• Nenhum resultado encontrado

Relação devocional: a relação entre os devotos e o santo

No documento elamdealmeidapimentel (páginas 68-71)

PARTE I – A CONSTRUÇÃO DO OBJETO

2 A CONSTRUÇÃO DA DEVOÇÃO AOS SANTOS NO CATOLICISMO POPULAR-

2.5 Devoção aos santos no catolicismo popular devocional

2.5.4 Relação devocional: a relação entre os devotos e o santo

Uma vez que a devoção aos santos está intrinsecamente relacionada à cultura de seus devotos, pode-se dizer que tal devoção varia de região para região, como também pode ser variada a maneira de as pessoas serem devotas de um

determinado santo. Em uma mesma localidade, podem ser diferentes os motivos das homenagens e promessas, e os santos podem ser homenageados com novenas, ladainhas, festas, danças e mesmo com oferecimento de bebidas alcoólicas para o santo.12

Um mesmo santo pode ser reverenciado em diferentes imagens, correspondendo a uma devoção localizada: Bom Jesus da Lapa, Bom Jesus de Pirapora, Bom Jesus dos Navegantes. Um mesmo santo pode, portanto, ser recortado de maneiras diversas, isto é, os devotos podem perceber, qualificar, representar socialmente um santo. Na medida em que este santo é capaz de influir em comportamento e crenças dos devotos, ele vai sendo incorporado à tradição. Segundo Menezes (2005, p. 163), é como “se formasse um repertório de atributos ou um fundo de representações possível de ser combinado de diferentes formas”.

Novamente citando Menezes (2005, p. 168), “é a plasticidade da figura do santo, isto é, sua capacidade de passar por transformações, de suportar projeções e absorver significados, de transformar-se e adequar-se a demandas variadas, tanto no tempo como em formas locais de apropriação, que garante sua permanência como um mediador significativo em contextos históricos distintos”.

Os devotos, ao reverenciarem um determinado santo, vêem nele expressões de mensagens evangélicas: atitude caridosa, martírio, doação pessoal, mas, no entanto, segundo Oliveira (1983, p. 911), à medida que “o culto se ritualiza historicamente, tal ligação entre a pessoa do santo e os valores evangélicos que ela encarnava vai sendo obscurecida pela sua função protetora”. Para ele, existem duas modalidades básicas de relações entre os santos e os devotos: relação devocional e relação contratual.

A relação devocional é a relação de aliança entre o santo e o devoto e se inicia no nascimento de uma pessoa, quando consagrada a um padrinho celestial, criando entre ambos um compromisso: o dever lealdade em troca de proteção. Estabelecida esta aliança através do batismo, voto, tradição familiar, ela não é mais rompida. O devoto, a partir desta aliança com o santo, deve prestar um culto a ele regularmente, expressando sua devoção de acordo com as particularidades de cada santo: um terço para Nossa Senhora; pão para Santo Antônio; velas para as almas; esmola para os cegos, para devotos de Santa Luzia. O santo deve proteger seu

12

Quando criança, ouvi pessoas mais velhas dizerem que alguns santos gostavam de bebidas.Para São Benedito, alguns fiéis, tempos atrás, ofertavam um copinho de cachaça

devoto nesta vida e facilitar o acesso à vida eterna, pois, uma vez estabelecida esta aliança, ela não se rompe mais.

A relação contratual está associada às promessas. Um contrato explícito é feito entre o devoto e o santo para obtenção de uma graça. Esta relação tem um caráter protetor, pois o santo é solicitado nos momentos de perigo, geralmente, de acordo com suas especialidades: Santa Bárbara, invocada diante de tempestades; na hora do parto, chama-se por Nossa Senhora do Parto; nas viagens, reza-se para São Cristóvão; São Lázaro, invoca-se para curar doença da pele; Santo Expedito invoca-se para causas urgentes e outras.

Nos momentos de crise, os fiéis fazem seus pedidos aos santos, oferecendo-lhes algum sacrifício como contrapartida ao favor recebido. Estabelece- se, dessa forma, um sistema de trocas de bens simbólicos, geralmente narrados como graças alcançadas, envolvendo os fiéis e os santos numa mesma comunidade lingüística e de sentidos.

Oliveira (1985, p. 79) cita que, após a graça ser alcançada, o reconhecimento do devoto pode se dar através de uma “reza” em sua casa, do pedido de celebração de uma missa, da oferta de flores ou velas à imagem do santo ou da participação do devoto em uma romaria. Mas também o devoto pode cumprir sua parte através da realização de uma novena, antes que o santo cumpra a dele. O contrato termina assim que o santo e seu devoto cumprirem suas obrigações. Esta modalidade difere da relação de aliança que é uma devoção permanente. Pode ser que, ao fazer uma promessa e ter sucesso com a graça alcançada, o devoto comece a ver tal santo como um protetor permanente.

Ambas as alianças, de devoção e contratual, têm como característica principal o relacionamento direto e pessoal do devoto com o santo; pois, ao se sentirem desprotegidos, os devotos procuram por seus santos.

Nas relações dos devotos com os santos, nos rituais, está simbolicamente expresso todo o sistema cultural dos devotos. E, a partir daí, podem surgir as devoções a santos não canonizados, citados por Brandão (1980, p. 207) como os “Santos do Povo”13; a relação entre estes santos e seus devotos segue caminhos semelhantes ao estabelecido com os santos oficiais da Igreja Católica.

13

Denominação usada por Brandão para designar os santos reconhecidos pela crença e devoção do povo, sem reconhecimento por parte da Igreja Católica, embora, em alguns casos, seja grande a participação de religiosos no culto.

Lopes (2003, p. 7) diz que

[...] os segmentos populares de devotos, em todas as épocas, nunca aceitaram passivamente a definição das devoções. Muitos dos santos canonizados pela Igreja e figurados na imagética religiosa nem chegaram a ser cultuados ou difundidos amplamente, enquanto outros se tornaram cultuados e aceitos institucionalmente a partir de um movimento iniciado na experiência popular.

Para Oliveira (1983, p. 919), o culto aos santos não canonizados não representa um culto paralelo ao oficial e tampouco um culto contestador, antagônico ou substitutivo do oficial; trata-se de um culto em que a liberdade expressiva dos devotos não fica limitada ao código da liturgia oficial, assumindo assim os traços próprios à cultura de cada grupo ou classe social.

Segundo Steil (19996, p. 36), a popularidade dos santos não canonizados parece ter sua origem no poder de realizar milagres atribuídos a esses santos como também na própria dinâmica da participação dos devotos na construção do santo e este é o assunto a ser abordado no item que se segue.

No documento elamdealmeidapimentel (páginas 68-71)