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2.3 Formação da Indústria Mundial de Petróleo

2.3.7 Os Choques do Petróleo: Era da OPEP e Instabilidade da IMP

A estrutura de produção fortemente concentrada e a elevada diferença de custos de E&P entre os Estados, bem como a inelasticidade da demanda no curto prazo21 fundamentaram o sucesso da estratégia adotada pela OPEP. Sua atuação permitiu aos Estados membros a apreensão de uma parte superior das rendas petrolíferas, assim como uma maior influência do poder político nacional na administração e desenvolvimento do setor de petróleo.

No entanto, foi a guerra árabe-israelense que levou ao aumento do nacionalismo árabe e motivou o uso do poderio político e bélico para a aquisição de reservas de petróleo. Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias entre árabes e israelenses, a Arábia Saudita tentou infligir um embargo seletivo aos países simpatizantes de Israel: EUA, Reino Unido e, em menor escala, Alemanha Ocidental. A tentativa fracassou por algumas razões principais: excesso de capacidade produtiva fora dos países árabes do Golfo, assim como de

20 Nesta época, também as novas companhias entrantes começaram a contestar a política das majors. Destaca-se a companhia italiana Ente Nazionale Idrocarburi - ENI, que em 1957 estabeleceu com o Irã a repartição de 75/25 (75% dos lucros para Irã e 25% para ENI), rompendo com o então importante acordo

fifty­fifty adotado pelo cartel (YERGIN, 1992).

capacidade suficiente em transporte marítimo para compensar o fechamento do Canal de Suez. Entretanto, o principal motivo foram as diferenças políticas entre as repúblicas da Liga Árabe, fomentadoras do embargo, e as monarquias da região, as quais temiam perder o controle de suas políticas de petróleo devido a conflitos em que não estavam diretamente envolvidas.

Em outubro de 1973, todavia, quando teve início a guerra árabe-israelense do Yom

Kippur, a conformação dos cenários político e energético era bastante distinta. Como

reação ao apoio dos EUA e Holanda a Israel, a opinião pública árabe advogou pelo uso do petróleo como instrumento de pressão. Desta forma, os Estados árabes da OPEP imediatamente embargaram todos os carregamentos de petróleo para os EUA e, posteriormente, Holanda, assim como divulgaram uma diminuição da produção de 5% por mês até a retirada de Israel e a restauração dos direitos palestinos (EIA, 2002). Nesse contexto, a OPEP elevou o preço22 do barril de petróleo no mercado internacional de US$3,29 em 1973, chegando a US$11,58 em 1974 (BP, 2016a).

Uma nova fase da IMP, a denominada Era da OPEP, pode ser demarcada por este Primeiro Choque do Petróleo, quando constatou-se com mais nitidez o enfraquecimento do poder político anglo-americano e, por conseguinte, da regulação privada das Sete Irmãs, substituída de certa forma, pela regulação da OPEP - que passou a ter condições de verdadeiramente determinar os preços do petróleo. O período da atuação integrada das Sete Irmãs, estatais e companhias independentes no mercado mundial de petróleo foi marcado por este controle de preços praticado pela OPEP a partir de 1973, quando a organização percebeu a possibilidade de utilização do seu poder político para tal fim. Registra-se por toda a década de 1970 o processo de nacionalização de reservas e do capital petrolífero nos países da OPEP, com a criação de estatais e anulação das concessões outorgadas23. A nacionalização representou claramente a transferência do poder de mercado do Cartel das Sete Irmãs para o da OPEP, com a redução significativa de seu peso no mercado mundial, já que não mais possuíam o controle das atividades de E&P. Este enfraquecimento do cartel das majors com o consequente fortalecimento da OPEP foram os fatores fundamentais da instabilidade do mercado de petróleo após o

22 Refere-se ao valor nominal (valor do ano corrente). Em valores constantes (US$2015), os valores reais seriam US$17,55 em 1973 e, em 1974, US$55,69 (BP, 2016a).

23 Caso da nacionalização da indústria de petróleo venezuelana em 1976 (através da PDVSA). O processo de nacionalização aconteceu em diversos países na década de 1970, por exemplo, na Algéria e Líbia (1971), Iraque (1972), Irã e Líbia (1973) (EIA, 2002).

choque. Todavia, a estratégia de nacionalização não logrou alcançar a transferência do controle total da renda petrolífera, pois as estatais não detinham tecnologia apropriada, nem tampouco experiência na comercialização do produto e controle dos ativos de distribuição e comercialização nos mercados consumidores.

O enfraquecimento do cartel das majors e o consequente fortalecimento da OPEP foram os fatores fundamentais da instabilidade da IMP após os choques do petróleo. Ressalta- se também o relevante papel desempenhado pelo aumento do preço do petróleo no mercado internacional para a redução do ritmo de crescimento da IMP e para a mudança na estrutura de organização desta indústria.

A importância da dimensão geopolítica foi reforçada pelo controle das reservas e do capital petrolífero exercido pelas recém-criadas estatais dos produtores da OPEP e levou à concentração nestas empresas, tanto das reservas quanto da produção mundial. Barreiras institucionais à entrada das empresas internacionais no E&P, resultantes da nacionalização dos principais produtores, levaram a uma desverticalização destas companhias. Neste contexto, as Sete Irmãs tiveram que abandonar o procedimento dos “preços internos” e buscar firmar contratos de longo prazo para o fornecimento de petróleo com as recém-criadas estatais dos produtores OPEP e, por último, desenvolver o mercado spot24. Tavares (2005) declara que esse período também é marcado pela

redistribuição das cartas do jogo petrolífero: de um lado multinacionais, agora sem reservas, mas dispondo de um esquema de refino e distribuição e acesso aos principais mercados e, de outro, estatais, novas proprietárias das reservas, mas sem o acesso ao consumidor.

Em um primeiro momento, a estratégia adotada pela OPEP para a apreensão das rendas petrolíferas consistia na manipulação de preços e controle da produção. O aumento de preço terminou por fomentar a descoberta de novas áreas de produção não vinculadas à OPEP, graças à ampliação dos investimentos dos países consumidores e produtores não pertencentes à organização. Ademais, tornou possível inúmeros projetos de conservação de energia e substituição energética – pelo que se pode inferir que a OPEP subestimou a elasticidade-preço da demanda no médio e longo prazos. Além disso, as nações da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE) criaram em

1974 a Agência Internacional de Energia, com vistas a coordenar estratégias contra tais elevações de preço e mitigação dos problemas associados à política adotada pela OPEP. O controle da produção por intermédio do mecanismo de cotas foi a 2ª estratégia adotada pela OPEP visando a manutenção das suas receitas. No entanto, devido ao arrefecimento da demanda por petróleo e derivados, tal tática não logrou sustentar-se no longo prazo, para o que também contribuiu o rompimento dos limites destas cotas por alguns países membros.

Em relação aos países consumidores de petróleo, o primeiro choque implicou em importantes transformações, com vistas à diminuição da parcela proveniente da OPEP em seus abastecimentos energéticos. Os elevados aumentos de preço provocaram enormes esforços no sentido do desenvolvimento de novas tecnologias, da abertura de novas áreas de exploração e produção e na reestruturação interna das companhias.

É preciso assinalar que o mercado internacional de petróleo atravessou uma fase de relativo equilíbrio nos cinco anos posteriores à súbita elevação dos preços em 1973. No entanto, este panorama de aparente estabilidade nos preços e constância na exploração atravessou uma brusca transformação de comportamento com a Revolução Iraniana em 1979, a qual estabeleceu um regime Islâmico de poder sob a tutela do Ayatollah Khomeini, substituindo o regime monárquico do Xá Reza Pahlevi. Com a deposição do Xá do Irã pela revolução islâmica, que extinguiu o Consórcio Iraniano de Petróleo em 1979, o mercado mundial foi severamente impactado pelo corte na produção de quatro milhões de barris/dia pelo Irã. Em poucos meses, o mercado mundial passou de uma situação de excesso para de escassez de oferta, que causou uma explosão nos preços que ficou conhecida como o Segundo Choque do Petróleo: o preço do barril de Árabe Leve se elevou de cerca de US$14,02 em 1978, continuando uma trajetória ascendente que o levou a atingir US$31,61 em 1979. Com a invasão do Irã pelo Iraque em setembro de 1980 e a possibilidade que os conflitos se estendessem para todo o Oriente Médio, ocorreu o estabelecimento de políticas para formação de estoques de emergência em todos os países importadores de petróleo do mundo. Como resultado, o preço do barril25 atingiu em 1980 o valor de US$ 36,83 (YERGIN, 1992).

25 Refere-se ao valor nominal (valor do ano corrente). Em valores constantes (US$2015), os valores reais seriam US$50,97 em 1978, US$103,20 em 1979, e US$105,94 em 1980 (BP, 2016a).

Neste cenário, como será aprofundado no próximo Capítulo, ocorreu um ajustamento progressivo da demanda mundial de petróleo e foram fomentados políticas e programas de conservação de energia, assim como esforços direcionados à pesquisa e desenvolvimento de fontes alternativas nos principais países consumidores. Por outro lado, as altas do preço possibilitaram a abertura de novas fronteiras de exploração, sobretudo em regiões de custos de produção mais elevados, a exemplo do Alasca, Sibéria, Mar do Norte, Costa Ocidental da África e de outras áreas nos países em desenvolvimento, como a Bacia de Campos no Brasil.

Cabe observar nesta fase da IMP que o surgimento de novos produtores de petróleo em regiões fora do comando da OPEP acirrou a concorrência e diminuiu a fatia de mercado da organização. A interferência institucional visando a redução da demanda e da dependência do petróleo dos países consumidores foi exercida por intermédio de medidas de seus governos, a exemplo dos subsídios ao consumo de etanol fornecidos pelo governo brasileiro mediante o Programa Nacional do Álcool, que será visto adiante.

Com vistas à diminuição dos riscos envolvidos, mais uma vez se tornaram essenciais as alianças entre os atores, objetivando a eficácia da competição e a permuta de tecnologias, informações, ou produtos, alterando o mercado de petróleo. Segundo Campos (2005),

a internacionalização dos negócios e formação de mercados spot, desverticalizando a indústria, reduziram também a área de atuação da OPEP, chegando­se ao ponto de questionar­se a propriedade das estatais e, por fim, argumentar­se que a privatização seria uma excelente possibilidade de obtenção de recursos.