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METODOLOGIA E OBJETIVOS DA TESE

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (páginas 106-111)

Esta tese tem um duplo objetivo:

a) Fazer uma reflexão teórica sobre os arranjos produtivos locais para questionar se os mesmos são o caminho para o desenvolvimento local/regional tal como definido nas políticas brasileiras de desenvolvimento nos anos 2000. Para a discussão adotamos dois recortes teóricos que se complementam:

i. o capital que se autovaloriza e que, para tanto, pode trilhar caminhos que levam a eventuais crises sistêmicas ou a situações que, embora pareçam obstáculos à valorização do capital, são contradições do capitalismo que reafirmam a sua própria solidez como modo de produção. A literatura de inspiração marxista tem analisado com propriedade a geração de riqueza que traz como subproduto ou como a sua contraface a pobreza. A “endogenia da contradição” é a alma do capitalismo. A “desvalorização que valoriza”, a redução do nível geral de preços que permite o escoamento de excedentes e a posterior valorização dos mesmos, o descolamento entre capital fictício, capital financeiro e produção são todos faces do mesmo movimento do capital, o da autovalorização. Neste arcabouço teórico inserimos a discussão sobre os arranjos produtivos locais para perguntar: são os arranjos a solução para o desenvolvimento local? São o caminho para a redução de desigualdades regionais?

ii. A dialética: o arranjo, por ser tal como é, não ficará tal como está. Partimos, portanto, da hipótese da dinâmica que tudo transforma e que torna impossível qualquer análise estática de fenômenos sociais.

b) Discutir a metodologia do Projeto BRA/01/020 – Programa de Desenvolvimento de Distritos Industriais, originalmente denominado Programa de Fortalecimento e Consolidação de Distritos Industriais, será aqui referido como “Projeto”. Tal discussão pretende:

i. analisar, por meio de categorias analíticas, os objetivos do Projeto BID/SEBRAE/PROMOS, evidenciando suas intenções explícitas/implícitas para compreender o que moveu as instituições na implementação do “modelo italiano” nos quatro polos selecionados58;

ii. avaliar os resultados disponíveis para os polos escolhidos através da utilização de indicadores de emprego e renda e do quociente locacional. Como a RAIS/MTE - Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego é a fonte de informações para emprego e para o quociente locacional, teremos duas medidas que refletem o mesmo fenômeno: a (in)formalização das relações de trabalho.

Para evitar a redundância, a evolução do emprego foi utilizada como medida da eficácia59 das ações do Projeto nas microrregiões em que se encontram os polos, enquanto a evolução do quociente locacional foi utilizada para a avaliação dos “efeitos de transbordamento” das políticas adotadas para cada unidade da federação envolvida e para a avaliação das cadeias produtivas de cada setor apoiado pelo Projeto. Pretende-se, deste modo, avaliar os efeitos das economias de aglomeração nos polos do Projeto.

Uma advertência metodológica se faz necessária sobre os resultados do PIB municipal utilizados nesta tese: o cálculo do PIB é feito pelo IBGE com base no valor adicionado das

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A análise por meio de categorias analíticas sera apresentada neste capítulo, enquanto a análise de impactos no PIB e no emprego e nas cadeias produtivas serão apresentadas no capítulo 4.

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A eficácia mede o atingimento de um objetivo, ou seja, se algo foi realizado conforme previsto. Deste modo, eficácia relaciona-se com os fins de algo sem que se considerem os meios para a sua obtenção, visto que os meios utilizados refletem a eficiência. Esses conceitos serão posteriormente retomados neste capítulo.

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atividades econômicas estaduais rateado pelos respectivos municípios. Os cálculos são realizados de acordo com um nível de agregação de atividades econômicas60 e com a disponibilidade de informações municipais, o que, considerados os mais de cinco mil municípios brasileiros, implica grande complexidade, uma vez que calcular produção, consumo intermediário e valor adicionado com informações desagregadas escassas ou inexistentes no nível municipal não é tarefa trivial.

De acordo com o Relatório Metodológico 29 do IBGE61, o método de cálculo dos agregados é adequado às realidades municipais (disponibilidade de informações) de acordo com os seguintes requisitos:

a) Adequação: os dados municipais por atividade deverão estar adequados ao que se mede.

b) Periodicidade: as informações municipais devem estar disponíveis a partir de levantamentos sistemáticos.

c) Universalidade: todos os municípios devem possuir as fontes de informações utilizadas, ou seja, todos devem ser capazes de fornecer as informações a partir de uma mesma fonte.

d) Tempestividade: as informações devem ser confiáveis e estar disponíveis sempre que necessário.

e) Consistência: as informações devem ser confiáveis e adequadas à variável medida62.

Considerados os critérios destacados, uma vez obtidos os resultados das contas regionais para as unidades da federação63, procede-se ao rateio pelos municípios de cada

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Agricultura, silvicultura e exploração florestal; pecuária e pesca; indústria extrativa; indústria de transformação; produção e distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana; construção civil; comércio e serviços de manutenção e reparação; serviços de alojamento e alimentação; transportes, armazenagem e correio; serviços de informação; intermediação financeira, seguros e previdência complementar e serviços relacionados; atividades imobiliárias e aluguéis; serviços prestados às empresas; administração, saúde, e educação públicas e seguridade social; educação e saúde mercantis; serviços prestados às famílias e associativos; serviços domésticos. Para o cálculo, o IBGE desagrega um pouco mais as 17 atividades citadas, principalmente a agropecuária.

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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Séries Relatórios Metodológicos. Número 29: Produto Interno Bruto dos Municípios. 2. ed. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento

e Gestão/IBGE, 2008. Disponível em

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/pibmunicipios/2005/srmpibmunicipios.pdf. Acesso

em 18 set. 2009.

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estado de acordo com um conjunto de indicadores que variam em função da atividade estimada e da característica do município. Nosso interesse mais imediato, em função dos arranjos produtivos selecionados, está na atividade da indústria de transformação64. O método de estimação da participação de cada município no valor adicionado estadual da indústria de transformação considera “as estatísticas do valor da saída das mercadorias declarado pelas empresas às Secretarias Estaduais de Fazenda65”. O valor das saídas é expresso por:

Valor de saídas de mercadorias da Unidade da Federação acrescido do valor das saídas de mercadorias para outras Unidades da Federação e das saídas de mercadorias para o exterior; ou

Operações com débito do imposto (ou tributadas) acrescidas dos isentos (ou não-tributados), dos outros e do valor das saídas excluídas do valor adicionado fiscal (IBGE, 2008, p. 20).

As demais atividades possuem outros indicadores para rateio, algumas delas66 utilizando a RAIS como fonte de informação, o que nos traz um problema metodológico recorrente: a mesma base de dados usada para o cálculo de indicadores que já utilizamos no trabalho. No entanto, como a RAIS é usada em pouquíssimas atividades como fonte de informação para a construção do indicador de rateio, consideramos a medida do PIB municipal adequada para a utilização em conjunto com as medidas de emprego citadas.

Outra objeção que se poderia levantar ao uso do PIB municipal seria o uso do CEMPRE – Cadastro Central de Empresas, composto por mais de 11 milhões de empresas e mais de 12 milhões de unidades locais67, sendo cerca de 4,4 milhões de empresas ativas em

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Para detalhamento das Contas Regionais brasileiras, ver IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Séries Relatórios Metodológicos. Número 37: Contas Regionais do Brasil. Rio de Janeiro:

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão/IBGE, 2008. Disponível em

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasregionais/2003_2006/SRM_contasregionais. pdf. Acesso em 18 set. 2009.

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Como são definidas cadeias produtivas para avaliar os efeitos de transbordamento dos arranjos, outras atividades além da indústria de transformação são importantes, mas as atividades diretamente incentivadas nos polos estão classificadas na indústria de transformação.

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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Séries Relatórios Metodológicos. Número 29: Produto Interno Bruto dos Municípios. 2. ed. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão/IBGE, 2008. Disponível em

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/pibmunicipios/2005/srmpibmunicipios.pdf. Acesso

em 18 set. 2009. p. 15.

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São elas: obras públicas; outros serviços de informação e empresas de educação que atuam em mais de um município (neste caso, também é utilizado o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)).

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Uma unidade local corresponde a um endereço de uma empresa. Como uma empresa pode atuar em mais de um endereço, o número de unidades locais é maior ou igual ao número de empresas. Para detalhes sobre o CEMPRE, consultar IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Notas

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2007. Uma das fontes de atualização do CEMPRE é a RAIS. Entretanto, deve-se ressaltar que as principais fontes de informação do CEMPRE são as pesquisas estruturais do IBGE (pesquisas anuais da indústria, do comércio e serviços, construção civil, etc). Deste modo:

A atualização do CEMPRE é realizada anualmente, conjugando informações provenientes das pesquisas nas áreas de Indústria, Construção Civil, Comércio e Serviços do IBGE e a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, que é um registro administrativo do Ministério do Trabalho e Emprego. Ressalta-se que as informações oriundas das pesquisas do IBGE prevalecem às do registro administrativo (IBGE, 2007, p. 1).

A utilização do CEMPRE, portanto, não nos parece comprometer o PIB municipal como indicador para a avaliação do Projeto de Desenvolvimento de Distritos Industriais.

Restam-nos, ainda, duas questões a tratar sobre o PIB dos municípios: a aderência município-Brasil e o deflator a ser usado na obtenção de valores constantes para o agregado com o objetivo de permitir comparações intertemporais.

Ao tratar o PIB municipal como produto de rateio do PIB estadual, a hipótese implícita é de homogeneidade entre os movimentos do PIB nacional e do PIB dos municípios. A hipótese é forte, mas para o nosso interesse específico pode ser minimizada pela constatação de que os municípios-sede dos arranjos produtivos locais apresentam suas receitas em grande parte dependentes de transferências da União68, transferências estas que dependem da arrecadação nacional. A aderência da arrecadação fiscal ao nível de atividade parece-nos consensual.

Por último e talvez mais importante, temos a questão do deflator do PIB municipal. A situação ideal de deflacionamento para o PIB municipal seria a disponibilidade de indicadores para cada município e para cada vetor do PIB (renda, produção, despesa). Como não há, para os municípios, o cálculo dos vetores de produção e consumo intermediário e nem indicadores disponíveis, nem a dupla deflação (valor da produção deflacionado – consumo intermediário deflacionado = valor adicionado a preços constantes), nem a deflação através de indicadores específicos são possíveis. Os dados municipais disponíveis são, em geral, deflacionados pelo deflator implícito do PIB nacional. A deflação reforça o viés da hipótese de mesmo comportamento entre o PIB nacional e o PIB dos municípios selecionados. Esta tendenciosidade poderia ser assumida heroicamente, porém outros problemas surgem na

Técnicas. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão/IBGE, 2007. Disponível

em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/cadastroempresa/2007/notastecnicas2007.pdf.

Acesso em 18 set. 2009.

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análise do PIB que implicam consequências mais graves em termos de propagação de erro ao assumirmos mais uma hipótese heroica.

Como há alteração metodológica no decorrer da série temporal, eventuais erros derivados da mudança de abordagem do agregado estão presentes. Submeter o PIB dos municípios ao deflator implícito do PIB nacional introduziria um elemento perturbador adicional. Uma vez que nossa intenção é ter apenas noção de impactos, trabalharemos com o PIB nominal, conscientes dos defeitos da medida quando se considera o efeito inflacionário. Assumiremos a hipótese também heroica de que as taxas de variação são igualmente afetadas pela inflação no período e que as diferenças devem-se a alterações “estruturais” no PIB dos municípios. Alertamos para o peso da hipótese, mas também para dois fatos adicionais que suavizam o dano provocado pela metodologia: em primeiro lugar, trabalharemos com comparações circunscritas a cada estado, municípios e microrregiões que abrigaram o Projeto, ou seja, não há comparações entre unidades da federação, o que poderia gerar erros mais importantes; em segundo plano, destacamos que a medida não será a única considerada para a avaliação.

Deste modo, temos consciência e alertamos o leitor sobre a inexatidão das taxas de variação em volume do PIB dos municípios apresentadas no capítulo 4. Entretanto, pelas razões já expostas, cremos na possibilidade de ter nessas taxas uma razoável proxy do verdadeiro comportamento do produto dos municípios69. Sabemos, obviamente, que os arranjos são fenômenos sociais e que a sua dinâmica não é passível de mensuração sem que parte dela mesma se perca. No entanto, eventuais hipóteses consideradas “heroicas” por vezes são necessárias para uma melhor aproximação da realidade que se pretende conhecer.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (páginas 106-111)