• Nenhum resultado encontrado

O catolicismo no período colonial

No documento elamdealmeidapimentel (páginas 46-50)

PARTE I – A CONSTRUÇÃO DO OBJETO

2 A CONSTRUÇÃO DA DEVOÇÃO AOS SANTOS NO CATOLICISMO POPULAR-

2.1 O catolicismo no período colonial

Um entendimento geral do mundo religioso dos conquistadores (portugueses) é necessário por ter sido a religião deles (cristianismo ocidental) que foi trazida e imposta no Brasil no período colonial.

Os portugueses, na condição de conquistadores, ao chegarem ao Brasil, trouxeram sua cultura e sua religião. Os reis de Portugal se consideravam católicos e assumiram como obrigação defender e expandir a fé católica, a qual foi implantada no Brasil.

Hoornaert (1992, p. 24) cita que D. João III, “rei de Portugal”, escreveu ao primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Souza: “A principal causa que me levou a povoar o Brasil foi que a gente do Brasil se convertesse a nossa fé católica”.

Os reis portugueses encaravam as navegações para a América como cruzadas. As viagens e descobertas das frotas portuguesas sempre foram realizadas tendo como pano de fundo o espírito medieval do “orbs christianus”. Segundo essa mentalidade medieval, uniam-se intimamente interesses políticos e religiosos, sendo que os inimigos da pátria eram considerados inimigos da fé e vice- versa. Os portugueses colonizadores aderiram à mentalidade de seus reis e se

posicionaram contra os inimigos da fé católica. Os religiosos que vieram para o Brasil nessa época, foram criativos no desenvolvimento de métodos catequéticos para a conversão dos índios, mas transportavam para o Brasil as características de seu universo religioso.

A evangelização colonial não aconteceu como resultado do diálogo religioso e sim pela conquista, pela derrota dos colonizados. Segundo Espin (2000, p. 190),

era evidente que o Deus dos cristãos era o único Deus verdadeiro, e, portanto, eles eram abençoados por Deus com vitórias sobre os inimigos da verdadeira religião. Em estilo medieval típico, a religião era invocada para legitimar as vantagens dos vencedores.

Novamente citando Espin (2000, p. 105):

O fundamento original apresentado às populações nativas (e mais tarde, aos escravos africanos) para sua conquista e derrota tenha sido, precisamente, que o Deus cristão os enviara até eles. Muitos dos missionários argumentavam que o cristianismo demonstrara sua superioridade sobre as religiões nativas no fato de ter sido dada aos conquistadores a vitória sobre os índios e africanos: era evidente, afirmavam, que o Deus cristão demonstrava ter um poder muito maior que todas as divindades nativas. A conseqüência dessa linha de raciocínio ficou clara para os povos conquistados – tinham de se submeter ao novo Deus e aceitar o poder e a vontade divinos, do jeito como os missionários e as autoridades coloniais os expressavam.

A evangelização tinha, portanto, como pressuposto, a sujeição dos indígenas, sendo a fé cristã uma imposição, estabelecida oficialmente no Brasil mediante o regime de Padroado5, uma vez que os reis de Portugal julgaram vantajoso manter a população colonizada coesa através da fé. Dessa união de interesses políticos e religiosos, surgiu no Brasil um tipo de Igreja designada como cristandade e, segundo Azzi (1978, p. 45), são três as características principais deste modelo de Igreja:

- íntima união entre Igreja e Estado, constituindo o catolicismo a religião oficial;

- defesa do território contra os inimigos da fé, através do espírito de cruzada ou guerra santa;

- manutenção interna da ortodoxia religiosa, mediante o tribunal da Inquisição.

5

Padroado: significa que tanto os poderes políticos como os religiosos eram concedidos ao rei, ficando a religião incorporada ao Estado e sua prática obrigatória.

Havia uma preocupação muito grande em manter a fé dentro do território brasileiro. Esta era considerada como elemento importante para a manutenção do poder político. Assim, Igreja e Estado caminhavam juntos.

A cristandade se fundamentava na religião, as leis da Igreja eram oficialmente reconhecidas pelo Estado e tinham que ser obedecidas. Qualquer indiferença para com a religião oficial podia ser motivo de denúncia perante o Santo Ofício, que convidava as pessoas a declararem espontaneamente suas culpas, sob formas de confissões, ou incutia na população a obrigação de denunciar os que não seguiam os ritos estabelecidos pela fé oficial. Era então impossível viver integrado no Brasil sem seguir ou respeitar a religião católica, radicalizando assim o problema da fé:

de um lado situava-se a religião católica, a religião do Deus verdadeiro, a religião certa. Do outro lado, ficavam as demais religiões, impregnadas de falsidade e orientadas pelo demônio. Essa era a mentalidade dominante entre os detentores do poder eclesiástico (AZZI, 1987, p. 24).

Nesse modelo de Igreja, a predominância era dada aos aspectos jurídico-administrativos, ficando a religião católica incorporada ao Estado e sendo as práticas religiosas determinadas através de leis. Segundo Lustosa (1978, p. 24), a Igreja representou na época um:

Organismo a serviço da política oficial, legitimando as pretensões e o comportamento do Estado neste período: regalista, na política eclesiástica, mercantilista na economia instrumentalizada pelo absolutismo, monopolizador sempre vigilante, sobretudo quanto pudesse estorvar ou prejudicar a sua expansão colonial, sobretudo atento à defesa e à salvaguarda dos valores da cultura portuguesa e cristã, imposta aos indígenas.

Com semelhantes perspectivas, o catolicismo no Brasil operou de acordo com a matriz portuguesa e a religião católica foi uma das formas poderosas na sustentação do desenvolvimento do sistema colonial.

Este catolicismo implantado pela intervenção direta do Estado, possibilitando a vinda de missionários para converter os índios e fundar escolas, criar dioceses, paróquias, foi também implantado através da migração, segundo Oliveira (1985, p. 113):

Portugueses – bem como espanhóis no século XVII – se estabelecem no Brasil em busca de fortuna no comércio, na administração, na agricultura, na mineração. Esse processo migratório, que conhece períodos de maior e de menor intensidade,

introduz no Brasil o catolicismo popular português. Religião do Estado e dos colonos, o catolicismo se introduz no Brasil, com a chegada dos primeiros portugueses, como o atesta o fato de terem os acidentes geográficos, os rios, as vilas e cidades o nome de santos. Aliás, o Brasil recebe o nome de “Terra de Santa Cruz” e, logo após o desembarque dos primeiros portugueses, uma missa é celebrada no território recém-conquistado. Os símbolos religiosos exprimem, ao mesmo tempo, a ocupação do território pelos portugueses e a gratidão dos marinheiros e colonos aos santos que os protegeram durante a travessia do oceano.

Assim, paralelamente ao catolicismo oficial imposto, os portugueses trouxeram também um catolicismo mais íntimo, mais impregnado de sentimento religioso, o catolicismo de devoção.

Segundo Azzi (1987, p. 52), “as autoridades eclesiásticas do Brasil colonial, como as da cristandade medieval, não foram hostis a essa forma de religião popular, desde que se cumprissem as obrigações oficiais do culto: primeiro a obrigação, depois a devoção”.

Esse espírito devocional tem suas raízes na própria Idade Média; foi elaborado como uma forma de resistência à imposição do catolicismo romano oficial. Mediante o culto dos santos, as populações lusitanas da Idade Média podiam “continuar expressando o sentimento religioso numa forma mais adequada à sua cultura e tradição” (AZZI, 1987, p. 52).

Esse catolicismo assimilava elementos de outras crenças religiosas e Azzi (1987, p. 52) justifica assim o sincretismo religioso:

Segundo a mentalidade popular, existiam elementos de bondade nas diversas religiões, através das quais se podia expressar o sentimento de dependência do mundo sobrenatural. Os colonos portugueses aceitavam tranqüilamente a influência religiosa do ambiente em que viviam, negando-se na prática a enfatizar a radical oposição apregoada pela hierarquia católica: de um lado, Deus, sua fé católica e, do outro, a presença dos demônios nas outras religiões.

Os indígenas, os africanos e judeus portugueses eram obrigados à prática dos ritos católicos, seguindo em público os ritos do Santo Ofício, e, às escondidas, continuavam a manter suas crenças originais em lugares afastados.

Em 1536, por ocasião da organização da Inquisição em Portugal, sob o reinado de Dom João III, muitos “cristãos novos” (descendentes de judeus, assim chamados em oposição aos “cristãos velhos”, que descendiam de antigas famílias católicas) emigraram para a América, para a Ásia e a África, tentando fugir dos rigores da inquisição. Diante deste clima de medo criado pela Inquisição, visitações,

denúncias, deportações, repressões, conflitos, os brasileiros reagiram criando um catolicismo ostensivo, praticado em lugares públicos, com invocações ortodoxas a Deus, a Nosso Senhor, aos santos. Todos tinham de ser muito católicos para garantir sua posição na sociedade e não se tornarem suspeitos de heresia.

Um exemplo a respeito é o da preservação dos cultos africanos no Brasil, já que estes cultos sobreviveram à repressão: os funcionários tratavam os cultos afro-brasileiros como danças e músicas profanas, informando aos delegados e visitadores do Santo Ofício que se tratava de folclore como os fados, dança típica em Portugal, enquanto os africanos continuavam a adorar seus orixás sob invocações e imagens católicas. Os brasileiros no período colonial não eram tão católicos, mas o catolicismo, que nasceu e desenvolveu-se sob a proteção e dependência do padroado português, tinha que ficar firmemente estabelecido no Brasil-Colônia, e, segundo Azzi (1987, p. 50), “este catolicismo pode ser qualificado como tradicional, por ser o primeiro a surgir efetivamente”.

Entre a religião oficial imposta e esses cultos que sobreviveram às escondidas, foi surgindo um catolicismo que se expressava em formas religiosas de tradição judaica, indígena, africana e também em raízes medievais, o que é bem exemplificado por Azzi (1987, p. 53) quando ele diz que:

Entre a religião oficial dominante e esses cultos que sobrevivem nos subterrâneos da vida social, à revelia da Inquisição, existe um espaço intermediário ocupado pela religião de grande parte da população, o catolicismo do povo. Ao mesmo tempo em que se enquadra dentro da religião oficial, e tira dela inspiração para diversos enfoques, o catolicismo popular, além de suas raízes medievais, com freqüência, se expressa em formas religiosas de tradição judaica, indígena e africana.

É sobre este catolicismo que, a seguir, apresentam-se algumas considerações.

No documento elamdealmeidapimentel (páginas 46-50)