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Categorias analíticas para uma leitura crítica do Documento de Projeto, o Documento-Base

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (páginas 126-130)

3.5 PREMISSAS E METODOLOGIA PARA A IDENTIFICAÇÃO DE ARRANJOS PRODUTIVOS NO PROJETO BID/PROMOS/SEBRAE: A CONSTRUÇÃO DA

3.5.3 Categorias analíticas para uma leitura crítica do Documento de Projeto, o Documento-Base

Conforme destacado na introdução desta tese, este capítulo traz questões metodológicas, porém apresenta alguns resultados à luz do objeto empírico analisado. Nesta seção são apresentadas as categorias analíticas utilizadas para a leitura do Documento de Projeto. O uso de categorias analíticas é fundamental quando se busca a leitura de um documento ou texto e se pretende que esta leitura traga contribuições sobre aspectos previamente definidos. A leitura é feita, portanto, tendo as categorias como guias para a extração do que nos interessa no documento. Não se trata, portanto, de uma leitura linear ou isenta de objetivo definido. O objetivo é ditado pelas categorias escolhidas e estas são selecionadas a partir do que se procura investigar. Em nossa busca, desenvolvimento e redução de desigualdades regionais são alvos preferenciais. As categorias analíticas buscam, portanto, a leitura do documento a partir de uma ótica voltada para a consequência pretendida pelo próprio Projeto, a saber: viabilizar intervenções no tecido sócio-econômico de modo a gerar desenvolvimento e redução de desigualdades regionais.

O Documento de Projeto, em suas 192 páginas, apresenta o conceito de desenvolvimento empregado, a razões para a cooperação com o PNUD, os objetivos imediatos, resultados, atividades, insumos, riscos e obrigações, os mecanismos de coordenação gerencial, a matriz lógica e uma série de anexos referentes a acordos, lista de equipamentos, entre outros.

A leitura do Documento de Projeto foi realizada a partir das seguintes categorias analíticas:

Categoria Justificativa

Redução de Desigualdades Regionais Por se tratar de objetivo de política industrial e por serem os APLs partes integrantes da PITCE e da Política de Desenvolvimento Produtivo, espera-se que a “redução de desigualdades” seja

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O “Documento-Base” aqui referido é o Documento de Projeto BRA/01/020 – Fortalecimento e Consolidação de Distritos Industriais, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, INI-Initial, Brasília, 2002. 192 p. Mimeografado.

objeto do Projeto. Como a concepção do Projeto se deu em 2002, mesmo ano em que a PITCE era gestada, pretende-se verificar se há sintonia entre duas ações de que participa o governo brasileiro.

Redução de desigualdades é compreendida como qualquer ação que tenha como objetivo minimizar problemas sócio-econômicos regionais.

Competitividade Pretende-se verificar de que forma o tema é tratado no Projeto, uma vez que o termo ganhou evidência na década de 90 em função das prescrições do Consenso de Washington.

Globalização e Desenvolvimento Local Objetiva-se verificar de que maneira o Projeto articula as escalas global e local no processo de construção de um projeto de desenvolvimento.

Quadro 7 - Categorias Analíticas

a) Redução de Desigualdades Regionais

A redução de desigualdades regionais é parte da estratégia do Projeto, sendo compreendida como resultante da competitividade empresarial do próprio distrito:

A referida experiência [italiana], particularmente no que se refere aos Distritos Industriais, tem amplo reconhecimento internacional e desempenha relevante papel para o desenvolvimento dessas áreas onde a competitividade empresarial do distrito industrial alavanca o desenvolvimento regional (DOCUMENTO..., 2002, p.3).

Dois são os problemas com afirmação contida no trecho destacado: parte do princípio de uma “competitividade empresarial” que seria alcançada em qualquer distrito que se submeta a um modelo de desenvolvimento específico e conclui que o distrito transborda para

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a região, promovendo um desenvolvimento regional tão indefinido quanto o conceito de região empregado no Documento.

Em outro momento do Projeto, menciona-se que

A constatação do potencial de crescimento deste grupo de empresas [micro, pequenas e médias] e do impacto das mesmas na geração de emprego e renda justificam a opção do SEBRAE em desenvolver a presente estratégia de fortalecimento de Distritos Industriais [...] (DOCUMENTO..., 2002, p.4).

O Projeto parte da hipótese de impactos significativos no emprego e na renda a partir do incentivo a micro e pequenas empresas, levando em consideração que tais empresas representariam 98% do total de empresas nacionais e seriam responsáveis pela criação de 60% do emprego urbano ou 45% da força de trabalho formal, o que teria gerado cerca de 20% do PIB [provavelmente em 2001] (DOCUMENTO..., 2002).

As informações do parágrafo anterior, extraídas do Documento de Projeto, apontam alguns cuidados necessários com a estratégia de fortalecimento de distritos industriais. Em primeiro lugar, se 98% das empresas geraram 20% da renda nacional, 2% geram 80%, o que nos remete a pensar que uma política estratégica de geração de renda deveria privilegiar as grandes empresas. Tomando por base o dado de geração de empregos, embora a participação das PMEs seja alta, continuamos com problemas: se 98% da base empresarial [PMEs] geram apenas 45% da força de trabalho formal, 2% [as grandes empresas] geram 55% desta força de trabalho.

b) Competitividade85

A primeira alusão ao termo competitividade está na parte introdutória do documento, apontando-se para a necessidade de “melhoria da competitividade e da qualidade da produção da empresa brasileira”86. A melhoria da competitividade é vista como uma resposta ao “fenômeno da globalização”87, o que nos leva ao campo da inserção nacional na divisão internacional do trabalho, pois, claramente, o documento remete à necessidade de elevação da

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A competitividade é definida como a capacidade sustentada que tem uma empresa ou setor de se manter no fluxo de comércio (nacional ou internacional, a depender do foco) na ponta credora, isto é, a capacidade de vender seus produtos e de manter tal venda a longo prazo com base em fatores percebidos pelos compradores como diferenciadores em relação aos produtos concorrentes.

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Op.Cit., p.3.

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competitividade da pequena empresa para permitir a elevação das exportações. Não é por outro motivo que o SEBRAE “identificou na experiência italiana de desenvolvimento de Distritos Industriais, a parceria adequada para desenvolver um projeto de cooperação.”88 A Itália, notabilizada por ter viabilizado, em momento específico, o desenvolvimento de seus distritos industriais em região com baixo dinamismo econômico e por ter inserido, com competitividade, seus produtos no mercado internacional, notadamente a produção de calçados, é o paradigma natural para indústrias de baixo conteúdo tecnológico e que tenham intenção de desenvolver mecanismos cooperativos para a consolidação de distritos do tipo marshalliano.

Cabe, obviamente, a observação de especificidade da experiência sócio-histórica, segundo a qual o que vale para um território não necessariamente vale para outros.

Outro ponto fundamental sobre a competitividade está na identificação da mesma com a complementaridade entre as empresas. É verdade que o distrito pressupõe a cooperação e a complementaridade, mas não é verdade que, a partir de uma experiência específica, a italiana, seja possível a extrapolação, tomando-a como modelo canônico de solidariedade ou cooperação empresarial.

c) Globalização e Desenvolvimento Local

A globalização, vista como um fenômeno a ser enfrentado, encontra no Projeto a ideia de permanência e de necessidade. Em primeiro lugar, parte-se de uma hipótese estática, em que a globalização exige um tipo de distrito, uma produção que seja adequada, funcional ao próprio fenômeno. Entretanto, mesmo a funcionalidade não pode ser estática, posto que se o fosse não seria funcional, seria inútil. O distrito, para ser funcional ao global ou para com ele dialogar, contrapor-se ou não, sempre será algo em transformação. A clara concepção de funcionalidade está na identificação do distrito com a possibilidade de internacionalização da produção, com a elevação do grau de internacionalização das empresas.

Assim como qualquer outra formação socioténcia, o distrito marshalliano não está imune ao seu exterior (BECATTINI, 2002). Entretanto, a busca objetiva pela internacionalização crescente não garante ter alcançado o distrito um grau de desenvolvimento compatível com as necessidades locais ou regionais, mas, antes, pode indicar um fragmento territorial, um enclave no território nacional que mantém relações, no

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limite, apenas com o mercado externo. Embora seja este um caso-extremo, observe-se que a partir do momento em que o distrito se insere na divisão internacional do trabalho, o grau de internacionalização mais elevado pode significar o descolamento do mesmo com o território de origem. Bom para as empresas, não necessariamente bom para o local ou para a região, visto que a base do distrito é a tradição sócio-histórica da produção.

Não se quer defender, por outro lado, a produção estática, que não se internacionaliza, mas apenas apontar a possibilidade de que o distrito não difira de qualquer outra forma de produção capitalista e que, ao realizar-se na esfera da circulação exterior, deixe de fazer sentido como distrito por ser apenas parte da produção global. É preciso relembrar que o distrito é defendido como uma formação boa para a geração de emprego e renda locais e como forma de redução de desigualdades regionais. Tornar-se apenas partícipe da produção global pode levá-lo ao posto de desagregador da produção local.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (páginas 126-130)