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Progresso, Alocação de Mercados e Políticas: para uma reflexão inicial

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (páginas 40-43)

1.3 PLANEJAMENTO, POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICA INDUSTRIAL

1.3.1 Progresso, Alocação de Mercados e Políticas: para uma reflexão inicial

O livre mercado e o sistema de preços são suficientes para os ajustes necessários quando existem eventuais desequilíbrios alocativos. Predominante no mainstream, este pensamento se apoia na ideia de que a eficiência alocativa do sistema de preços permitirá a distribuição ideal dos recursos entre as múltiplas possibilidades de uso (PEREIRA, 1996).

Se o mercado regula com perfeição os desequilíbrios e se, no longo prazo18, a economia tende ao pleno emprego dos fatores, a política industrial ou qualquer política que tenha como objetivo a intervenção no domínio econômico serão dispensáveis, inúteis, totalmente desnecessárias. Na verdade, ajustes de curto prazo são possíveis, para os teóricos destas correntes, via instrumentos de política macroeconômica; o progresso sócio-econômico, por outro lado, está determinado pela livre atuação das forças de mercado.

Não se pode imputar falsidade à teoria sob a alegação simples de que a mesma não adere à realidade empírica. É necessário compreender as hipóteses adotadas pelos pensadores liberais para que se lhes façam qualquer crítica que se pretenda séria. Adicionalmente, a junção de pensadores distintos como os da escola austríaca, os neoliberais e mesmo a base liberal leva a equívocos que fazem com que se homogeinize o que é, em essência, heterogêneo. Assim, a não ser pela defesa do mercado como mecanismo de coordenação e alocação de recursos, as especificidades levam a duvidar de análises que tratem sob o mesmo signo Malcolm Sawyer, Adam Smith e o Consenso de Washington, entre outros.

Ter como denominador comum do pensamento liberal a ideia de que o Estado não intervenha na economia para a correção de desequilíbrios implica empobrecer as considerações (neo)liberais, pois alguns defensores das livres forças do mercado defendem a intervenção nos casos de externalidades e imperfeições que gerem impedimentos ao progresso econômico.

O progresso econômico, por sinal, como ideia-força, é a base de todas as controvérsias sobre a condução das políticas públicas. Heidemann e Salm (2009) apresentam de modo preciso a dicotomia estabelecida nos fundamentos da intervenção estatal para questões de progresso econômico:

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Até a terceira década do século 20, o sonho do progresso era alavancado de forma dominante pelo sistema de mercado autorregulado. Quando este falhou, o Estado passou a regular a economia, e o desenvolvimento foi de então em diante alavancado por um mercado politicamente regulado, ou seja, pela iniciativa conjunta do Estado e do mercado, ainda que para muitos pensadores nascia então um novo mito, o mito do desenvolvimento (HEIDEMANN; SALM, 2009, p. 21).

A ideia de mito, por sinal, percorreu o ideário dos pensadores do mainstream por longas décadas. Afinal, a promoção do desenvolvimento era algo contraditório com a crença no alcance do equilíbrio a longo prazo. O crescimento e o desenvolvimento, portanto, seriam residualmente definidos posto que alcançados a partir da correta implementação das políticas clássicas à disposição da Teoria Econômica: fiscal e monetária, basicamente. A eventual heresia derivada da construção de uma política de desenvolvimento derivaria não somente da corrupção do ideal do livre mercado, mas também da concepção de política econômica.

Para alguns autores, não há sentido em pensar política industrial como algo abrangente uma vez que se trataria de agregar várias parcelas de políticas econômicas (de juros, de crédito, etc) que, por consequência, traria um conceito fluido de política econômica, transformando-a, basicamente, em política pública compreendida como todas as políticas passíveis de adoção pelo Estado.

Uma vez mais tratam-se aqui a questão polissêmica e a necessidade de definição precisa do que se considera política pública. Temos, em primeiro lugar, a definição aristotélica do homem político que influencia e se influencia pelos demais. A política, neste sentido, traz um caráter mais reduzido, de esfera de atuação mais limitada. Para ampliar o alcance do termo, podemos buscar Maquiavel e tratar a política como sendo os métodos e processos utilizados por grupos para a conquista do poder. Trata-se, agora, da possibilidade de corrupção do interesse comum por interesses particulares. Partimos, então, para a política como “ato de governar e realizar o bem público” (HEIDEMANN; SALM, 2009). Usamos o conceito da ética da sociedade como uma totalidade e somos levados a pensar o desenvolvimento ou o crescimento como algo a ser levado adiante como bem público. Requer definir que dimensões do desenvolvimento são relevantes para esta totalidade social a que ele se destina: para que grupos, com que sacrifícios, etc, se faz o crescimento/desenvolvimento.

Como acepção operacional, também apresentada em Heidemann e Salm (2009), a política se confunde com ações práticas, como função do Estado, legitimadas pelo marco legal para solucionar questões de interesse da sociedade. Tem o Estado papel mais importante, notadamente no planejamento de sua política. É neste momento que somos levados a outra

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dicotomia teórico-conceitual: a política de desenvolvimento deve ser setorial ou horizontal, isto é, perpassar todos os setores da economia? Deve solucionar gargalos microeconômicos, setoriais, ou ser abrangente, concedendo benefícios a qualquer setor que se desenvolva no país?”

Por último, “a política é concebida como a teoria política ou o conhecimento dos fenômenos ligados à regulamentação e ao controle da vida humana em sociedade” (HEIDEMANN; SALM, 2009, p. 29). É neste momento que surgem questões como divisão político-administrativa e controle da vida humana em sociedade.

Não menos polissêmica é a noção de política pública, que pode assumir desde o conceito de alocação de determinados valores para uma dada sociedade, definidor de metas e objetivos para a mesma, até a definição de Thomas Dye, para quem política pública é tudo o que um governo decide fazer ou deixar de fazer.

Para os nossos propósitos, política pública é fruto da ação governamental sobre o tecido social (setor, economia, etc) que traz em si uma intenção manifestada. Deste modo, política industrial é aqui entendida como o conjunto de ações de planejamento governamental (com ou sem a participação do setor privado) que visam a promover o crescimento e o desenvolvimento de uma dada sociedade. Trata-se, portanto, de uma política de desenvolvimento, termo talvez mais apropriado para alargar a compreensão de que os encadeamentos econômicos existem para além da produção em si, para além dos efeitos intersetoriais e para muito além de efeitos que se poderiam classificar como estritamente econômicos.

Não confundimos desenvolvimento com desenvolvimento industrial necessariamente. Também não queremos confundir a definição de política industrial e de desenvolvimento com os elementos da seara que se criou exclusiva para as políticas monetária, fiscal e cambial. A parcelização da economia fez com que a ciência padecesse do mesmo mal experimentado pelo trabalho parcelizado nos primórdios taylor-fordistas. A economia, como ciência, não pode ser compartimentalizada de modo a dar ao leitor a falsa sensação de que o formulador de política fiscal é um ser totalmente dissociado dos demais formuladores de políticas econômicas. Por outro lado, não vemos qualquer problema em tratar o termo política industrial como política de desenvolvimento desde que se saiba o alcance do mesmo.

Não há confusão com a política macroeconômica e nem com seus instrumentos, isto é, não se faz a confusão de criador com criatura, pois, do ponto de vista formal, importa o objetivo da política macroeconômica de qualquer país que será, via de regra, de desenvolvimento com sustentabilidade. A política macroeconômica será sempre maior, será

sempre criadora: ora da estabilização somente, ora também criadora do desenvolvimento. Por ser dinâmica, ela sofre influências reversas de suas criaturas e, portanto, o processo de desenvolvimento retroage, gerando, eventualmente, a necessidade de ação específica de uma política macroeconômica. Dirão, por outro lado, outros, que esta política industrial é fruto de ações setoriais e, portanto, estaríamos não no campo da macroeconomia, mas na área microeconômica. Retornamos, assim, a uma definição de política industrial estrita, aquela que busca ações em setores econômicos escolhidos para, via de regra, promover exportações, aumentar conteúdo tecnológico, tratar desajustes de mercado ou simplesmente corrigir falhas alocativas.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (páginas 40-43)