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4.3 Rotas de Produção

4.3.4 Coprodutos

Na obtenção de biodiesel são gerados outros subprodutos para os quais é recomendável encontrar destinação, seja por razões de natureza técnica, ambiental ou econômica. A produção mundial de biodiesel é realizada majoritariamente através da transesterificação, como mencionado. Neste processo, além do éster formado, obtém-se simultaneamente o glicerol, que corresponde a cerca de 20% da molécula do triglicerídeo. Dada essa significativa proporção, motivos técnicos e econômicos recomendam a sua recuperação no processo produtivo.

O termo glicerol refere-se unicamente ao componente químico puro 1,2,3-propanotriol. Já o nome glicerina aplica-se aos produtos comerciais purificados, contendo no mínimo 95% de glicerol. Diversas designações de glicerina estão comercialmente disponíveis e se diferenciam basicamente em seu conteúdo de glicerol.

“Glicerina loira” é o termo normalmente utilizado para denominar a glicerina advinda da produção do biodiesel (SUAREZ, 2007). É obtida da camada glicerinosa inferior, por decantação do sistema nas etapas de alcoólise de óleo, a qual contém sabões, álcool, éster (traços) e impurezas diversas, além do glicerol. Posteriormente, essa fase passa por um tratamento ácido para neutralização do catalisador e remoção de ácidos graxos eventualmente formados. Em geral, esta glicerina contém cerca de 80% de glicerol, além de água, metanol e sais dissolvidos.

Com vistas ao atendimento às especificações para a obtenção de glicerinas comerciais do tipo CP (chemically pure ­ quimicamente pura com 99,5% mínimo de glicerol) e HG (high gravity ­ para nitração com 98,7% mínimo de glicerol), que possuem um mercado mais amplo e diversificado, a “glicerina loira” deve ser submetida a um processo de purificação (ROSA et al., 2003).

A glicerina purificada tem grande aplicação nos setores de cosméticos, higiene pessoal, alimentos, medicamentos e fumo. No segmento de cosméticos, é bastante utilizada na produção de sabonetes, cremes, hidratantes, pasta de dentes e loções pós-barba, por ser um produto atóxico, inodoro, e que não irrita a pele. No setor farmacêutico pode ser utilizada como vasodilatador. Na indústria alimentícia é muito empregada, por ser uma substância doce que não contém açúcar. Já na Indústria Química, a glicerina destina-se sobretudo para a produção de tintas, lubrificantes e papel e celulose.

Suarez et al. (2007) estudaram algumas possíveis transformações químicas para a glicerina, objetivando seu uso como matéria-prima. Os autores concluem que o glicerol pode ser transformado em produtos com grandes aplicações industriais, destacando-se o uso como aditivo para combustíveis, surfactantes, flavorizantes e solventes para uso em medicina e que existem inúmeras oportunidades para o desenvolvimento da gliceroquímica119, “quer no desenvolvimento de novos produtos, processos e aplicações, ou na síntese de novos catalisadores, mais ativos e seletivos”.

Ainda em estágio de pesquisa, pode-se mencionar a possível aplicação da glicerina em pilhas combustível, que vem sendo estudada nos laboratórios da COPPE/UFRJ e o uso de glicerol como substituto do fluido de perfuração convencional, que foi testado pela Petrobras com bons resultados. Os benefícios ambientais desta substituição diminuem os impactos dos fluidos a base de óleo diesel, normalmente empregados quando se perfuram zonas com presença de argilas sensíveis à água, a fim de evitar danos à formação. Além disso, por seu caráter biodegradável, o impacto é menor em caso de derramamento (ROSA et al., 2003). Outrossim, existe a possibilidade de destinação da glicerina em usinas de incineração de lixo ou em cimenteiras, uma vez que seu poder calorífico situa- se em cerca de 3.800 kcal/kg, correspondente a um combustível de médio conteúdo

119 Termo originalmente empregado pelo saudoso Professor Expedito Parente, da Universidade Federal do Ceará.

energético. Também é reconhecida sua possível contribuição para o aumento da produção de biogás em sistemas de codigestão.

Além do glicerol, na transesterificação alcalina, a reação do óleo vegetal com a base gera como subproduto ácidos graxos, que, também por motivações econômicas, devem ser aproveitados. Dependendo da forma em que sejam recuperados, estes têm preços e mercados distintos. Os ácidos graxos lavados e secados a vácuo podem ser comercializados no mercado interno, especialmente para as indústrias de tinta e resinas sintéticas. No caso de purificação do ácido graxo recuperado através de uma destilação complementar, são obtidos produtos de melhor qualidade e preço de mercado. Cabe mencionar que esses ácidos podem vir a ser utilizados na própria produção de biodiesel. Observe-se que o excesso de álcool que é empregado com a finalidade de deslocar o equilíbrio, favorecendo a reação de transesterificação, também deve ser recuperado. Caso não possua um teor mínimo, será preciso submetê-lo a um processo de desidratação para que venha a ser reutilizado no processo.

Quando a reação química utiliza óleos vegetais novos como insumo graxo, o processo requer sua extração, através da prensagem da oleaginosa. Caso o teor de óleo que permaneça na fração restante seja elevado, segue-se uma extração por solvente orgânico, normalmente hexano. Dessa forma, a obtenção do óleo está associada à produção de farelo ou torta da oleaginosa que lhe deu origem, o que não ocorre quando do processamento do insumo residual.

Cabe assinalar que a principal fonte de receitas financeiras dos cultivos oleaginosos geralmente não consiste no óleo vegetal, que representa somente um coproduto, mas sim na fração proteica, que pode ser utilizada para fins alimentícios, humanos ou animais. Existe, ainda, a possibilidade de direcionamento de biomassa residual da oleaginosa como combustível para a geração de energia elétrica.

A Tabela 6, extraída do MAPA (2006), apresenta características agrícolas de algumas oleaginosas, com destaque para a produtividade em óleo por hectare.

Tabela 6 – Características de Culturas Oleaginosas Espécie Origem do óleo Conteúdo de óleo (%) Meses de colheita Rendimento em óleo (t/ha) Dendê/Palma Amêndoa 22 12 3,0-6,0 Coco Fruto 55-60 12 1,3-1,9 Babaçu Amêndoa 66 12 0,1-0,3 Girassol Grão 38-48 3 0,5-1,9 Colza/Canola Grão 40-48 3 0,5-0,9 Mamona Grão 45-50 3 0,5-0,9 Amendoim Grão 40-43 3 0,6-0,8 Soja Grão 18 3 0,2-0,4 Algodão Grão 15 3 0,1-0,2 Fonte: MAPA (2006)

A tabela evidencia que existem espécies que possuem um percentual de óleo por tonelada bem mais atrativo que o da soja, que nos últimos 15 anos120 vem sendo o principal grão produzido no Brasil, responsável por cerca da metade da safra de grãos 2016/17 (CONAB, 2017). Cabe assinalar que, apesar de seu baixo teor de óleo (18%), a soja é a principal responsável pela oferta de óleo vegetal no país, o que acarretou sua posição privilegiada no setor de biodiesel, como será visto adiante.

As principais oleaginosas utilizadas na produção mundial de biodiesel são a soja, a colza e o dendê. No Brasil, também é utilizada uma pequena proporção de algodão. Apresenta- se a seguir algumas características sobre algumas dessas culturas.

i) Soja: Apresenta um baixo teor de óleo, cerca de 18%. É descascada de forma mecanizada. As cascas são utilizadas como fertilizante natural, formando uma cobertura vegetal sobre o solo. Posteriormente, o beneficiamento da soja em grão ocorre com o seu esmagamento e a separação do óleo e da pasta, convertida em farelo (EMBRAPA, 2015). Este é usado, principalmente, como ração animal, devido a seu elevado teor de proteína (43 - 48%), sendo a parcela mais lucrativa da indústria da soja.

ii) Dendê: O beneficiamento do dendê consiste nas seguintes etapas: esterilização; debulha; digestão; e prensagem, ocorrendo a separação do óleo de dendê (obtido da polpa) e de uma mistura de fibras e sementes, que são separadas através de um desfibrador (SOUZA, 2000).

O calor para o processo é obtido através da queima da própria fibra nas caldeiras. Após secagem, as sementes são quebradas, separando-se as cascas das amêndoas, as quais, prensadas, resultam no óleo de palmiste, que tem maior valor de mercado. A torta

120 Na safra 2001/2002, a soja ultrapassou definitivamente o milho, com quem oscilava desde a safra 1996/1997 (CONAB, 2003).

resultante contém 14% a 18% de proteína e pode ser utilizada para ração animal. Os resíduos do beneficiamento do dendê (cachos vazios, fibra e cascas) também podem ser usados na geração de eletricidade.

iii) Algodão: o principal produto desta cultura é a fibra, destinada à indústria têxtil. Após sua separação, ocorre a extração do óleo. A torta e o farelo resultantes são ricas fontes de proteína, bastante empregados no preparo de rações.

A semente (caroço) do algodão representa entre 58 a 65% do peso da produção, dependendo da cultivar, do local e condições de cultivo e das condições de descaroçamento. Possui entre 12 a 27% de óleo e média de 15% de proteína bruta nos cultivares atuais (EMBRAPA, 2009).