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Santos em Construção

No documento elamdealmeidapimentel (páginas 71-75)

PARTE I – A CONSTRUÇÃO DO OBJETO

2 A CONSTRUÇÃO DA DEVOÇÃO AOS SANTOS NO CATOLICISMO POPULAR-

2.5 Devoção aos santos no catolicismo popular devocional

2.5.5 Santos em Construção

Apresenta-se uma reflexão sobre o foco irradiador das devoções, isto é, os elementos que podem justificar a razão e origem de uma devoção em torno de um santo, uma personagem que pode perfeitamente nem ter existido historicamente e que, mesmo assim, em torno dela, muitas construções foram feitas.

Steil (2001, p. 546) menciona que a experiência humana do sagrado é “vivida pelos videntes e devotos como algo que os ajuda não apenas a situar-se em meio a crises sociais e políticas, mas também a transcender os limites das soluções inseridas neste mundo”. Assim, o discurso dos devotos a respeito do santo de sua devoção é de acordo com o contexto social, onde os atos e significados religiosos são parte integrante do todo que conhecemos como realidade.

Delooz (1985, p. 189-216), citado por Menezes (2005, p. 165), lembra que a santidade é uma identidade atribuída a uma pessoa, o santo. Este é assim

remodelado a partir das representações sociais feitas a seu respeito pelos grupos que o consideram enquanto tal.

Há várias maneiras de se estabelecer, de se iniciar uma devoção. A relação com o santo pode se iniciar a partir dos laços herdados, ou obtidos “naturalmente” através de uma graça concedida pelo santo – o milagre. Este é fundamental na relação de uma devoção, pois é, a partir do provável milagre, que a santidade tende a se construir e se difundir.

Menezes (2005, p. 155) relata que “as narrativas dos milagres de um santo permitem perceber os poderes que a ele são socialmente atribuídos e as áreas da vida humana onde sua atuação se concentra”. Assim o milagre atesta a eficácia e o poder de um santo, estando, portanto, a devoção associada a seu poder de realização.

Outra maneira de se relacionar com o santo se dá por meio de um processo de identificação do devoto com o santo. Isso ocorre quando o devoto identifica características comuns entre ele e o santo. Menezes (2005, p. 236) cita que “é a partir do que o devoto é, ou do que ele gostaria de ser, ou do que o santo foi, ou do tipo de característica que até hoje lhe é atribuída que se restaura uma relação de devoção”.

Menezes (2005, p. 238) diz também que “a relação de devoção envolve o pragmatismo, isto é, o atendimento dos pedidos que se quer alcançar, mas também um processo de identificação dos devotos com os santos”.

Isso significa que o devoto pode ligar elementos da vida do santo e elementos de sua própria vida: alguns atributos do santo, que o devoto assume como valores positivos, aspectos da biografia do santo que o devoto associa à sua própria vida. Podem também aqui estar presentes as características como a data e o local de nascimento do devoto, o fato de alguém da família ter sido ligado ao santo.

Menezes (2005) cita que, por um desses aspectos ou pela combinação de dois ou mais deles, pode-se iniciar uma relação de devoção no sentido de haver entre o santo e o devoto elementos de identidade que servem de base para o estabelecimento de vínculos.

As razões para uma devoção passam, portanto, por elementos variados como as virtudes da vida do santo, as resignações perante o sofrimento, sua caridade, os laços familiares do devoto (herdeiro da fé de uma tradição familiar),

as graças alcançadas por intermédio do santo. Outro fator que poderá também justificar a origem de uma devoção é a morte trágica, o assassinato de um santo.

A relação de devoção entre o devoto e o santo pode ter origens variadas, mas a fé do devoto, a atitude de confiança dele em relação ao sagrado está sempre presente. O termo “sagrado significa tudo aquilo – pessoa, objeto, tempo, lugar, coisa – que nos permite ter a experiência do divino e vivenciar a fé” (LIBÂNIO, 2004, P. 23). A fé do devoto é, portanto, uma convivência, uma relação, e, assim, a fé surge tanto para se iniciar uma relação com o santo, como também o resultado da relação, do pedido alcançado.

A partir do exposto até aqui, vê-se que podem perfeitamente existir várias razões para o surgimento de devoções, muitas construções surgem e são o que Coluccio (1994) apresenta como “canonizações populares” 14.

Freitas (2000, p. 198) também justifica as devoções popularizadas ao fazer referência à participação de devoto na construção do santo, apresentando que “[...] o santo em construção talvez seja mais promissor para o interesse dos devotos do que um santo pronto. Ou um pezinho no secular torna mais humano, mais próximo, como também mais vulnerável e aberto a negociações”.

Os santos em construção para Freitas (2000) são santos incompletos: muitos dos seus fiéis os vêem como seus próximos não somente porque sofreram nesse mundo, mas porque sofrem mesmo agora; eles não são os “puros”. Esses fiéis tomam para si um sentido para completá-los.

Nenhum devoto nega o passado de um santo construído, não nega que seu comportamento não era exatamente o modo de se comportar de um santo quando estava vivo, mas isso pouco interfere na crença em seu poder de realizar milagres.

Para Fernandes (1994, p. 200), o que conta realmente para os devotos são os feitos pelos quais se manifestam a força da santidade e suas realizações concretas. “A presença sensível da santidade coloca em segundo plano o valor de sua história”. Histórias de origens remotas ajudam a compor a figura, mas são intercambiáveis e não modificam o principal.

14

Termo apresentado por Coluccio para denominar as santificações promovidas pelo povo na Argentina, sem o reconhecimento da Igreja.

Em síntese, os elementos citados que justificam a razão e origem de uma devoção foram: o poder de realizar milagres; os poderes socialmente atribuídos ao santo; a identificação do devoto com o santo; o atendimento pelo santo dos pedidos feitos pelos devotos; as virtudes da vida do santo; as resignações do santo perante algum sofrimento; as caridades feitas pelo santo; os laços familiares do devoto; a morte trágica ou o assassinato do santo; a dinâmica da participação do devoto na construção do santo.

Com todo o exposto até então, pode-se concluir este capítulo dizendo que a participação do devoto na construção do santo justifica a existência de devoções não oficiais independente de sua importância para a Igreja institucional, que, talvez, não seja tão central. Estas devoções populares são os elementos estruturais do catolicismo popular devocional. E, entre estas devoções populares, encontra-se a devoção a São Longuinho.

No documento elamdealmeidapimentel (páginas 71-75)