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Rituais

No documento elamdealmeidapimentel (páginas 122-127)

PARTE II – A TRAJETÓRIA DE SÃO LONGUINHO EM FREGUESIA: DA GAVETA

5 DA DESCOBERTA DO SANTO À CONQUISTA DO ALTAR

5.2 Culto à imagem achada de São Longuinho

5.2.1 Rituais

Os rituais perante o oratório de São Longuinho se apresentam de diferentes formas, conforme tivemos oportunidade de observar muitas vezes durante nossa permanência na Igreja. Dificilmente uma pessoa vai visitar a Igreja sem parar no oratório do santo. Nos dias de festa (Festa da Padroeira, Natal, São Longuinho), forma-se uma longa fila de devotos à procura do santo.

Diante da imagem, rezam, geralmente de uma forma espontânea, numa conversa pessoal e franca. Depositam fotografias, dinheiro, bilhetes com pedidos ou agradecimentos, cartas, flores. Os fiéis beijam a imagem, passam a mão nela, rezam de olhos fechados. Escrevem um bilhetinho e o colocam na mão dela. Outros o colocam em uma cestinha que fica ao lado. Poucos colocam dinheiro.

Alguns, mais curiosos levantam a veste do santo. Outros beijam a barra da veste, colocam fitas no pescoço da imagem. Tem também os que ofertam sacolas contendo alimentos não perecíveis. Observamos também a entrega de sacos de balas, bijuterias, jóias, chupetas para São Longuinho, além de flores, muitas flores e vasos de flores.

Além da entrega dos "presentes", há os que dão os três pulinhos ou mais perante a imagem e, em escala bem menor, existem os que dão três gritinhos.

Nas Festas da Padroeira (Nossa Senhora da Escada), a fila é sempre grande para o oratório de São Longuinho. Quase todos na fila levam flores nas mãos. No altar da Padroeira, como nos outros dois altares, de Santa Terezinha e São Benedito, uma pessoa ou outra reza. Os devotos estavam na Festa de Nossa Senhora da Escada, mas a "intenção era conhecer ou visitar São Longuinho", segundo Dona Luíza. Eles ficavam uns minutos (quatro mais ou menos) perante a imagem, saíam do oratório, passavam pelo altar de Nossa Senhora da Escada e alguns também aí rezavam. Ao serem entrevistados, alguns fiéis relataram que escutaram falar de São Longuinho nos ônibus da romaria; outros, que não o conhecem e que vieram pela Nossa Senhora da Escada, mas que estão na fila porque ouviram falar que o santo é bom e atende tudo. E ainda, outros entrevistados afirmaram que "é o santo das coisas impossíveis".

Uma irmã de Caridade que rezava junto ao oratório de São Longuinho em 2004 (2ª Festa em louvor a São Longuinho) não permitiu ser entrevistada. Disse ter muita fé, uma fé muito grande, mas que a maioria dos padres não concorda com isso, como também que freiras já a questionaram sobre esta fé.

O padre que atuou em freguesia durante muitos anos se aproximou da pesquisadora na referida festa e, muito triste, disse: "o povo vai todo para o oratório de São Longuinho e não para Nossa Senhora da Escada. A festa é dela. Está vendo o que está acontecendo aqui? Pura superstição"26

Essas diferentes maneiras de os devotos se relacionarem com São Longuinho em Freguesia, ou melhor, esses rituais perante a imagem são as práticas religiosas em que o próprio devoto faz seu culto, independente da presença do sacerdote. A característica principal neste ritual é a relação direta dos devotos com

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São Longuinho, tratado como uma pessoa amiga, mas, ao mesmo tempo, com poder e que pode responder às necessidades daqueles que o procuram.

Os devotos que fazem seus rituais independentemente da presença de padres também participam das práticas religiosas oficiais de Freguesia. Entre essas celebrações, destacam-se os Sermões e a Bênção da Águas, realizados nas missas durante o período das Festas de São Longuinho, realizadas no mês de março, como também as procissões e o culto à imagem do oratório.

Durante as Festas de São Longuinho, quatro missas são realizadas: a da abertura da festa, sempre em uma sexta-feira; a de sábado, às 18 horas e as de domingo, sendo que uma é campal, realizada logo após a procissão em louvor a São Longuinho (11h) e, às 16 horas, a missa de encerramento.

Nas missas de abertura das festas, observou-se que a maioria dos participantes é moradora de Freguesia. Na missa de sábado, alguns moradores de outros bairros de Guararema estão presentes e, nas de domingo, a presença de pessoas das cidadezinhas próximas era grande. Algumas pessoas de São Paulo (capital) também marcam presença. Nem todas as pessoas que compareceram nesse dia em frente ao oratório de São Longuinho aguardavam a missa. Para os moradores de Freguesia, especialmente os mais ligados às atividades litúrgicas da igreja ou que têm alguma representação política na cidade, a participação nas missas e nas procissões é fundamental. É válido mencionar que os políticos do local procuram ter uma proximidade maior com o santo.

Nas missas, os celebrantes estimulam a devoção local. No início da missa de abertura da Festa de São Longuinho, em 2003, o padre fez uma pausa para que cada participante fizesse seus “pedidos” mentalmente a São Longuinho, bem como apresentasse agradecimentos a Deus e a São Longuinho. Solicitou que as pessoas pensassem no pedido e também em São Longuinho e em todos os mártires, pedindo a intercessão.

No Sermão, após interpretar o evangelho, o sacerdote associa-o com São Longuinho, com os mártires do cristianismo de modo geral. Lembra o passado do santo e menciona que São Longuinho merece ser lembrado pela sua conversão ao cristianismo, abordando basicamente temas da doutrina católica, fazendo referências a São Longuinho de um modo genérico.

Na missa de abertura das festas, há sempre a bênção do mastro com a estampa de São Longuinho. Nas missas de sábado, há a Bênção das Águas, na

qual o celebrante, vindo do altar em direção à porta principal, aspergia os fiéis com água. Retornava da porta ao altar pelo outro lado, procurando aspergir a água os demais participantes. As pessoas se aproximavam para serem atingidas pela água benta. Na bênção da missa campal, nos domingos das Festas, objetos eram suspensos para serem “bentos”: fotos, chaves, peças de roupas. Objetos comprados na barraquinha de artigos religiosos (tanto na Festa da Padroeira quanto na de São Longuinho) eram erguidos para serem bentos, apesar do aviso dado pelos vendedores de que já haviam sido bentos.

Algumas pessoas, logo após terem sido atingidas pela água aspergida, faziam o sinal da cruz ou colocavam a mão (molhada pela água benta) na cabeça e na nuca. Refletindo sobre a bênção, vê-se que, na palavra do celebrante, está o pedido de intercessão ao santo no sentido de se obter algo. Há uma interação entre o padre e os presentes na Igreja através da palavra do celebrante, do gesto do padre, da água aspergida e dos movimentos dos devotos, que são feitos no sentido de alcançar a água benta, do sinal da cruz. Cada sacerdote tem seu estilo e dá uma ênfase diferente a cada bênção. Em todas as missas, os celebrantes enfatizaram o caráter mediador de São Longuinho: “Rogai por nós, glorioso São Longuinho. Agradecemos a Deus e a São Longuinho”.

Frei Alamiro27, em sua celebração, se apegou às citações dos quatro evangelistas: Mateus, Marcos, Lucas, João, das quais consta que um centurião romano, após ferir Jesus com uma lança, arrependeu-se e o reconheceu como “o filho de Deus”. – “Este é o filho de Deus”, palavras várias vezes repetidas pelo frade possivelmente para que o público presente fixasse o que consta nos evangelhos, levando-os a conhecer a provável história de São Longuinho por intermédio dos quatro evangelistas. Segundo o frei, faz-se uma tentativa de purificação do culto que está crescendo em Freguesia, procurando-se “evitar as lendas e superstições”. Relatou que São Longuinho ajudou a matar Cristo, cumprindo ordens e que o nome de São Longuinho era Longinus, o soldado que cometeu a barbaridade de espetar Jesus e que, se arrependendo, reconheceu Jesus como o filho de Deus. Mencionou também que o que se sabe da história de São Longuinho é isto, o resto é lenda, que ninguém pode provar acontecimentos de dois mil anos atrás.

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Frei José Alamiro Andrade Silva, franciscano que até 2005 participava das festas em Freguesia, principalmente da Festa de Cristo Rei.

Nas celebrações oficiais da Igreja, a transmissão da doutrina cristã para os devotos se faz presente com os celebrantes dando respostas às indagações que os fiéis fazem sobre a vida de São Longuinho, com respaldo do seu conhecimento doutrinário, transmitindo oralmente explicações sobre temas do catolicismo de um modo geral.

A procissão e a festa de São Longuinho em si permitiram captar as reais necessidades das pessoas ali presentes, como elas se expressaram diante do andor do santo, da imagem de São Longuinho. A procissão, uma prática tradicional no catolicismo popular, permitiu uma análise dos devotos presentes, notando-se a emoção de alguns que choravam silenciosamente, tentando uma aproximação com o andor de São Longuinho e os que conseguiram chegar perto seguravam as fitas, beijavam o santo, se ofereciam para carregar o andor.

A procissão na Festa de São Longuinho até 2005 não teve a presença de sacerdote e este era um fato que a diferenciava da procissão da Festa da Padroeira em que dois padres estavam presentes: um trazendo a imagem na procissão de barcos, e ou outro, acompanhando a procissão que veio da Igreja com o andor de São Benedito para encontrar com a Padroeira. A comunidade se queixava da ausência de padres na procissão de São Longuinho e em 2006, padre Adalberto comandou a procissão da Festa de São Longuinho.

As procissões saíram da Igreja pelas ruas principais. Muitos fotógrafos, jornalistas e a rádio local acompanharam todas as procissões, fotografando o andor de São Longuinho com a imagem do oratório. Crianças vestidas de anjos e de soldados com a bandeira do Brasil acompanhavam as procissões junto ao andor de São Longuinho.

Os organizadores da festa estavam sempre preocupados se haveria público ou não para acompanhar as procissões devido a algumas tensões políticas ocorridas entre pessoas de partidos políticos opostos. Quando as procissões se aproximavam do local da missa campal, havia mais fiéis uma vez que muitos passaram a acompanhar as procissões durante o percurso por algumas ruas do bairro e, assim, pode-se dizer que as procissões foram ricas de significados para a equipe organizadora das Festas de São Longuinho.

No documento elamdealmeidapimentel (páginas 122-127)