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UM CASO EUROPEU PARA ALÉM DA TERCEIRA ITÁLIA: POLISSEMIA, ECLETISMO OU ALTERNATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL?

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (páginas 101-106)

Constituída em 1993, a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local (ANIMAR-DL.PT), tem como principais objetivos:

[...] a promoção da igualdade de oportunidades no acesso ao desenvolvimento da qualidade de vida e na redução das assimetrias; a congregação de esforços e apoios à atuação em prol do Desenvolvimento Local, em rede e numa lógica territorial, de organizações, grupos e indivíduos (ANIMAR..., 2009, grifo do autor).54

A ANIMAR é uma “congregação de associações portuguesas” de desenvolvimento local e tem como estratégia a valorização do “capital coletivo”55 de tais associações, contribuindo para dinamizar e potencializar as economias locais através da conscientização dos participantes de projetos e iniciativas de desenvolvimento territorial local.

Entre as linhas de ação da ANIMAR, destaca-se a que se destina a torná-la uma “rede das redes” através da “criação de plataformas regionais (formais ou informais), círculos zonais ou microrregionais ou outras figuras que aproximem os seus “nós” e sejam geradoras de mobilização sinérgica”56. Em outra linha importante, a ANIMAR busca a mobilização de

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ANIMAR – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local. Disponível em www.animar-

dl.pt/associacao.php?id=14. Acesso em 16 set. 2009.

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“Capital coletivo” é o termo usado pela ANIMAR para se referir à sua condição de “associação das associações” como espaço de agregação e mobilização das competências do movimento do desenvolvimento local em Portugal.

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atores individuais e coletivos que possam dinamizar o chamado movimento do desenvolvimento local:

Através dos seus 69 associados colectivos e mais de uma centena de individuais (neste caso, maioritariamente colaboradores de associações, centros de investigação e universidades), a ANIMAR está presente em todo o território continental e nas ilhas, o que lhe facilita o estabelecimento de contatos com entidades públicas e privadas, com grande diversidade de associações e grupos nacionais, bem como a criação de condições de trabalho profícuas e de diálogo permanente (ANIMAR...., 2009).

O entendimento do desenvolvimento local como um movimento, como um processo e a ideia de trabalhar como “rede das redes” nos fez pensar na possibilidade de aproveitamento da experiência da ANIMAR como referência para as iniciativas de desenvolvimento local no Brasil. Assim, realizamos uma entrevista em Vouzela, norte de Portugal, com a ANIMAR para conhecer uma experiência europeia pouco difundida no Brasil57.

Roteiro da Entrevista

Como o objetivo era conhecer peculiaridades do desenvolvimento local em Portugal, optamos por uma entrevista semiestruturada com algumas perguntas norteadoras do tema. Saímos com poucas questões fechadas a fim de obter, no decorrer do encontro, novos caminhos para tratar o tema. Duas foram as questões-chave da entrevista:

1. Como surgiu e o que é a Rede ANIMAR?

2. Quais os programas existentes em Portugal para o desenvolvimento local?

A partir da resposta a essas duas perguntas, algumas outras questões surgiram. Fomos recebidos pela Engenheira Maria do Carmo Bica, Vice-Presidente da ANIMAR-DL e Presidente da Associação para o Desenvolvimento Rural de Lafões (ADRL). Em função de problemas de saúde da Enga. Maria do Carmo, nossa entrevista foi realizada com outro Vice- Presidente da ANIMAR-DL, o Padre João Rodrigues que nos relatou, em síntese, o seguinte:

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Para maior detalhamento da entrevista e para a captura da totalidade da experiência portuguesa, sugerimos a leitura do APÊNDICE A.

A ANIMAR nasceu da necessidade das associações locais que trabalhavam sem apoio e tinham a necessidade de se conhecerem, o que coincidiu com a programação da União Europeia (UE) que, através de um programa chamado LIDER, repassava recursos a regiões européias que tinham um plano de ação local (PAL). Os repasses eram realizados através dos governos dos países-membros da UE.

Uma peculiaridade portuguesa é a predominância das ações na agricultura, o que diferencia a dinâmica dos programas locais em relação aos similares italianos, franceses ou alemães. De acordo com o Padre João Rodrigues, “as regiões criaram condições de desenvolvimento, mas as respostas não foram suficientes para manter o dinamismo do mundo rural”. A dificuldade estaria na presença de concorrentes no mercado que chegavam a preços mais baixos e levavam os atores participantes dos programas ao desânimo em função da valorização insuficiente da marca “made in” que era perseguida pelas ações.

No caso português, a união entre países através da UE criou um paradoxo não trivial: decisões centralizadas em Bruxelas estariam “muito distantes”, segundo nos informou Padre João Rodrigues, das realidades locais. Ainda que pequeno, o traço conservador do território português era um elemento a mais entre os que geraram difíceis caminhos para os programas de desenvolvimento local.

Mesmo encontrando dificuldades para ser implementado, buscou-se o fortalecimento das ações de cooperação entre os empresários/agricultores das diversas associações componentes da ANIMAR. Outro ponto positivo foi a associação agricultura-turismo que permitiu a diversas regiões portuguesas maior densidade no aproveitamento do potencial local. A Serra dos Lafões, por exemplo, logrou êxito na associação da produção agrícola local com suas características específicas durante as estações do ano. Festivais de inverno, primavera e verão foram associados a produtos como vinhos, castanhas, mas também com a observação do patrimônio histórico e cultural e com a descoberta das riquezas naturais presentes na região.

Embora com imensas distinções entre os dois países, uma comparação pode ser feita entre as experiências de Portugal e o desenvolvimento de arranjos produtivos como projeto de desenvolvimento local no Brasil:

a) a experiência portuguesa da ANIMAR busca o envolvimento da maior quantidade possível de atores institucionalizados, ou seja, trata da união de associações locais, enquanto o modelo de distritos industriais, embora preveja a governança e a necessidade da participação de diferentes atores, não tem a mesma característica.

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Esta diferença fica mais marcada quando se considera que os projetos portugueses tratam os produtos com mais atributos intangíveis que os projetos de desenvolvimento de distritos: as ações buscam a marca regional na história, no patrimônio natural, na identificação de uma região com seu passado sócio-histórico de uma maneira mais abrangente que o modelo de distritos industriais, centrado basicamente na produção e em nos aspectos da tradição produtiva como sínteses de todo o patrimônio histórico-cultural;

b) o programa de apoio a arranjos produtivos no Brasil é mais formal, mais fechado em sua metodologia, enquanto a experiência portuguesa está mais centrada na ideia de fortalecimento da cooperação entre os agentes locais. Adicionalmente, a experiência portuguesa envolve todo o país, enquanto a promoção de distritos industriais fica limitada a algumas localidades que manifestam a tradição sócio- produtiva e são escolhidas para o recebimento de aportes financeiros de fontes diversas. Obviamente, temos aqui a questão da dimensão territorial distinta entre os dois países; entretanto, como ideia de desenvolvimento local, parece-nos menos polissêmica no nível discursivo a experiência lusitana que a nacional;

c) o ponto positivo da experiência brasileira, de acordo com a opinião da ANIMAR, está exatamente na metodologia mais fechada mencionada no item “b”. A contraparte de uma abordagem mais abrangente como a portuguesa é a dificuldade de mensuração clara dos resultados e de manutenção do interesse constante dos atores locais nos projetos. Uma vez que os agentes acabam por ser os mesmos em função da dimensão territorial portuguesa, resultados não mensuráveis do ponto de vista econômico levam ao desânimo dos participantes e à redução do nível de participação em ações futuras da União Europeia;

d) por fim, mas não menos importante, ficou clara a impossibilidade de replicação de experiências em territórios distintos dos que as geraram. Os programas decididos na UE, ao não levarem em consideração as especificidades portuguesas, estavam destinados ao fracasso. O papel da ANIMAR é o de adequação de tais programas, tentando torná-los mais portugueses que europeus.

No caso brasileiro, o paralelo pode ser estabelecido entre as ações de planejamento para os arranjos produtivos, hoje centralizadas no Ministério da Indústria,

Comércio e Desenvolvimento, e as realidades locais dos “territórios” nacionais. Fatores extra-econômicos e não captados pelo órgão planejador podem levar as experiências ao insucesso em função da não aderência a modelos pré- estabelecidos.

De todo modo, uma conclusão é possível para os casos português e o brasileiros: o território, os arranjos são fluxos em constante mutação e as ações de planejamento devem atuar sempre com perspectiva dinâmica ou tenderão ao insucesso.

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Elevado grau de interação entre agentes produtivos e instituições participantes do arranjo (caso existam), melhoria de produtos e processos, maior intercâmbio entre produtores e consumidores e entre os próprios agentes produtores são linhas gerais de uma metodologia que pode ser estabelecida para ampliar, a exemplo da experiência portuguesa, a participação dos atores locais. O capítulo que se segue apresenta o percurso adotado para os estudos de caso desta tese e o tratamento dado ao Projeto de Desenvolvimento de Distritos Industriais, que será referenciado como Projeto neste trabalho. É no Documento de Projeto, um guia sobre as intervenções a serem realizadas no tecido social dos quatro arranjos produtivos estudados que se encontram os caminhos para a compreensão das ações implementadas. Sempre com a impossibilidade de extrapolação de resultados e com a ideia da transformação constante dos arranjos, propomos a análise dos documentos que nortearam a aplicação de recursos em quatro arranjos distintos: moda íntima em Nova Friburgo-RJ, calçados em Campina Grande-PB, têxtil em Tobias Barreto-SE e mobiliário em Paragominas-PA.

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3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de vida e sua relação com os outros homens [...] (KARL

MARX).

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (páginas 101-106)