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A indústria de petróleo gera insumos imprescindíveis para a produção dos bens e serviços que dão suporte ao modo de produção e consumo da sociedade moderna. A disponibilidade e os níveis de preços do petróleo e seus derivados têm fundamental importância para a determinação do nível de crescimento econômico das nações. Intimamente associadas à indústria petrolífera estão diversas outras, como por exemplo, a indústria química, a automobilística e a de construção naval. Fonte de energia de pequena substitutibilidade, o petróleo possui demandas de curto e médio prazo inelásticas a variações nos preços53.

A indústria de petróleo representa o paradigma de organização industrial oligopólica, atrelado ao seu histórico de desenvolvimento e internacionalização, como assinalado no capítulo anterior. A busca constante de integração observada em sua formação, em grande medida, é decorrência de sua extensa cadeia de produção. Desta forma, as decisões de investimento relacionam-se ao comportamento estratégico dos agentes nos diferentes ramos da cadeia, desde a prospecção, desenvolvimento das jazidas, produção, transporte, refino, distribuição até o consumo final dos derivados.

As reservas de petróleo estão irregularmente distribuídas ao longo do planeta, gerando elevadas rendas diferenciais para os produtores daquelas regiões que possuem reservas de maior volume e que são de mais fácil exploração. Como o petróleo é um recurso natural exaurível, isto é, que será esgotado no futuro, é imperativo que os países que são grandes exportadores maximizem a renda gerada pela atividade petrolífera. Cabe observar que, de forma geral, a dinâmica de crescimento da indústria de petróleo extrapola a conjuntura econômica dos países nos quais se faz presente. Ademais, os países altamente industrializados, principais consumidores de petróleo, comumente são importadores líquidos do energético.

53 Variações percentuais nos preços implicam em variações comparativamente muito menores nas quantidades demandadas.

Após a Segunda Grande Guerra, o consumo de energia no planeta evoluiu a um ritmo sem antecedentes na história, em decorrência do desenvolvimento econômico dos países em industrialização ou reconstrução. Tal crescimento acelerado esteve fortemente atrelado ao da indústria automobilística54 que, em função da criação da demanda mundial por derivados, desempenhou papel chave para o desenvolvimento da indústria de petróleo. Ainda hoje, o setor de transportes é o uso final da maior parte do petróleo extraído e convertido em derivados, como exposto no capítulo anterior.

O papel geopolítico da indústria de petróleo nas duas Grandes Guerras Mundiais e sua relevância para as economias nacionais estava evidente após a Segunda Guerra (YERGIN, 1992). De igual modo, era notório seu enorme potencial em ser um alavancador para o processo de desenvolvimento das nações.

Na história da energia, observa-se que a desvalorização do dólar estadunidense e a inflação mundial foram diminuindo, em termos reais, o valor do barril de petróleo (que já era muito baixo), restringindo a renda real dos países exportadores. Os contratos de concessão entre as majors e os países donos das principais reservas de petróleo eram muito desfavoráveis a esses países (ALVEAL, 2003), que já tinham ciência da perda progressiva de renda petrolífera que estavam cedendo ao ocidente (MARTIN, 1990). Naquele contexto, passou a existir uma política mais firme dos países produtores na negociação de contratos de concessão, o que conduziu à criação das grandes estatais de petróleo, e nacionalização das indústrias existentes. Podem ser citados como os pontos mais relevantes de mudança de estrutura da indústria mundial de petróleo: a estatização das empresas petrolíferas nos países produtores, a criação da OPEP em 1960, o surgimento de novos produtores e, por fim, os choques de preços em 1973 e 1979. De acordo com Hémery (1993), em 1973 existiam as condições necessárias à ruptura da oferta crescente de petróleo a baixos preços: i) uma progressiva elevação da demanda nos países industrializados; ii) diminuição da margem de segurança da produção; iii) instabilidades políticas no Oriente Médio, possuidor das maiores reservas mundiais. Neste cenário, quando a Guerra do Yom Kippur entre Israel, Egito e Síria emergiu em 1973, os países exportadores do Oriente Médio, aumentaram unilateralmente o preço do

54 A indústria automobilística foi essencial ao estabelecimento da moderna sociedade de consumo na metade do século XX, caracterizada pela demanda de massa por bens industriais de consumo durável padronizados, suporte para a ocorrência tanto dos saltos de industrialização como do padrão de consumo capitalista no mundo, e mesmo da vida social (HOBSBAWN, 1995).

barril de petróleo do tipo Árabe Leve em cerca de três vezes e decidiram embargar as exportações para os EUA e Holanda, aliados de Israel. Esta sequência de eventos políticos foi um fator incentivador, pois os choques aconteceram, sobretudo, por razões de natureza econômica.

Após cinco anos de aparente estabilidade nos preços e regularidade na exploração, novo abalo aconteceu. Com a vitória da Revolução Iraniana, a produção foi cortada em 4 milhões de barris/dia de 1978 a 1981. Os países importadores de petróleo começaram a formação de estoque para o caso em que os conflitos se estendessem por todo Oriente Médio. Desta forma, o mercado mundial de petróleo passou de um estado de excesso de oferta para de escassez em um pequeno intervalo de tempo. Os preços do barril dobraram de valor de 1978 a 197955.

Os choques dos preços do petróleo no mercado internacional na década de 1970 expuseram dramaticamente a fragilidade geopolítica do suprimento do energético para o Ocidente. Diante da perspectiva futura de progressiva escassez e encarecimento do petróleo, foi evidenciada a impossibilidade de existência de um crescimento ilimitado do consumo de energia, o que marcou o fim dos anos dourados da indústria do petróleo. Segundo Alveal (2003),

O conceito de geopolítica, sempre referido ao tema petróleo, designa o objetivo (possível ou real) das nações de controlar os meios de produção próprios e das outras nações para gerar mais valor para si próprias, face a uma regulação mundial inadequada e insuficiente para lidar com essa realidade. A energia­petróleo, enquanto chave da prosperidade das nações, desde o início do século XX, foi impregnada por este desígnio. Em termos econômicos, os choques foram um dos principais fatores responsáveis pela notória guinada da economia mundial, materializada na quebra do ritmo de crescimento vivenciado no pós-Guerra. Com os extraordinários aumentos do preço, as economias de diversos países foram fortemente impactadas e desestabilizadas, sobretudo as mais dependentes do petróleo importado, caso do Brasil. Os enormes déficits na balança comercial conduziram às pressões inflacionárias e ao aumento do desemprego, gerando estagnação e um grande óbice ao desenvolvimento econômico e social na chamada “década perdida”. Dado o cenário de déficits na balança corrente, o choque de juros do Banco Central estadunidense ocasionou o enxugamento da liquidez internacional de

55 O valor nominal (valor do ano corrente) em 1978 era US$14,02/barril; em 1979, US$ 31,61/barril. Em valores constantes (US$2015), seriam US$50,97 em 1978 e US$103,20 em 1979 (BP, 2016a).

capital, a elevação das taxas de juros internacionais e, consequentemente, a crise da dívida externa da América Latina da década de 1980 (CANELAS, 2007).

Um processo de transformação da estrutura do consumo de energia no mundo foi desencadeado pelos choques petrolíferos. No pós-crise energética, dada a imperativa necessidade de redução da dependência mundial de petróleo iniciou-se a busca pela racionalização do uso da energia através de equipamentos mais eficientes e modificação dos hábitos de consumo. Observou-se também a pesquisa e o desenvolvimento de outras fontes de energia que pudessem substituir os derivados no atendimento ao uso final das demandas requeridas pela sociedade.

As deficiências estruturais do aprovisionamento energético das nações e as suas fragilidades geopolíticas e sociais foram evidenciadas pelos choques do petróleo na década de 1970. Nesse contexto, a procura por alternativas que propiciassem a redução da dependência das importações, bem como o estímulo à produção doméstica e à diversificação de fontes e tecnologias, com vistas a reduzir a vulnerabilidade dos países, passou a orientar a formulação das políticas energéticas por todo o planeta.

A partir destes eventos, a busca da segurança energética passou a ser prioritária no planejamento das nações dependentes do recurso importado. Com o objetivo de superação da crise energética vivenciada, uma série de estratégias e políticas foram traçadas. Pelo lado da oferta, houve o incentivo à exploração de petróleo e desenvolvimento de fontes alternativas. Pelo lado da demanda, ocorreu a adoção de medidas objetivando a redução do consumo.

No Brasil, as respostas da política energética aos choques foram a intensificação dos esforços de prospecção off­shore com vistas ao aumento da produção nacional de petróleo e o lançamento de programas de substituição de seus derivados por fontes nacionais de energia, como o etanol de cana-de-açúcar, hidreletricidade, lenha, carvão vegetal, gás natural e carvão mineral. No campo da biomassa, destaca-se o Proálcool – Programa Nacional do Álcool, descrito adiante.

3.3 A Indústria Petrolífera e as Oportunidades para os Biocombustíveis