinhá-moça, eu me lembro dela dizendo o seguinte: as pessoas pediam a continuação do Oiteiro e ela dizia que não, que seria somente a vida dela de sinhá-moça, então é isso, o Oiteiro é a vida de sinhá-moça, ela se considerava uma sinhá-moça (MELO, 2018).

Em Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre afirmou que uma sinhá-moça era toda menina de família patriarcal, de doze, treze, quatorze anos, filha de senhores de engenho que passava pelo ritual católico da primeira comunhão e que ficava, a partir deste acontecimento, à espera de um evento ainda maior: o casamento. Assim o sociólogo escreveu: “Desde o dia da primeira comunhão que deixavam as meninas de ser crianças, tornavam-se sinhá-moças. Era um grande dia. Maior só o do casamento” (FREYRE, 1998, p. 344). Momento em que deixavam de ser crianças para se tornarem sinhás-donas, ou seja, senhoras casadas e em alguns casos mães.

Acredito que, para além da ideia de casamento que circundava em torno do conceito, conforme propôs Gilberto Freyre (1998), o que Magdalena Antunes tomou para si foram as reminiscências de infância, vivenciadas por uma menina pertencente a uma determinada classe social. Assumindo-se sinhá-moça, Magdalena Antunes buscou, sob o incentivo de Nilo Pereira e Cascudo, fazer o registro de memórias que eram suas, mas que também eram de outras meninas filhas de senhores que estavam sentindo com pesar o fim de “uma era de ouro”, dado o avanço do capitalismo industrial sobre a região, a partir das usinas. Ou seja, as memórias de Magdalena Antunes eram suas, mas também não deixavam de ser da coletividade da qual ela fazia parte.

Refletindo sobre questões da memória coletiva, Maurice Halbwachs afirmou que as lembranças dos sujeitos estão determinadas pela função social que cada indivíduo assume e as redes das quais faz parte e nas quais atua. Para o autor, a memória de uma pessoa se entrelaça à memória do grupo que, por sua vez, se entrelaça com a memória da sociedade, ou seja, a memória coletiva. Assim, a memória individual se ancora na memória coletiva (HALBWACHS, 1990). Embora as memórias de Magdalena sejam de cunho individual, os registros que fez delas também precisam ser identificados como recortes da memória coletiva,

uma vez que as memórias suas estão inseridas num campo maior, que é o meio social. Como pensou Halbwachs (1990), a memória autobiográfica está diretamente amparada na memória histórica, uma vez que a história de uma vida integra-se à história mais geral.

Ou seja, embora o texto memorialístico permita liberdade ao autor em termos de expressão, não há como desligá-lo de seu momento histórico, das demandas de seu produtor e do grupo ao qual está ligado deixando à mostra os valores, pensamentos e crenças do grupo ao qual seu autor pertence (JODELET, 2001). Com isso “[...] a obra se torna parte de um sistema de representações criadas por um agente histórico de um determinado grupo social sobre suas esperanças e formas de encarar sua realidade histórica” (SOARES, 2012, p. 22). Conforme afirmou Roger Chartier (1990):

As representações do mundo social, assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas (CHARTIER, 1990, p. 17; grifos meus).

Outro trabalho que segue a linha do memorialismo e que aborda o mundo dos engenhos de açúcar em Ceará-Mirim é Memórias do Timbó: a sombra da Timbaúba (2014) da professora Maria da Conceição Cruz Spinelli que, por sua vez, também realça o seu próprio lugar de fala. Na obra, a professora também volta seu olhar para a sua infância; todavia, não é universo da aristocracia que é enfatizado. Diferentemente de Magdalena Antunes, Conceição Spinelli trouxe para as páginas de sua memorialística a realidade dos trabalhadores e de suas famílias no engenho São Pedro Timbó, cujo pai era administrador, por volta da década de 1950. Paulo de Tarso assim comenta a obra:

E então acontece que o livro de Conceição é uma história pra você, que tá maquinando nessa perspectiva feminina, é uma perspectiva feminina, é uma professora etc. e tal, e é um livro que faz o outro lado, porque ela não é uma sinhá- moça, longe disso, ela não é um membro da aristocracia, longe disso, ela é a filha de um administrador de uma propriedade de uma das grandes famílias da cidade. Então é o outro lado em certo sentido (MELO, 2018).

A característica do texto em que seu autor ou autora se coloca abertamente, se autorrepresentando e produzindo uma imagem, reivindicando uma identidade para si e para o seu grupo, faz parte de um gênero textual específico chamado escrita de si, que segundo a historiadora Ângela de Castro Gomes tem ganhado um público cativo desde a década de 1990 no Brasil e no mundo aquecendo, consequentemente, o mercado editorial. Devido às características acima pontuadas, o gênero engloba os “[...] diários, correspondências,

biografias e autobiografias, independente de serem memórias ou entrevistas de história de vida [...]” (GOMES, 2004, p. 7).

Segundo a historiadora, a escrita autorreferencial ou escrita de si teve surgimento a partir do século XVIII na Europa, obtendo seu apogeu no século XIX, permanecendo em curso ao longo do XX. Como base para esse movimento, salientou a emergência da sociedade moderna, que passou a reconhecer a importância do indivíduo, permitindo o registro de sua identidade a partir da difusão do saber ler, escrever e fotografar (GOMES, 2004). Consequentement,e esse fluxo despertou nos indivíduos o anseio de registrar a própria memória. Vale salientar que tal movimento não contemplou homens e mulheres de forma igualitária, devido ao processo de alfabetização e de escrita destas, que se deu mais tardiamente (PERROT, 2015).

Na nota “Aos leitores” presente no Oiteiro, Magdalena Antunes não disfarça o sentimento de inibição pessoal e praticamente pede desculpas por estar adentrando numa seara tradicionalmente masculina, que era a escrita literária. Assim ela diz: “Escrevi-o sem o preparo necessário ao escritor: cultura e conhecimento da língua. [...]. Quando comecei a escrever minhas memórias, não foi com o intuito de publicá-las” (ANTUNES, 1958b, p. 5). Todavia, na contramão desse processo em que outras mulheres foram tolhidas pela própria família, Magdalena foi incentivada por filhos e netos, bem como por amigos, a escrever, a organizar e a publicar, recebendo os créditos em vida pela obra que, segundo Constância Duarte e Diva Macêdo, é provavelmente “[...] o primeiro livro de memórias feminino do Rio Grande Norte, quem sabe até do Nordeste” (DUARTE; MACÊDO, 2013, p. 97).

Segundo Elizangela Barboza Cardoso, a produção literária feminina autobiográfica foi restrita até meados do século XX no Brasil, gênero este tipicamente masculino até então (CARDOSO, 2009). Essa realidade só se altera na segunda metade do século XX e “[...] ainda que a escrita autobiográfica tenha ganhado evidência nos anos de 1960, o marco de crescimento e divulgação da literatura memorial feminina foi o final do período de censura militar” (CARDOSO, 2009, p. 293). Ademais, vale pontuar também que vários trabalhos femininos foram obliterados e destruídos pelas suas próprias autoras antes de eles virem a público, como já pontuei, ou ainda, quando o trabalho chegava a ser publicado, era marginalizado pelos intelectuais homens, excluindo-o do cânone (DUARTE, 2009).

Por todos esses motivos, o livro de Magdalena Antunes se torna único na literatura potiguar. Ele possibilita aos seus leitores a visualização de uma história contada a partir do olhar de uma mulher acerca de si mesma e de seu tempo. Ao tomar o Oiteiro como fonte de pesquisa, nesta tese, entendo que as memórias autobiográficas registradas em suas páginas são

subjetivas, seletivas, residuais e fragmentadas, estando sujeitas às dinâmicas do esquecimento (HALBWACHS, 1990).

Somado a isso, a escrita autobiográfica ainda está ancorada nas escolhas feitas pelo sujeito que escreve sobre si, ou seja, “[...] escolhas enredadas, por sua vez, em relações de poder, que permitem tornar visíveis algumas experiências, ao tempo em que relegam outras ao silêncio e ao esquecimento” (CARDOSO, 2009, p. 292). Outra peculiaridade desse tipo de escrita é que ela não trata de dizer o que houve em si, mas de dizer o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou em relação a um acontecimento vivido no passado. Nesse sentido, “[...] o que passa a importar para o historiador é exatamente a ótica assumida pelo registro e como seu autor a expressa” (GOMES, 2004, p. 15).

O trabalho realizado pelo sujeito que escreve sobre si é feito com base em escolhas, exclusões e recortes em volta dessa escrita e mobilizado todo “[...] um trabalho de ordenar, rearranjar e significar o trajeto de uma vida no suporte do texto criando através dele um autor e uma narrativa” (GOMES, 2004, p. 16). Por tais motivos o pesquisador precisa estar atento para que não caia na armadilha daquilo que Pierre Bourdieu (2006) chamou de ilusão biográfica, que é a ingenuidade de acreditar que existe uma linearidade na trajetória narrada quando, na verdade, a lógica e a concatenação de ideias apresentadas no texto são fruto de recortes feitos pelo sujeito autobiografado.

Para Ângela de Castro Gomes, a escrita de si teria muito mais a ver com uma edição do que com uma autoria propriamente dita, uma vez que a pessoa imersa no exercício da escrita não se alheia em fazer recortes e o tratamento dos fatos registrados (GOMES, 2004). Tal realidade se aplica na obra de Magdalena Antunes, que, ao trazer para o seu livro memórias suas, não ampliou para além do recorte de sua infância e adolescência a sua escrita, embora tivesse sido orientada pela família a ir além, conforme afirmou Melo (2018).

A partir disso, me pergunto: por que será que ela não estendeu sua escrita para além desse recorte? Magdalena Antunes colocou o ponto final em seu Oiteiro exatamente no momento em que descreve seu regresso do internato e estabelecimento definitivo na cidade de Ceará-Mirim, momento este que já estava preparada para o casamento, devidamente instruída segundo os ensinamentos do Colégio de São José. Há um silêncio levado a cabo por ela em relação ao seu casamento e ao seu marido, Olympio Varella Pereira, cujo nome não aparece na memorialística da esposa. Nem mesmo na nota “Aos leitores”, onde Magdalena agradece às pessoas que foram importantes para a concretização do seu projeto, o nome de Olympio aparece (PEREIRA, 1958b). Nisso, surge outra pergunta: será que havia de fato motivos para agradecer a ele?

Os 27 capítulos que subdividem a trama do Oiteiro são atravessados pelos momentos de infância e adolescência de Magdalena Antunes, fases estas cujos cenários são o engenho, o Colégio de São José em Recife e o sobrado no centro de Ceará-Mirim. Nos três primeiros capítulos, Magdalena elenca o momento de sua infância, mais precisamente a partir dos 7 anos de idade, quando reside na casa do engenho Oiteiro, situando também a sua origem familiar. É nesse ambiente onde a menina, juntamente com seus três irmãos, é apresentada aos números e às letras pela iniciativa do pai. Por perceber que a filha não progredia nos estudos desvela a sentença: ir para o colégio interno no Recife.

Do quarto capítulo até o decimo terceiro, Magdalena apresenta aos leitores as recordações de momentos que vivenciou no internato católico em Recife, que era dirigido por freiras da congregação católica italiana de Santa Doroteia. Os eventos que narra se passam entre os anos de 1891, ano de sua entrada na escola, e 1896, ano de sua saída definitiva. Além de descrever os espaços da instituição com requinte de detalhes, Magdalena também apresenta indícios do regimento, da pedagogia, dos ritos e seu funcionamento no dia-a-dia que se dava sob olhar atento das freiras.

Alguns dos capítulos foram intitulados com os nomes de pessoas queridas, tais como o capítulo dez intitulado “Tequinha” e o capítulo onze intitulado “A Cearense”, fazendo menção às amigas estimadas do colégio. É debaixo do caramanchão no pátio central da escola que Magdalena Antunes lembra de casa e das pessoas que havia deixado para trás, tais como a sua mãe-preta Patica e a menina Tonha, sua companheira de brincadeiras no engenho. São para elas que Magdalena Antunes tece um capítulo inteiro, o capítulo cinco, trazendo sempre que acha pertinente a fala delas, mostrando o vocabulário das negras e o imaginário criado junto às crianças embaladas pelas histórias contadas pela escrava no alpendre da casa-grande, entre elas o “Conto de Diniz e Rosina”, a preferida de Magdalena (ANTUNES, 2003) 42.

Recorda de Seu Cristino, amigo de seu pai, que fora buscar as crianças em Recife para passar as férias em Ceará-Mirim, após três anos de internamento. Assim escreveu: “Seu Cristino vivia da pequena agricultura e vinha a mandado do „coronel‟, com a incumbência de levar-lhe os filhos, a fim de passarem as férias daquele ano, em casa. Pulei de alegria!” (ANTUNES, 2003, p. 175). Narra também a aventura que foi a viagem de Recife a Ceará- Mirim, viagem feita de trem e a cavalo, haja vista que tinham perdido o navio a vapor por causa da enfermidade de Etelvina, que se recuperava de sarampo (ANTUNES, 2003).

Ao enfatizar esse momento, observa-se que Magdalena deu realce a pessoa de Seu Cristino, dando o seu nome para um dos capítulos do Oiteiro. Conforme ela mesma colocou, o serviçal teve que se desdobrar para atender a vontade do patrão, uma vez que a doença de Etelvina acabou atrasando o seu plano, que era o de voltar para Ceará-Mirim a navio no dia seguinte. Seu Cristino, ao saber da situação, deu um pulo da cadeira passeando aflito dentro do parlatório. “– Não sei o que faça para cumprir as ordens do Coronel! Que transtorno Deus! E o homenzinho continuou dando passos agigantados pela sala com as mãos nos bolsos, proferindo alto coisas sem nexos” (ANTUNES, 2003, p. 176).

Ao usar o termo Coronel, enfatizando-o ao utilizar a inicial maiúscula, penso em duas situações: Magdalena Antunes estava sendo crítica ao perceber a aflição de Seu Cristino, que se via em apuros para cumprir as ordens do patrão poderoso? Ou, ao se referir a ele como coronel quis, envaidecida, reforçar o lugar social e o poder de mando do pai que tanto amava? Independente de qual tenha sido o seu propósito, o que fica claro é que de fato, as ordens do seu pai foram devidamente atendidas, tanto é que, não sem transtornos, Seu Cristino conseguiu levar as quatro crianças de Recife a Ceará-Mirim dentro do prazo estabelecido pelo patrão.

Do capítulo quatorze ao dezesseis, Magdalena faz a narrativa de suas férias em Ceará- Mirim, momento em que a família já está instalada no sobrado no centro da cidade, sendo recebida pela família e amigos com festa. É da janela do prédio que a menina contempla a imensidão do vale açucareiro e a feira que se realizava no interior do mercado aos sábados, aglutinando pessoas e mercadorias de todo tipo. Assim ela escreveu:

O primeiro sábado de férias passado em casa, foi excelente! Acordei cedo, para, da varanda do sobrado, apreciar a feira e o vale ao longe, onde se destaca entre a folhagem do canavial a casinha branca do Guaporé, como um cisne de níveas asas, repousando de um misterioso vôo... (ANTUNES, 2003, p. 199).

Abaixo, apresento uma fotografia retirada da janela lateral do sobrado da família Antunes, hoje Prefeitura Municipal de Ceará-Mirim. Provavelmente foi dela que Magdalena vislumbrou os elementos que descreve no texto acima. Na lateral esquerda, vê-se uma pequena parte do Mercado Público, e junto a ele o sobrado do coronel Onofre José Soares, avô materno de Magdalena Antunes e fundador do referido mercado em 1881 (ANTUNES, 2003). Ao fundo vê-se o vale do Ceará-Mirim, onde hoje ainda se ergue a casa-grande do engenho Guaporé, em avançado processo de decadência.

FIGURA 18 - vista da janela lateral do sobrado da família Antunes

FONTE: fotografia do autor (2018).

Após findadas as festas de dezembro e janeiro na cidade, a família decide fechar o ciclo de férias na casa-grande do Oiteiro, onde é despertada para a lembrança de pessoas que não mais faziam parte daquele mundo, entre elas a menina Tonha, que havia ido embora após a abolição da escravatura em 1888. Somam-se a isso, sensações, sons, cheiros, recordações e saudade. “Do engenho em frente, senti o cheiro do mel, e no ar vi nuvens pardas de fumo, que saíam da chaminé, manchando de escuro o claro céu do Oiteiro” (ANTUNES, 2003, p. 214).

Nos capítulos dezessete, dezoito e dezenove, Magdalena retrata seus últimos anos de estudo no Colégio de São José. A partir de um conjunto de demonstrações, ela delineia sua identidade afirmando ser uma sinhá-moça ao longo do Oiteiro, mas não esconde as dificuldades que teve para se adequar às normatividades impostas pela escola católica para tornar-se uma. Sua irmã Etelvina era quem ganhava todos os prêmios escolares (ANTUNES, 2003). Nesses capítulos surgem pessoas admiráveis, tais como a madre Amélia Portugal, e momentos únicos na vida de Magdalena, tais como a eleição em que foi contemplada com a fita azul passando a ser, a partir de então, membro da congregação feminina Filhas de Maria, da qual falarei adiante.

A partir do capítulo vinte, toda a narrativa se passa em Ceará-Mirim, para onde retorna definitivamente após concluído o curso ginasial. Ao chegar em sua cidade, Magdalena se depara com os seus encantos que outrora não percebia e escreve: “Eis-me na terra amada! Parece incrível que uma pequena cidade, que mais parecia um burgo da Idade Média, pudesse exercer tanta sedução no meu espírito!”(ANTUNES, 2003, p. 251). Sob o seu olhar, ganham

forma cenas do cotidiano, onde a presença do catolicismo se fazia presente através da festa da padroeira embalada por música e folguedos no pátio da Igreja Matriz, além de trazer as representações, algumas saudosas, de figuras célebres no cenário social da cidade.

O movimento no engenho também é descrito, sendo narrada a atuação de homens e mulheres do povo que também são lembrados por ela. Nas páginas do Oiteiro, se fazem presente feitores, mestres de açúcar, foguistas, jornaleiros e mulheres pobres em suas labutas diárias por sobrevivência. A lembrança de cenários e vivências sobre sua vida de menina confluíram para seu Oiteiro, onde trouxe perfis de pessoas, algumas delas declaradamente muito queridas, buscando assim homenageá-las. E na última página do romance, Magdalena Antunes escreveu: “De lembranças, como sua única substância, alimentou-se todo ele. Para escrevê-lo, não procurei louçania de estilo. Busquei, apenas, nas imagens e fatos do passado,