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2.3 Formação da Indústria Mundial de Petróleo

2.3.5 Competição Oligopólica: Concessões, Consórcios e Cartel

Com o esgotamento das jazidas de petróleo exploradas durante a Primeira Guerra Mundial, a IMP passou a direcionar esforços na prospecção das regiões que apresentavam histórico de volumosas reservas (sobretudo no Oriente Médio), visando atender o aumento do consumo de derivados e manter o abastecimento de seus mercados. A procura por concessões nas regiões promissoras originou uma intensa disputa pela propriedade das jazidas e acentuação da rivalidade entre as grandes companhias estadunidenses e europeias – característica marcante desta fase de “alta competição oligopólica”, como denominado por Alveal (2003). Segundo a autora, como as firmas estadunidenses não tinham acesso às concessões dos grandes produtores do Oriente Médio, a estratégia do governo dos EUA foi apoiar fortemente a procura por novas fontes de suprimento, tanto no Oriente Médio como na América Latina e na Ásia, para exploração ou aquisição da produção de petróleo já existente.

Foi nesta fase que os principais atores da IMP perceberam a importância estratégica do controle do suprimento de petróleo para evitar os efeitos predatórios provocados pela sobreprodução e guerras de preço11. De acordo com Hémery (1993), “em vez de engajarem-se em uma luta mutuamente destrutiva, os dois protagonistas principais resolveram entrar em acordo”. Neste contexto é que foi implantada a “diplomacia do petróleo” pelas companhias europeias e estadunidenses, no fim da década de 1920, com vistas a permitir a ambas o livre acesso às jazidas, garantir seus direitos de exploração e produção nas regiões mais promissoras e, sobretudo, assegurar o controle do suprimento mundial. Yergin (1992) pondera que a formação de novos modelos de organização do mercado foi possível graças à característica da IMP de apresentar condições propícias à concentração. Neste sentido, as seguintes inovações institucionais foram estabelecidas: o sistema de concessões e a formação de consórcios.

O primeiro mecanismo (sistema de concessões) foi o instrumento jurídico formulado para definir os direitos de propriedade e controle das reservas e regular as relações entre as multinacionais e os governos dos países hospedeiros. Segundo Alveal (2003), “nesse campo relacional, a posição subordinada dos Estados hospedeiros frente às companhias petrolíferas definiu uma relação de imposição por sobre a de negociação”. É importante registrar que estes contratos cobriam extensas áreas do território e um período muito

11 Como aqueles observados na disputa pela obtenção do mercado indiano pela Standard Oil of New York e pela Royal Dutch Shell (YERGIN, 1992).

longo de tempo12 e remuneravam irrisoriamente os países detentores das reservas de petróleo, cuja contabilidade era de controle total da empresa.

Já o mecanismo de consórcios consistiu no instrumento de regulação das relações entre as companhias, concebido com vistas a impedir a competição predatória. Cabe assinalar que esta forma de associação foi uma estratégia comum a toda a IMP, em função do controle geográfico e do acesso às reservas e potencial geológico promissor do Oriente Médio. Estabelecido em 1928, o primeiro consórcio - Iraq Petroleum Company (IPC) - reuniu as maiores companhias estadunidenses e europeias13, tendo sido fundamental para o desenvolvimento da IMP, uma vez que “consagrou a propriedade e o controle conjunto da gestão, como mecanismo de prevenção da competição, antecipando a organização do cartel internacional” (ALVEAL, 2003).

O consórcio antecedeu o estabelecimento do Acordo de Achnacarry em 1928, marco da internacionalização da IMP, que dividiu precisamente o mercado mundial de petróleo, consolidando as posições obtidas pelas maiores companhias. O controle do mercado por um oligopólio de firmas internacionais foi concretizado através da coordenação de suas atividades e da ampliação das barreiras à entrada de novos atores.

O Acordo de Achnacarry foi assinado por três grandes companhias e depois aceito por outras quatro14, que partilhavam a extensa experiência profissional, porte e alto nível de diversificação geográfica e de produção, características que tornaram possível uma vantagem diferencial sobre as demais. Aragão (2005) menciona que

Estas companhias eram exemplos típicos de grandes empresas que se beneficiam simultaneamente da presença de ‘economias de escala’ (ao nível da produção, do transporte e do refino), de ‘economias de integração’ (verticalmente do poço a bomba) e de ‘economias de escopo’ (número de derivados).

Desta forma, no início da década de 1930 o mercado mundial de petróleo encontrava-se dividido entre as sete maiores companhias internacionais (denominadas majors), que juntas formaram associações para a exploração de campos estrangeiros. O regime de cooperação estabelecido demarca uma nova fase da IMP.

12 Usualmente, contemplavam entre 60-75 anos e a quase totalidade da área geográfica do país.

13 Turquish Petroleum Company, SONJ, Mobil, BP, Shell, Compagnie Française de Pétroles (CFP) e Mr.

Gulbenkian (ALVEAL, 2003).

14 Assinado por Royal Dutch­Shell, Standard Oil of New Jersey (Exxon) e Anglo Iranian Oil Co (BP) e posteriormente aceito por Standard Oil of Califórnia (Chevron), Gulf Oil, Texaco e Mobil (sucessora da

O grupo formado pelas majors ficou conhecido como o “Cartel das Sete Irmãs”, considerado um modelo de regulação privada, bastante diferente do conceito de concorrência imperfeita da teoria econômica convencional. Hémery (1993) expõe que

Para Henry Deterding, presidente da Shell, o objetivo deste cartel era realizar um acordo mútuo incluindo a produção, o transporte e a venda de petróleo a preços prefixados (...) submetidos a um controle unificado e bem determinado; e (...) abastecer cada mercado, sempre que possível, a partir da fonte mais próxima.

O cartel formado por estas cinco multinacionais estadunidenses, uma britânica e uma anglo-holandesa definiu as condições do mercado mundial de petróleo e uma expansão relativamente estável do setor por cerca de quarenta anos15, através do estabelecimento de um eficiente sistema de preços e de controle da produção, de forma a não permitir a entrada de novos produtores. Reunidas, as majors assumiram o domínio de todas as atividades petrolíferas, graças à estrutura fortemente integrada, tanto horizontal quanto vertical. A operação verticalizada assegurava alta margem de lucro às companhias, já que o custo de produção do cru era baixo, ao mesmo tempo em que os derivados alcançavam preços progressivamente mais elevados. Por outro lado, o Cartel das Sete Irmãs também coibia o ingresso de outras companhias nas etapas a montante, pois estas não possuíam acesso aos acordos de concessão e, também, devido ao grande tempo demandado para prospecção e desenvolvimento em regiões ainda não conhecidas.

Conforme será mostrado a seguir, além da inovação do Cartel das Sete Irmãs, diversos atores perceberam a relevância de organizar e controlar o desenvolvimento e a expansão da IMP, o que terminou por resultar em outras mudanças institucionais a partir de 1920, destacando-se a criação de empresas estatais16 e as participações acionárias diretas de governos17. É relevante também assinalar as regulamentações emergentes da indústria de petróleo em diversos países e as novas condições contratuais reivindicadas pelos países hospedeiros no ato de outorga das concessões.

15 Estabilidade interrompida pelo Primeiro Choque do Petróleo em 1973.

16 Como a criação da CFP em 1924 na França e da Yacimientos Petrolíferos Fscales – YPF, em 1922 na Argentina.

17 A exemplo da compra majoritária das ações da Anglo Persian Company pelo governo britânico em 1914, como mencionado anteriormente.