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3.6 A Política Energética Nacional

3.6.8 Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel

O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel – PNPB tem como marco relevante a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República do Brasil, em 2002, dada a absoluta prioridade que seus mandatos atribuíram à necessária inclusão social, convergente com as metas do PNPB.

Nesse sentido, Flexor et al. (2011) afirmam que a reformulação completa do Probiodiesel foi ocasionada pela posse do Presidente Lula, destacando as metas de inclusão social como sendo “desde o início um dos pilares da legitimidade do novo governo”. Os autores apontam que a transferência da gestão da política de biodiesel do MCT para a Casa Civil demonstrou um aumento da sua importância na agenda política nacional.

No histórico de implantação do PNPB, em julho de 2003 o governo brasileiro instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI)98, coordenado pela Casa Civil, encarregado de apresentar estudos sobre a viabilidade de utilização do biodiesel como fonte alternativa de energia e indicar as ações necessárias para sua implantação (BRASIL, 2003a). Cumprindo o disposto em seu Artigo 4º, o GTI apresentou, em 04 de dezembro daquele ano, Relatório Técnico recomendando as ações essenciais para viabilizar a produção e uso do biocombustível no Brasil. Com o propósito de implementar tais sugestões, foi criada a Comissão Executiva Interministerial de Biodiesel - CEIB, em 23 de dezembro de 2003 (BRASIL, 2003b).

Destacam-se dentre os objetivos iniciais do PNPB elencados nesse Relatório Técnico (GTI, 2003):

“Sinalizar a opção política e socioeconômica adotada pelo País (...) para estimular a produção e o uso dessa fonte de energia renovável”;

“Adotar a inclusão social e o desenvolvimento regional, especialmente via geração de emprego e renda, (...) sua produção e consumo devem ser promovidos de forma

internacional e de relações exteriores e, quando for o caso, do seu desdobramento em legislação específica” (MAPA, 2005).

98 O Grupo de Trabalho foi instituído através do Decreto Presidencial 9.920, de 02/7/2003. Tal GT foi coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, sendo composto por: Ministério da Fazenda, Ministério dos Transportes, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministério de Minas e Energia, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Integração Nacional e Ministério das Cidades.

descentralizada e não excludente em termos de rotas tecnológicas, matérias­primas utilizadas, categorias de produtores, portes de indústria ou regiões”;

“Inserir, de forma sustentável, a agricultura familiar nas cadeias produtivas do biodiesel como vetor para seu fortalecimento, apoiando­a com financiamentos, assistência técnica e organização produtiva, visando a oferta de matérias­primas de qualidade e em escala econômica, assim como a participação dos agricultores familiares e suas associações como partícipes de empreendimentos industriais, de modo a ampliar os benefícios socioeconômicos auferidos”;

“Promover a realização de estudos técnicos objetivando identificar, qualificar e quantificar matérias­primas economicamente viáveis à produção de biodiesel em nível regional”;

“Estabelecer normas, regulamentos e padrões de qualidade do biodiesel, inclusive quanto às emissões, de acordo com os diferentes usos a que se destina”;

“Implementar políticas públicas (financiamentos, assistência técnica e extensão rural, fomento à pesquisa, etc.) objetivando o aumento da eficiência na produção do biodiesel, incluindo as fases agrícola e agroindustrial”.

Transcorrido um ano de amadurecimento após a publicação do Relatório Técnico e criação da CEIB, o PNPB foi oficialmente lançado pelo Presidente Lula em sessão solene no Palácio do Planalto, em 06 de dezembro de 2004 (MME, 2005a). Assevera-se que a implantação do marco regulatório estipulou as condições legais para a inserção do biodiesel na matriz energética nacional, objetivando assegurar a produção do biocombustível, com total enfoque em uma política de inclusão social e desenvolvimento regional.

A estrutura do PNPB fundamenta-se em três pilares básicos: a inclusão social através da agricultura familiar, a sustentabilidade ambiental e a viabilidade econômica, de acordo com Roussef (2004). O desafio do projeto Biodiesel no Brasil, segundo a autora, consistia em “implantar um projeto energético autossustentável, considerando preço, qualidade e garantia de suprimento do biodiesel, propiciando a geração de renda com inclusão social”. Oportuno salientar a importância atribuída pelo Programa ao fortalecimento da agricultura familiar (AF), especialmente do Norte e Nordeste do país, através da sua inserção na cadeia de produção do biocombustível. Dado o enfoque do PNPB na promoção da inclusão social e do desenvolvimento regional, observa-se que o Programa foi construído de forma a possibilitar, através de distintas rotas tecnológicas, o emprego

das diversas oleaginosas existentes no Brasil, de acordo com as potencialidades de cada região, atenuando as desigualdades econômicas entre elas.

Em 13 de janeiro de 2005, foi sancionada pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva a Lei n° 11.09799, que introduziu o biodiesel na matriz energética nacional e estipulou o papel regulador da Agência Nacional do Petróleo – ANP, o que permitiu ao órgão fiscalizar todas as etapas que envolvem sua comercialização (BRASIL, 2005a). Esta Lei fixou percentuais mínimos de adição de biodiesel ao diesel mineral, estabelecendo o consumo compulsório do biocombustível a partir de 2008, no percentual mínimo de 2% de adição ao óleo diesel comercializado ao consumidor final em qualquer parte do território nacional, ampliado para 5% de obrigatoriedade em 2013. Ademais, estipulou que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) poderia antecipar os níveis de mistura, caso necessário. Neste sentido, visando agilizar a inserção do biodiesel no país, a Resolução CNPE n° 03, de 23/09/2005, autorizou a adição do percentual de 2% (B2) do biocombustível, a partir de 01 de Janeiro de 2006 (MME, 2005b).

Em janeiro de 2008, por força de Lei, passou a vigorar a mistura mandatória B2 no Brasil. Inicialmente, a mistura alcançaria 5% em 2013. No entanto, conforme autorizava a Lei, esta meta foi antecipada, como descrito a seguir. A Resolução CNPE n° 02, de 13/03/2008, aumentou o percentual mínimo obrigatório para 3%, a partir de 1º de julho de 2008 (MME, 2008) e a Resolução CNPE n° 02, de 27/04/2009, elevou este teor para 4%, desde 1º de julho de 2009 (MME, 2009a). A Resolução CNPE n° 06, de 16/09/2009 antecipou o percentual de 5% para 1º de janeiro de 2010 (MME, 2009b). Desta forma, a mistura B5, cuja meta prevista era o ano de 2013, foi adiantada em três anos.

A Lei n° 13.033, sancionada pela Presidenta da República Dilma Vana Rousseff em 24 de setembro de 2014100, estabeleceu que a adição obrigatória de biodiesel passaria a ser de 6%, a partir de 1º de julho e 7%, a partir de 1º de novembro de 2014 (BRASIL, 2014). Tal regulamentação previu que o CNPE pode diminuir a qualquer tempo o percentual de 7% para 6%, por motivo justificado de interesse público, restabelecendo-o com a normalização das condições que motivaram a redução. Além disso, a Lei autorizou o uso voluntário em maiores percentuais de adição, em casos específicos. Com a finalidade de definir as diretrizes para autorizar a comercialização e o uso voluntário, foi publicada a Resolução n° 3 do CNPE, em 21 de setembro de 2015 (MME, 2015a). A Portaria MME

99 A Lei 11.097 é a conversão da Medida Provisória 214, assinada em 13 de setembro de 2004. 100 A Lei 13.033 é a conversão da Medida Provisória 647, de 28 de maio de 2014.

n° 516, de 11 de novembro de 2015 (MME, 2015b), fixou os percentuais autorizados de mistura voluntária de biodiesel ao óleo diesel, já incluído o percentual de adição obrigatória, de acordo com sua utilização: “I - vinte por cento em frotas cativas ou consumidores rodoviários atendidos por ponto de abastecimento; II - trinta por cento no transporte ferroviário; III - trinta por cento no uso agrícola e industrial; e IV - cem por cento no uso experimental, específico ou em demais aplicações”.

Em 23 de março de 2016, foi sancionada pela Presidenta Dilma Roussef a Lei 13.263, ampliando o percentual mandatório de biodiesel para 8%, 9% e 10% em, respectivamente, até doze, vinte e quatro e trinta e seis meses após a data de sua promulgação (BRASIL, 2016). Destaca-se que esta Lei também autoriza o CNPE a elevar a mistura obrigatória em até 15% após serem “realizados os testes e ensaios em motores que validem a utilização da mistura”. Desde 1º de março de 2017, o percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao diesel mineral comercializado ao consumidor final é de 8%, conforme Resolução CNPE n° 11, de 14 de dezembro de 2016 (MME, 2017).

Além do mandato obrigatório de biodiesel, o Governo Federal também tem concedido incentivos fiscais para estimular e direcionar o desenvolvimento do setor. Em 18 de maio de 2005, foi sancionada a Lei n° 11.116101 (BRASIL, 2005b), que dispôs acerca da incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre a venda do biocombustível, autorizando o Poder Executivo a fixar coeficiente para redução das alíquotas, diferenciando-as em função: “I - da matéria-prima utilizada na produção (...) ; II - do produtor-vendedor102; III - da região de produção da matéria-prima; IV - da combinação dos fatores (...) I a III”. O uso dessas alíquotas diferenciadas objetivou incentivar a produção de determinadas matérias-primas e a aquisição dos insumos produzidos pela Agricultura Familiar, gerando emprego e renda, além de estimular a produção do biodiesel em regiões carentes.

Observe-se que a Lei 11.116 estabeleceu o modelo tributário para as operações com o biocombustível, em conformidade com mecanismo específico de fomento à agricultura familiar na cadeia produtiva. Ao estabelecer que a incidência daquelas contribuições sobre o biodiesel poderia ter coeficientes de redução diferenciados em função das

101 A Lei 11.116 é a conversão da Medida Provisória 227, assinada em 06 de dezembro de 2004.

102 “O produtor­vendedor será o agricultor familiar ou sua cooperativa agropecuária, assim definidos no

aquisições de insumos oriundos da AF, a Lei tanto estimulou a produção e uso do biodiesel, como gerou uma alternativa de receita para estas propriedades familiares. Cabe registrar que a Lei 11.116/2005 também dispôs sobre a necessidade da autorização da ANP e do Registro Especial, na Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, de produtor ou importador de biodiesel.

O Decreto 5.297, de 06 de dezembro de 2004, regulamentou os termos e as condições para a utilização das alíquotas diferenciadas da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes na produção e na comercialização de biodiesel (BRASIL, 2004a). Por seu intermédio foi instituído o “Selo Combustível Social" - SCS, concedido ao produtor de biodiesel que adquirir matéria-prima dos agricultores familiares enquadrados no PRONAF, promovendo a garantia de renda e a inclusão social das famílias produtoras. O Decreto estabelece que o SCS poderá conferir ao produtor de biodiesel o “direito a benefícios de políticas públicas específicas voltadas para promover a produção de combustíveis renováveis com inclusão social e desenvolvimento regional”. Este Decreto delega ao Ministério do Desenvolvimento Agrário a competência “para a concessão, renovação e cancelamento de uso do SCS a produtores de biodiesel”. Para cumprir tal finalidade, o MDA elaborou uma série de regulamentações, com destaque à Instrução Normativa MDA nº 1, de 19.02.2009103 (MDA, 2009) e à Portaria MDA nº 337, de 18 de setembro de 2015104 (MDA, 2015a).

Visando assegurar o alcance das metas estabelecidas pelo PNPB sem problemas de desabastecimento, o Governo Federal instituiu a realização de leilões públicos para aquisição de biodiesel, garantindo assim que todo o diesel comercializado no país possua o teor de biocombustível estabelecido pela lei. O mecanismo dos leilões foi muito importante para incentivar a produção, desenvolvimento e consolidação do mercado de biodiesel em um primeiro momento do Programa.

Nestes certames promovidos pela ANP, refinarias e importadores de óleo diesel adquirem o biodiesel dos produtores para misturá-lo ao diesel derivado do petróleo, compondo a mistura (BX) determinada por lei, assim como para o atendimento para fins de uso voluntário. A ANP estipula nos editais dos leilões o volume que deverá ser comercializado, as características técnicas, as condições de entrega e o preço máximo de

103 Esta IN MDA nº 1/2009 revogou a Instrução Normativa MDA nº 1, de 05/07/2005 (MDA, 2005). 104 A Portaria MDA nº 337/2015 foi retificada pelas Portarias MDA nº 362, de 16/10/2015 (MDA, 2015b) e MDA nº 04, de 05/01/2016 (MDA, 2016a).

referência do biodiesel. Para a realização dos leilões de biodiesel, a Agência deve observar as diretrizes específicas da Portaria MME 476, de 15/05/2012 (MME, 2012). A realização dos leilões segue algumas regras formuladas pelo Governo Federal com o objetivo de incentivar a agricultura familiar, aumentando sua competitividade. A primeira regra diz respeito a uma reserva do mercado obrigatório para os produtores que possuem o SCS. A primeira etapa do certame, que corresponde geralmente a 80% do volume arrematado, destina-se exclusivamente àqueles produtores. Na segunda fase, o volume restante é aberto para todas as empresas cadastradas para o leilão, possuindo ou não o SCS. Além disso, a Agência estabelece um Preço Máximo de Referência (PMR) Regional, que apresenta um valor distinto para produtores que possuem ou não o SCS. Posteriormente, dá-se a contratação de biodiesel para fins de uso voluntário, quando “os adquirentes selecionarão as ofertas mais vantajosas, de acordo com seus próprios interesses e com base na identificação das necessidades e dos interesses de seus clientes (as distribuidoras de combustíveis)”105 (ANP, 2015b).

Registra-se que para uso como B100 ou em misturas superiores ao teor obrigatório e diferentes do B20 e B30 autorizativos, o biodiesel será adquirido “por compra direta (...) de: (i) Produtor ou Distribuidor, quando se tratar de B100; (ii) Distribuidor, quando se tratar de mistura de biodiesel com óleo diesel”, segundo ANP (2016a).

No que tange aos estoques estratégicos de biodiesel, é a Portaria MME nº116, de 04 de abril de 2013, que estabelece diretrizes para sua formação, definindo que a responsabilidade pela compra e estocagem é dos produtores e importadores de óleo diesel, de acordo com sua participação no mercado (MME, 2013). Não obstante, ressalta-se que seu Artigo 4º possibilitou a transferência de responsabilidade do estoque regulador e estratégico para as usinas de biodiesel, através da modalidade do leilão de opção de compras106. Neste caso, adquire-se o direito de retirar o biocombustível, a qualquer tempo, o que reduz a possibilidade de sua degradação.

Assim, em acordo com o estabelecido no Decreto 5.297/2004 (BRASIL, 2004a) sobre o “direito a benefícios de políticas públicas específicas”, o produtor de biodiesel que é

105 “2.1.8.6. Todo o biodiesel arrematado por meio do leilão para fins de uso voluntário (...), somente pode

ser comercializado pelos distribuidores com seus clientes desde que garantidos os documentos (...):(para casos previstos na Portaria MME 516/2015, art. 1º, inciso IV” (ANP, 2015).

106 “Art. 4o Os adquirentes poderão adotar qualquer uma das seguintes modalidades de aquisição: I ­

compra do produto para ser armazenado em instalação do próprio adquirente ou sob sua responsabilidade direta; e/ou II ­ contratação de opção de compra, ficando o produto armazenado em instalação do fornecedor e sob sua integral responsabilidade” (MME, 2013).

detentor do SCS é favorecido com essa “reserva de mercado” para a primeira etapa dos leilões de aquisição de biodiesel, com a redução de alíquotas de PIS/Pasep e Cofins, bem como o acesso a melhores condições de financiamento junto aos “bancos oficiais – Banco do Brasil (BB), Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Banco da Amazônia (Basa) e BNDES”, nominados por BNDES (2006a).