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2.3 Formação da Indústria Mundial de Petróleo

2.3.8 Do Contra-Choque do Petróleo aos Dias Atuais

Devido às reestruturações da IMP, tanto de ordem institucional como estrutural, ocorreu a fragilização do poderio político e econômico da OPEP em meados da década de 1980. A competição entre os membros do cartel, o ingresso de novos produtores, o desenvolvimento de políticas governamentais de estímulo à pesquisa, desenvolvimento, produção e uso de fontes alternativas e de incentivo à conservação energética conduziram a uma redução da dependência de petróleo dos países consumidores e, consequentemente, à diminuição do poder de mercado da OPEP.

Nesse contexto, em uma tentativa de recuperação imediata deste domínio, em 1986, a OPEP reduziu os preços do petróleo e procurou instituir uma guerra de preços, evento que ficou conhecido como o Contra-Choque do Petróleo. Entretanto, em resposta, os

países consumidores elevaram as taxas referentes ao petróleo importado e também aumentaram os subsídios destinados às fontes alternativas. A instabilidade observada no comportamento dos preços tornou evidente não mais ser possível a manutenção das grandes margens de lucros da IMP naquele momento, o que levou à saída de diversas empresas do segmento de upstream.

Foi desta forma que a atuação do Cartel da OPEP passou a limitar-se ao papel de regulador da oferta mundial de petróleo. Cabe assinalar que os preços relativamente baixos observados, sobretudo quando confrontados aos vigentes no 1º e no 2º Choques, não significavam os interesses da OPEP em atuar como um regulador do mercado, mas, sim, refletiam as diferentes posições internas dos membros do cartel, que visavam alcançar alguma previsibilidade em suas receitas.

A coordenação da OPEP no sentido de limitar a competição na IMP foi a principal distorção observada no mercado de petróleo, pelo lado da oferta. Já pelo lado da demanda, os principais elementos foram a proteção dos países consumidores à concorrência internacional, que se deu de diferentes maneiras, tanto por meio da criação de tributos à importação de petróleo ou de subsídios ao produtor local, como por intermédio do surgimento de barreiras ambientais, entre outros.

Além da produção de petróleo proveniente de áreas não pertencentes à OPEP, cabe assinalar a alteração da sua participação na matriz energética mundial de 46% em 1973 para 38% em 1987 (IEA, 2016a). Registra-se também neste período o crescimento do mercado spot, que removeu a força dos países da OPEP como formadores de preços. Enquanto, no final dos anos 1960, o mercado à vista representava apenas 10% da comercialização mundial, no final de 1982, uma parcela superior a 50% do óleo cru passou a ser negociada no mercado spot (YERGIN, 1992).

Além da realocação geográfica dos investimentos em novas áreas de produção, a década de 1980 foi marcada como uma fase de aquisições das majors. Com a nacionalização realizada nos países do Oriente Médio, as companhias internacionais não tinham mais acesso a reservas de petróleo a baixos preços de forma a assegurar o suprimento de suas refinarias e de seus mercados consumidores e, portanto, precisaram se reestruturar. Destarte, a IMP vivenciou então um período de megafusões, aquisições e parcerias, sendo que as grandes companhias que mantiveram a sua primazia o conseguiram através do seu volume de vendas e da sua capacidade de refino (MARTIN, 1990).

Tavares (2005) assinala que a fragmentação da indústria constitui-se na característica mais marcante do cenário de transformações da década de 1980, uma vez que

o processo de “desverticalização” criou multinacionais sem reservas, estatais sem mercado e proporcionou o aparecimento de uma infinidade de intermediários, refinadores, transportadores e pequenos produtores, permitindo o incremento do número de transações realizadas. Não foram somente as transações que aumentaram e mudaram de natureza, mas também o sistema de fixação de preços foi alterado. Houve a consolidação do mercado spot de petróleo, que enfraqueceu o poder de fixação de preços da OPEP.

Neste contexto, Campos (2005) assinala que as estratégias das multinacionais de petróleo a partir da década de 1980 convergiram para:

1) abandono da prática de “preços internos”; 2) estabelecimento de contratos de longo prazo com as estatais dos antigos países hospedeiros; 3) desenvolvimento do mercado spot; e 4) redução de custos através do aumento da concentração industrial (fusões e aquisições) e o aumento dos acordos de cooperação inter­firmas. O objetivo desses movimentos estratégicos era, basicamente, acessar o controle de novas áreas de reservas.

Em função da abertura do setor de petróleo e da carência de tecnologia e de recursos de alguns países produtores, as grandes companhias voltaram a conquistar posições. Por outro lado, para não perderem as colocações já adquiridas, as estatais mais importantes marcharam no sentido de uma maior verticalização, buscando expandir sua atuação tanto no refino como em outros segmentos fora do setor energético, tais como petroquímica, fertilizantes, química fina e biotecnologia. Pode-se inferir que as reformas ocorridas no mundo foram essenciais no novo direcionamento dado pelas grandes do petróleo e na nova dinâmica da IMP.

A IMP se transformou de uma situação em que as majors detinham o controle quase que integral do mercado mundial para uma estrutura concorrencial entre as megaestatais e as companhias privadas. A reestruturação institucional da indústria observada na década de 1990 permite destacar para o período uma tendência de redução do papel do Estado, que deixou de atuar como um interventor-produtor para dedicar-se à regulação. Para tanto, contribuíram as diversas privatizações de estatais, o fim das regulações que restringiam ou dificultavam a livre negociação do petróleo e seus derivados e, ainda, a flexibilização de monopólios públicos com a abertura das atividades da indústria aos capitais privados.

A adequação das companhias ao novo cenário da IMP tornou imperativas algumas reorientações de ordem estratégica. Dentro desta nova ótica, destacam-se os esforços direcionados à expansão de seus interesses no setor de energia, buscando a diversificação de insumos, de forma a converterem-se de empresas de petróleo em empresas de energia26. Também está associado ao novo contexto da IMP o crescimento de indústrias regionais oriundas da flexibilização de mercados que antes eram monopolizados por suas estatais e, ainda, a eliminação gradual das fronteiras nacionais, sobretudo no segmento de

upstream (FREIRE, 2001).

Atualmente, os principais atores que configuram o mercado de petróleo são as empresas, os governos de países produtores/exportadores, os governos de países importadores e organizações internacionais. No que tange à dominância nas atividades a montante e a jusante do segmento petrolífero, observa-se que a estrutura geral da IMP não se modificou, ainda em que pese o surgimento de uma nova categoria de super empresas de petróleo, como resultado dos processos de fusões e aquisições. As grandes estatais de petróleo continuam a deter as maiores reservas e produções de petróleo e gás. Por outro lado, as grandes majors continuam dominantes no segmento a jusante das atividades petrolíferas. Observa-se, ainda, a reverticalização das empresas de petróleo por meio de

joint ventures entre as empresas produtoras e as companhias privadas. Cabe assinalar que

os altos preços do petróleo no mercado internacional, na última década, permitiram que projetos de fontes renováveis e de produção não convencional de hidrocarbonetos, de maiores custos, tivessem atratividade econômica. Como resultado, enquanto a produção mundial de petróleo de fontes convencionais teve comportamento estável, a produção de fontes não convencionais tem crescido significativamente (como o tight oil e o shale gas dos EUA e as areias betuminosas do Canadá).

A atual capacidade de influência da OPEP sobre o comportamento dos preços do petróleo depende tanto das condições de oferta e demanda no mercado internacional quanto dos vários aspectos que podem afetar a coesão dos seus membros, principalmente nos períodos de crise. Conforme aponta ANP (2014a), “o poder da OPEP está calcado no enorme volume de reservas provadas de petróleo (...), e de baixo custo, e nas próprias características do mercado de petróleo, com baixas elasticidades-preço da oferta (...) e da demanda (...)”. Diante desse contexto, a participação da OPEP na oferta mundial de

26 Não obstante, o principal objetivo das companhias atuantes no upstream permaneceu sendo a aquisição de novas reservas.

petróleo e a sua habilidade de coordenar o ingresso de novo fluxo de petróleo no mercado passaram a representar os pontos cruciais para a avaliação da sua capacidade de influenciar os preços do recurso.

No que tange aos preços, a influência de uma série de fatores tem sido somada às questões intrínsecas ao perfil da oferta e demanda mundial de petróleo, com destaque para “a instabilidade política dos países com produção relevante, o ritmo de crescimento das principais economias avançadas e em desenvolvimento e as expectativas dos agentes que realizam transações no mercado futuro”, conforme sinaliza ANP (2013a).

Ao descrever a longa evolução industrial da IMP, buscou-se aqui evidenciar que o comportamento estratégico dominante dos atores envolvidos tem sido, conforme apontado por Tavares (2005):

procurar modos de organização industrial que coordenem, de um lado, a integração vertical e horizontal das atividades petrolíferas nas fronteiras nacionais e, de outro, o engajamento internacional nos vários segmentos em outros países ou regiões econômicas.