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Tipologia das Aglomerações Produtivas

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (páginas 54-61)

2.1 O PROTAGONISMO DO LOCAL

2.1.1 Tipologia das Aglomerações Produtivas

2.1.1.1 A especialização flexível e a nova ortodoxia

Piore e Sabel (1984) defendem, a partir dos resultados de experiências distintas como os distritos italianos e o vale californiano do silício, a ideia de que o esgotamento do crescimento capitalista ocorreu em função da emergência de um novo modelo que não tem o Estado interventor nem a acumulação fordista em seus domínios. Trata-se de uma nova acumulação capitalista, flexível, e que tem nos arranjos locais a principal face espacial do pós-fordismo.

2.1.1.2 O arranjo flexível e os sistemas produtivos

Mais próximos das considerações sobre sistemas produtivos integrados de algum modo diferente da tradicional localização produtiva que busca uma empresa-âncora, estão os autores que apontam o distrito ou o arranjo produtivo como um tipo de aglomeração produtiva flexível por serem adaptáveis em relação a inovações e mão de obra. São arranjos onde um

produto homogêneo é gerado e onde a relação entre as empresas ultrapassa a relação financeira. É a unidade sócio-territorial de Becattini com toda a importância conferida a elementos históricos e a relações sociais entre os membros do distrito (sem, neste momento, nos determos na morfologia e na dinâmica destas relações). Variações nesta consideração existem, principalmente as devidas a considerações morfológicas dos arranjos (MARKUSEN, 2005), tratados como plataforma, suportados pelo Estado ou satélite, quando uma empresa- âncora existe e influencia as demais.

Deve-se destacar que, embora aqui apresentados separadamente, partidários da nova ortodoxia e dos sistemas produtivos locais recorrem, via de regra, à Escola da Regulação Francesa para dar eco aos conceitos de especialização flexível (Carvalho; Santos; Vladeci, [2006 ?]).

2.1.1.3 Krugman e a Nova Geografia Econômica

A Nova Geografia Econômica identifica nas aglomerações locais ou regionais a fonte de economias externas em um mercado concorrencial imperfeito e com rendimentos crescentes de escala. Paul Krugman identifica na análise de Alfred Marshall sobre os fatores que favoreceram a concentração industrial a base da argumentação do que chamou high development theory (alta teoria do desenvolvimento). Tais fatores poderiam ser resumidos em26:

a) existência de mercado de trabalho especializado;

b) existência de mercado de insumos (ou seja: existência de linkages27 na economia); e c) possibilidade de spillovers tecnológicos28.

Tendo como base a organização industrial e as mudanças tecnológicas nela presentes, Paul Krugman e outros autores desta corrente explicam a concentração a partir da interação entre forças centrípetas e centrífugas, que se opõem e determinam a evolução da aglomeração

26 Para uma abordagem completa sobre a teoria de Krugman, ver IGLIORI, Danilo C. Economia dos

Clusters Industriais e Desenvolvimento. São Paulo: Iglu Editora/FAPESP, 2001.

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Linkages referem-se aos encadeamentos intersetoriais presentes em uma dada economia.

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Spillovers correspondem a “transbordamentos tecnológicos”. No caso, por exemplo, do crescimento da renda de um estado brasileiro ser impactado pelo crescimento de um estado vizinho, há prováveis efeitos de spillovers geográficos de crescimento. Para a tecnologia, vale o mesmo raciocínio: externalidades tecnológicas positivas podem advir da proximidade geográfica de empresas inovadoras.

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espacial. O foco de Krugman são os linkages e os determinantes da localização industrial a partir da existência de um investimento X em um território Y:

Para Krugman, o importante a ser ressaltado com relação às linkages é que

estas representam complementariedades estratégicas (strategic

complementarities) que surgem quando os bens são produzidos com retornos

crescentes de escala. Sobre as backwards linkages é destacado que é necessário perceber que o que as confere signfificado econômico não é simplesmente o fato de um setor A comprar o produto de outro setor B, mas sim o fato de que um investimento em A, por aumentar o tamanho do mercado de B, induz uma mudança para uma escala de produção mais eficiente em B (IGLIORI, 2001, p. 51).

Apesar desta análise, Krugman e os partidários da nova geografia econômica acabam por deixar a explicação da essência da concentração espacial para a evolução histórica.

2.1.1.4 O Desenvolvimento Endógeno

Os autores desta linha de pensamento alteram a composição da função de produção agregada original29 para que ela incorpore endogenamente fatores anteriormente considerados exógenos na determinação do crescimento30. Assim, os territórios poderiam atuar sobre outros fatores, além dos tradicionais, já que os mesmos comporiam a função de produção agregada e estariam passíveis de influência pelos formuladores de políticas de desenvolvimento. De modo mais preciso, haveria a possibilidade de que o crescimento respondesse a ações locais (de atores locais) uma vez que o desenvolvimento se dá a partir da ampliação da agregação de valor à produção e da capacidade de retenção local (medida pelo excedente econômico gerado). Os partidários do desenvolvimento endógeno reconhecem rendimentos crescentes e o papel das economias de aglomeração de Marshall no processo de desenvolvimento, apontando, portanto, o local e seus atores como agentes de desenvolvimento.

Na base do paradigma do desenvolvimento endógeno estão o processo de organização industrial, o desenvolvimento de sistemas de empresas e a formação de redes e alianças estratégicas internacionais.

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A função tradicional é a que considera como variáveis independentes o trabalho, o capital e o fator terra.

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Para a teoria, as cidades são o locus preferencial do desenvolvimento por serem nelas onde as decisões de investimento e de localização produtivos são tomadas. Haveria uma tendência à convergência entre desenvolvimento produtivo e desenvolvimento urbano a partir da interação entre atores econômicos e sociais que criam novos espaços para os seus relacionamentos, para a produção de bens e para as trocas. Em qualquer circunstância, a cidade é o espaço por excelência do desenvolvimento endógeno, pois gera externalidades que contribuem para o aparecimento de rendimentos crescentes, conta com um sistema produtivo diversificado, é um espaço de redes e possibilita aprendizado e difusão do conhecimento (BARQUERO, 2002).

Sobre o papel do Estado neste tipo de abordagem, apresenta-se um tanto impreciso. Ora aparece como garantidor do marco regulatório e, portanto, em conformidade com uma perspectiva neoliberal, ora com uma função absolutamente indefinida, gerada a partir da ideia de que as políticas de desenvolvimento local se desenvolvem de baixo para cima que confere aos atores locais o papel central em sua definição.

O pilar da teoria, o conceito de desenvolvimento local, é definido como

[...] um processo de crescimento e mudança estrutural que ocorre em razão da transferência de recursos das atividades tradicionais para as modernas, bem como pelo aproveitamento das economias externas e pela introdução de inovações, determinando a elevação do bem-estar da população de uma cidade ou região. Quando a comunidade local é capaz de utilizar o potencial de desenvolvimento e liderar o processo de mudança estrutural, pode-se falar de desenvolvimento local endógeno ou, simplesmente, de desenvolvimento endógeno (BARQUERO, 2002, p.57).

O conceito é impreciso, associando desenvolvimento a uma oposição moderno versus tradicional. A definição também tangencia questões relacionadas à teoria da ação e confere à comunidade local a tarefa de liderança e mudança estrutural. A abordagem, por outro lado, não explicita os meios para tal protagonismo.

2.1.1.5 A Vertente Neoschumpeteriana

Resgatando a visão de Schumpeter, os neoschumpeterianos identificam a dinâmica da inovação como determinante do desenvolvimento. Inerente ao capitalismo, a inovação passa a ser fenômeno resultante do acúmulo histórico-institucional dos territórios. Cooperação e

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interação entre atores são fundamentais para a construção de sistemas de inovação dinâmicos e capazes de gerar desenvolvimento sustentável. Vantagens competitivas derivariam de sistemas que refletem vínculos entre as empresas, instituições e refletem especificidades regulatórias e institucionais (pesquisa e desenvolvimento, educação, infra-estrutura, entre outros). Embora com um tronco comum de pensamento baseado no papel da inovação e de seu desdobramento, via efeitos de economias de aglomeração, sobre o crescimento das empresas e sobre o desenvolvimento local, há heterogeneidade entre os pensadores desta corrente quanto a que tipo de instituições compõem um sistema de inovações. Enquanto para alguns, políticas industriais, educação, sistema financeiro, pesquisa e desenvolvimento, base industrial consolidada são instituições fundamentais para o sucesso do sistema, outros autores acrescentam a experiência histórico-cultural e as implicações regionais de tais experiências no processo de desenvolvimento.

2.1.1.6 Os Millieux-Innovateurs

Os partidários dos millieux-innovateurs identificam na proximidade entre as empresas e na conseqüente sinergia entre elas a explicação para o desenvolvimento espacial de um território em detrimento de outro. Os millieux são territórios abertos ao exterior que se desenvolvem a partir de mecanismos regulatórios específicos e que têm o capital relacional como variável fundamental.31 Aydalot, Maillat e outros autores compõem o GREMI (Groupe de Recherche Européen sur les Millieux Innovateurs).

Embora importantes para as análises de industrialização difusa, vale ressaltar que os distritos franceses apresentam evidência de debilidade em seus sistemas locais no que diz respeito à oferta de emprego, a saber: “na maior parte das zonas industrializadas, o peso das grandes empresas continua a ser determinante”32.

2.1.1.7 O Neoinstitucionalismo

Para os neo-institucionalistas, a minimização dos custos de transação nas trocas é o

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Capital relacional, conforme definido anteriormente, refere-se ao conjunto de relações, de naturezas diversas, estabelecidas no desenvolvimento que tem na rede o seu polo dinâmico.

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COURLET, Claude; PECQUEUR, Bernard. Os Sistemas Locais em França: um novo modelo de desenvolvimento. In: LIPETZ, Alain; BENKO, Georges. As Regiões Ganhadoras. Oeiras: Celta Editora, 1994. p.51.

elemento fundamental da análise, portadora, portanto, da racionalidade instrumental neoclássica. Basta lembrar que os custos de transação estão presentes em todos os momentos de troca: na busca de informações e em seu custo associado, na obtenção de crédito e em sua negociação. Em todos os momentos, o conceito de eficiência do sistema é apontado como crucial para a maximização de resultados pelos neo-institucionais. Mesmo as ideias de Coase que, em tese, afastam-se da concepção neoclássica da empresa como função de produção para aproximá-la de uma “estrutura de governança”, buscam a maximização de resultados considerada a racionalidade paramétrica como base. É nesta seara que caminha a Teoria dos Custos de Transação de Williamson, derivando para os estudos organizacionais questões básicas como terceirização, franquias e foco no core business. Não nos afastamos aqui, em momento algum, da ideia de racionalidade paramétrica, visto que há um parâmetro a ser minimizado e outro a ser maximizado, ambos dados no mercado. É com o passar do tempo, em uma perspectiva dinâmica, que os agentes (empresas) ajustam suas posições e se focam em determinada estrutura de governança, dada a estrutura de mercado estabelecida.

Partindo da possibilidade de existência de pontos de equilíbrio diversos, os neo- institucionalistas introduzem restrições no modelo neoclássico de escolhas racionais que se resumem no conceito de controle social das instituições. Leis, normas e controles que são partilhados e aceitos pela sociedade agiriam no sentido de minimizar o custo de oportunidade, maximizando a decisão individual em cada transação na economia, o que levaria à maximização do benefício social. Uma vez mais retorna-se, na análise da economia local, ao conceito de endogenia do desenvolvimento. Deve-se mobilizar o potencial endógeno das regiões (Vale, 2007) através do fortalecimento de redes, de agrupamentos produtivos com história e tradição locais e do desenvolvimento do capital social. A restrição ao desenvolvimento endógeno regional [ou local] estaria na ausência de marcos macroeconômicos que garantissem a sustentabilidade do desenvolvimento.

2.1.1.8 O Associativismo

Putnam, com sua categoria de comunidade cívica, contribui para uma nova roupagem da leitura do associativismo e para um novo marco analítico, mais amplo conceitualmente, ao considerar variáveis que têm lugar além do campo estritamente econômico e dar aos laços de reciprocidade, participação política das comunidades a importância que de fato têm na determinação dos destinos de suas regiões. Da análise, que culmina no conceito de capital

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social, vem a evidência empírica de que a dinâmica industrial italiana fez alterar as regiões que eram industrializadas um século atrás, mas não alterou as regiões assim definidas com base no conceito de comunidade cívica, onde os laços de solidariedade e participação democrática se fizeram mais fortes e presentes. Assim, o capital social, que sintetiza a confiança entre os membros de uma dada comunidade, suas normas, tradições e instituições, favorece a colaboração entre os atores onde é forte e não potencializa tal colaboração onde não tem tradição arraigada. A ação coletiva depende, então, do estoque de capital social e dele dependem, portanto, a estabilidade político-econômica regional, a boa governança e o próprio desenvolvimento.

Embora de difícil mensuração, a ideia de capital social parece ajudar conceitualmente a resolver ou ao menos a preencher, sintetizar e servir como elemento aglutinador de várias categorias consensualmente determinantes do desenvolvimento (estabilidade política, tradição sócio-histórica, instituições). Adicionalmente, ela contribui para que se coloque um foco luminoso no “paradoxo da oferta” Hirschman (termo nosso): quanto mais capital social, mais formas dos recursos que Hirschman denomina de “recursos morais” e, como tal, quanto maior o uso, maior o estoque disponível. Quanto maior o estoque disponível, maior o desenvolvimento potencial. Continuamos com problemas de mensuração de variáveis, mas, conceitualmente, o Associativismo dá uma contribuição que ilumina caminhos de busca do desvelamento da realidade do desenvolvimento.

2.1.1.9 O Competitivismo, o Planejamento Estratégico e o Planejamento Regional

Inserir competitivamente o local na ordem mundial é o lema dos adeptos da região e do local como passíveis de planejamento estratégico que os coloque no leque das opções de investimentos globais. A “venda” do local está pautada em fatores endógenos e tais fatores devem ser mobilizados para atrair os investimentos necessários ao desenvolvimento. O território se inscreve na ordem do marketing territorial e a concertação público-privada passa a ser fundamental para o sucesso das iniciativas de planejamento. O marketing é elemento fundamental, inclusive, para a promoção da participação interna no processo de planejamento estratégico. Desta forma, Borja e Castells (1996), principais autores desta corrente, defendem que o desenvolvimento de cidades, regiões, do local, só é possível via adaptação aos mercados internacionais como se fossem um produto no leque de opções de compra do investidor. Trata-se de um produto composto por vários fluxos e estoques a serem desenvolvidos

(infraestrutura, qualidades sociais, competências), mas caminha, conceitualmente no sentido da customização do espaço-território ao que se entende como desejo do formador de preços e de estratégias. Ignora-se ou minimiza-se a conjuntura temporal, extremando-se, neste caso, a participação do espaço e minimizando-se, indevidamente, o tempo histórico-econômico na explicação do protagonismo de uma ou outra região como mais ou menos desenvolvida. De todo modo, valoriza-se a dimensão territorial e seus aspectos sócio-históricos em perspectiva estática e, a partir desta, um estoque dado no tempo t, deve-se selecionar, dentro da agenda pré-estabelecida como fundamental para a venda do território, o elenco de tarefas a serem efetivadas para agregar valor ao território portador de valor.

Embora o termo arranjo produtivo se tenha traduzido em distrito industrial na maioria das vezes, tradução esta ocorrida em função da identificação do caso italiano com a análise de Marshall, é importante ressaltar que não se trata do distrito industrial como se conhece na prática brasileira (e em várias partes do mundo) de uma forma geral. Não se confunde a aglomeração produtiva com um espaço-território destinado à localização de plantas industriais. Não se confundem, ainda, as aglomerações com os polos de Perroux ([1967 ?]) nem com as considerações do autor sobre espaço e região econômicos. Para o autor, o espaço econômico é um agregado homogêneo quando caracterizado por elementos semelhantes ou é um espaço heterogêneo quando polarizado, com partes relacionadas entre si, mas com um polo dominante. Perroux ([1967 ?]) apresenta, ainda, a possibilidade de um plano de ação, coordenado por alguma instituição, definidor de objetivos comuns. São as regiões de Perroux ([1967 ?]), portanto: homogênea, polarizada ou de planejamento, o que não se encaixa, necessariamente, embora possa ser referencial analítico, para a avaliação de aglomerações produtivas tal como apresentamos neste trabalho.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (páginas 54-61)