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Imagem achada e devotos: atores principais da devoção

No documento elamdealmeidapimentel (páginas 165-169)

PARTE III – A DINÂMICA DA DEVOÇÃO EM FREGUESIA

7. A REDE SOCIAL DA DEVOÇÃO

7.2 Atores da devoção a São Longuinho

7.2.7 Imagem achada e devotos: atores principais da devoção

Benke (2001, p. 46) afirma que as imagens expressam, formam e documentam diferentes visões do sobrenatural em diferentes períodos e culturas. A palavra imagem possui diversos significados, conforme Holanda (1994), e entre eles: “representação plástica da Divindade, de um santo, etc.”; “estampa, geralmente pequena, que representa um assunto ou motivo religioso”; “aquilo que evoca determinada coisa, por ter com ela semelhança ou relação simbólica”; “representação exata ou analógica de um ser, de uma coisa, cópia.”

Tendo em vista tais conceituações, vê-se que imagem e representação são palavras que podem ser consideradas sinônimos de um ou vários fenômenos semelhantes. E, ao se considerar imagem e representação como sinônimos, é

importante lembrar a citação de Aumont (1995, p.120): “A imagem [...] atua no duplo registro (‘dupla realidade’) de uma presença e de uma ausência.”

Nesta duplicidade característica da imagem, está inserida a capacidade de imaginar coisas distintas dos objetos existentes, como também, segundo Lopes (2007, p. 2) “uma necessidade de visualização determinada pela presença de objetos, pela apreensão de suas propriedades ou pela ausência de sua manifestação”.

Jean Pierre Vernant (citado por DEBRAY, 1994, p. 23) diz que, no desenvolvimento geral da aplicação do termo imagem, sua finalidade é “tornar-se visível e, nesse processo, representar algo”.

Deleuze (1988) apresenta a idéia de que o objeto (leia-se imagem) que se repete não muda, “mas muda alguma coisa no espírito que o contempla”. Esta afirmativa justifica-se quando Lopes (2007, p. 9) refere que “as imagens religiosas são ativas, depositárias de sociabilidade e, por isso, mediadoras com as esferas do sagrado”.

Em Freguesia, alguns entrevistados, ao serem indagados sobre o que a imagem de São Longuinho passava para eles, responderam:

“Passa muita fé. A devoção aqui está aumentando cada dia mais”. “São Longuinho é tão bonitinho e o padre falou que ele é feio... Ele resolve tudo para nós, basta ter fé, muita fé”.

“Passa fé, muita fé em Deus”.

“É muita emoção poder falar com ‘ele’ (São Longuinho), olhar para ele...”

“Nunca vi um São Longuinho igual a este da igreja, mas o que importa é a fé e a minha já está em São Longuinho”.

Através da imagem achada, os devotos explicitam um pertencimento, um reconhecimento, um registro de fé. Através da exteriorização da fé, a imagem do oratório fornece visibilidade a uma identidade religiosa que se desenvolve em uma relação entre o devoto e a divindade medida pela imagem.

É, diante da referida imagem, que os devotos realizam suas manifestações de devoção a São Longuinho e é, com base nela, que, algumas vezes, afirmavam que o santo queria falar. Como o oratório fica no altar principal, e há certa distância em relação aos bancos em que os fiéis se encontram assentados, geralmente estes pedem licença para ir até o oratório para “conversar” com São Longuinho. Lá, acariciam a imagem, beijam-lhe a veste, ajoelham-se, choram,

colocam flores ou pequenos bilhetes com pedidos ou agradecimentos, também colocam fitas. Pode-se concluir que a imagem não apenas “revela” ou “representa” o santo: ela o presentifica, pois, como afirma Menezes (2004, p. 11),

Em seu ensaio sobre a origem histórica do culto aos santos na antiguidade tardia, Brown lembra que o tema, na verdade, remete à questão do contato entre o céu e a terra, e ao papel que os seres humanos mortos (santos, no caso) possam ter nesse contato. Menciona ainda a ambigüidade constitutiva da figura do santo, que, mesmo já tendo garantido sua entrada no reino dos céus, manifesta sua presença na terra, seja em sua sepultura ou em suas relíquias corporais ou de contato. Christian e Turner & Turner, dedicando-se ao estudo do culto aos santos em episódios posteriores da história do catolicismo, analisam a manifestação dessa presença em imagens e aparições. Tais objetos – sepulturas, relíquias, imagens e eventos, como aparições, “presentificam” os santos e viabilizam uma comunicação entre o céu e a terra, pois seriam simultaneamente um testemunho e um meio concreto de intervenção do divino na vida humana.

Para Steil (2001, p. 23),

a imagem de um santo não é apenas uma representação que invoca alguém que esteve entre os vivos, mas é um sacramento: algo que torna presentes num mundo visível, de forma eficaz e real, personagens que transitam entre os vivos e os mortos.

Significa que há uma relação entre a imagem e o santo que se torna uma única e mesma coisa. A imagem é considerada como corpo do santo, criando uma cosmologia em que as fronteiras entre a vida e a morte são continuamente ultrapassadas sem necessariamente a mediação de agentes especializados.

A presentificação do santo na imagem de São Longuinho pode ser ilustrada com a relação de D. Luíza, que, ao cuidar da imagem, enquanto lhe troca as vestes, conversa com a imagem e lhe faz carinho, pede licença ao santo e desculpa-se de alguma falha, bem como cumprimenta o santo ao entrar na igreja.

Com todas as referências acima, vê-se que o sagrado é reconhecido, ou representado na imagem do oratório na Igreja de Nossa Senhora da Escada, e que tal imagem representa para os devotos algo que a transcende. É, através dessa representação da imagem, que, cada dia mais, devotos se dirigem a Freguesia em busca das graças de São Longuinho. Estes devotos, diante da imagem, vão se exprimindo em palavras, gestos, ações individuais ou coletivas, em práticas de

devoção. Estas são as diferentes maneiras que os devotos encontram para se relacionarem com São Longuinho.

Uma das formas por eles encontradas de se relacionar está presente na própria imagem de São Longuinho, sob a qual fitas, terços, bilhetes com pedidos e/ou agradecimentos, dinheiro, flores, vasos, chupetas, balas, quadros, fotografias, sacolas com alimentos são colocados no oratório do santo.

Essa doação, essa dádiva dos devotos para com o santo, faz parte do estabelecimento de relações entre o devoto e o santo e vice-versa. Mauss (1950, p. 147, citado por GODBOUT, 1999, p. 19) escreveu que: “as trocas e os contratos são feitos sob formas de presentes teoricamente voluntários, mas na realidade compulsoriamente dados e retribuídos”.

Para Godbout (1999, p. 54), a dádiva não se baseia na dualidade, mas na continuidade, nos vínculos, na filiação. Para Mauss (1950), dar, receber, retribuir são apenas três momentos de uma mesma e única realidade: a troca. A dádiva coloca os devotos no estado de dívida, que caracteriza todo vínculo com o santo. Trata-se de vínculos que podem vir a se tornar incondicionais: pode-se pedir qualquer coisa para São Longuinho (Bilhetes – Anexo 5), envolvendo a dádiva numa cadeia circular sem fim.

Mesmo que a dádiva seja uma forma de retribuir, uma vez que nada obriga o devoto a retribuir, pode-se afirmar, nesse sentido, que a dádiva é gratuita. É uma “obrigação livre”, segundo Mauss (1966, p. 265): “dar livremente e obrigatoriamente”, de “forma ao mesmo tempo desinteressada e obrigatória” (MAUSS, 1966, p.194).

Na dádiva, tudo está no gesto, nas palavras, nas ações perante a imagem; é a intenção que se destaca, pois a dádiva não procura igualdade ou equivalência. Segundo Golbout (1999, p. 206):

A procura da igualdade só pode ser legítima nas relações burocráticas abstratas. Nas relações pessoais, é um insulto e tende a negar o vínculo. A igualdade introduz a rivalidade que a dádiva, ao contrário, elimina tornando os parceiros alternadamente “superiores e inferiores”.

A devoção se torna assim uma doação para o devoto que está sempre divulgando, trabalhando em prol do reconhecimento do “seu“ santo, da sua devoção, divulgando o mesmo.

No documento elamdealmeidapimentel (páginas 165-169)