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3.6 A Política Energética Nacional

3.6.9 Outros Instrumentos

A expressiva participação das fontes renováveis na matriz energética nacional é resultado de uma série de ações governamentais direcionadas ao seu fomento, conforme apresentado ao longo deste item. No que tange especificamente à matriz veicular, é notória a importância dos biocombustíveis líquidos, biodiesel, etanol anidro e etanol hidratado, que representaram 3,2%, 7,5% e 12,3% em 2015, conforme EPE (2016a). Pode-se depreender dos elementos apresentados que, como resultado das políticas públicas descritas, toda a gasolina automotiva e todo o diesel atualmente comercializados no Brasil mandatoriamente contêm 27% de etanol anidro e 8% de biodiesel, respectivamente. Além da obrigatoriedade legal do uso do biocombustível, é significativo também o emprego do etanol hidratado nos veículos flex fuel. Ademais, é autorizado no país o uso de percentuais voluntários superiores de adição de biodiesel.

Adicionalmente aos mandatos estabelecidos, a ação do Estado também compreende um conjunto de instrumentos econômicos de incentivo à indústria de biocombustíveis, como a viabilização de linhas de financiamento diferenciadas, os incentivos financeiros e as isenções e/ou diferenciações tributárias entre os combustíveis.

Por intermédio do BNDES, o Governo tem disponibilizado diversas linhas de financiamento para o mercado de biocombustíveis ao longo dos anos. Para o etanol, são contempladas várias atividades do setor sucroenergético, através de programas como PRORENOVA, PASS, PAISS, PROGEREN, FINEM, conforme detalhado em EPE (2016b). Para o biodiesel, pode-se destacar o Programa de Apoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel do BNDES, que apoiou107 investimentos “em todas as fases da produção do biodiesel, inclusive no que se refere à armazenagem e à logística do escoamento da produção”(BNDES, 2006b).

107 Dentre os objetivos do BNDES também constava o apoio à aquisição de máquinas e equipamentos homologados para uso de biodiesel, bem como ao beneficiamento de coprodutos e subprodutos do biodiesel (BNDES, 2006b).

Os tributos e contribuições federais incidentes sobre os combustíveis (de origem renovável ou fóssil), nomeadamente a CIDE, o PIS/Pasep e a Cofins, também vêm sendo empregados pelo Governo Federal como fomentadores dos biocombustíveis, visando torná-los mais competitivos, uma vez que são aplicados de forma diferenciada em relação aos fósseis.

Em relação à CIDE, a alíquota de incidência para o biodiesel é zero. Para o etanol, desde 1º de maio de 2004 sua alíquota também é zero (BRASIL, 2004b). Quanto aos fósseis (diesel e gasolina), a alíquota tem oscilado ao longo dos anos. Desde 1º de maio de 2015, é de R$ 50,00/m³ para o diesel A, e de R$ 100,00/m³ para a gasolina (BRASIL, 2015). Quanto ao PIS/Pasep e à Cofins, as alíquotas também variam ao longo do tempo. De setembro de 2013 a dezembro de 2016, estiveram zeradas para o etanol (BRASIL, 2013). Desde janeiro de 2017, perfazem R$ 120,00/m³. Já para a gasolina, houve um aumento na tributação a partir de 2015 (BRASIL, 2015). Para o diesel, esses tributos somados totalizam R$ 248,00/m³. Para o biodiesel, conforme estabelecido pela Lei 11.116/2005, irá depender do insumo, da região produtora e do produtor (se agricultura familiar ou não), podendo variar de R$ 148,00/m³ até zero (EPE, 2016b).

3.7 Conclusões

O consumo de energia global, notadamente a partir da Segunda Grande Guerra, evoluiu a um ritmo sem antecedentes na história, em decorrência do desenvolvimento econômico dos países em industrialização ou reconstrução. Tal crescimento acelerado esteve fortemente atrelado ao da indústria automobilística que, em função da criação da demanda mundial por derivados, desempenhou papel chave para o desenvolvimento da indústria de petróleo, o qual se transformou na principal fonte de energia primária do planeta. O petróleo desbancou a hegemonia do carvão, o principal energético entre a Revolução Industrial e a Segunda Guerra, em grande parte por suas vantagens em termos caloríficos e de facilidade de utilização, e deverá manter sua supremacia nas próximas décadas. O principal setor que ainda permanece com alta utilização de petróleo é o de transportes, cuja participação dos seus derivados é superior a 90%.

No entanto, apesar de sua supremacia, além dos riscos normais de custos, mercados, demanda e preços, a indústria do petróleo está associada a uma série de outros riscos e incertezas, com destaque aos de natureza geopolítica, tecnológica e exploratória.

Os choques do petróleo em 1973 e 1979 elevaram o preço do barril a níveis extremamente altos, impactando seriamente uma infraestrutura industrial e de transportes baseada no recurso, onde o paradigma era de seu suprimento ininterrupto e a baixo custo. Dado o elevado grau de dependência das importações do energético, houve graves crises de abastecimento e foram gerados grandes déficits na balança comercial de diversos países. No Brasil, foram desencadeadas pressões inflacionárias e aumento do desemprego, gerando estagnação e um grande óbice ao desenvolvimento econômico e social na chamada “década perdida”.

A partir destes choques, as nações consumidoras se perceberam vulneráveis em relação à sua segurança no suprimento energético. Assim, entrou na agenda dos países, notadamente dos mais dependentes de importação de petróleo, a busca de soluções voltadas à garantia de abastecimento. Inaugurou-se a busca pela racionalização do uso da energia através de equipamentos mais eficientes e modificação dos hábitos de consumo. Observou-se também a pesquisa e o desenvolvimento de outras fontes de energia que pudessem substituir os derivados no atendimento ao uso final das demandas requeridas pela sociedade.

Diante desse cenário, a procura por alternativas que propiciassem a redução da dependência das importações, bem como o estímulo à produção doméstica e à diversificação de fontes e tecnologias, com vistas a reduzir a vulnerabilidade dos países, passou a orientar a formulação das políticas energéticas por todo o planeta.

No Brasil, as primeiras respostas da política energética aos choques foram a intensificação dos esforços de prospecção off­shore com vistas ao aumento da produção nacional de petróleo e o lançamento de programas de substituição de seus derivados por fontes nacionais de energia, como o etanol de cana-de-açúcar e a hidreletricidade.

Entre as soluções promissoras para diminuir a dependência do petróleo, os biocombustíveis líquidos desempenham um papel de destaque, uma vez que tanto a infraestrutura de distribuição utilizada para os combustíveis fósseis, como as tecnologias de uso final, podem ser facilmente utilizadas por estes, em certos casos sem qualquer alteração e, em outros, com reduzidas modificações, sem custos elevados.

Adicionalmente ao benefício da redução da dependência ao petróleo, com o fortalecimento da segurança do abastecimento energético dos países, o uso de biocombustíveis está associado a uma série de vantagens, de natureza econômica, social e ambiental, em consonância com os objetivos da política energética das nações.

Nesse contexto, vários países vêm incentivando o desenvolvimento de sua indústria doméstica de biocombustíveis, através da utilização de instrumentos diversos, sejam de comando e controle ou econômicos, como políticas, regulamentações legais, subsídios, isenção de impostos e tarifas. Ressalta-se que a viabilidade comercial dessa indústria está atrelada aos preços do petróleo e das matérias-primas. Avanços tecnológicos na área agrícola e industrial também podem ajudar a reduzir os custos de produção e aumentar sua competitividade.

A partir dos anos 1990, também a questão ambiental vem progressivamente assumindo maior importância, influenciando a tomada de decisão para a promoção de políticas de incentivo ao uso de fontes renováveis de energia. Embora não haja uma solução tecnológica única para mitigar a mudança do clima, dentre as alternativas apontadas está o uso de biocombustíveis líquidos no setor de transportes, em substituição aos derivados de petróleo.

No entanto, uma vez que o atual sistema de preços não consegue refletir todas as externalidades positivas e negativas decorrentes das atividades da cadeia energética, a

penetração de fontes de energia renováveis na matriz vem sendo restringida por motivos financeiros. Neste contexto, diversos mecanismos de viabilização e de incentivo têm sido adotados pelas nações para a promoção das fontes renováveis, como políticas e regulamentações (níveis federal e estadual) e incentivos fiscais e subsídios.

O etanol carburante nos Estados Unidos tem no milho a sua matéria-prima principal, tendo o país se tornado o maior produtor mundial deste biocombustível em 2006. O Brasil, por sua vez, é o segundo maior produtor de etanol do mundo e o primeiro oriundo de cana-de-açúcar. Ressalte-se que o consumo de energia de origem fóssil e as emissões de GEE do etanol brasileiro são significativamente inferiores aos do estadunidense, dado o uso do bagaço (biomassa residual) como insumo energético na produção.

Globalmente, sobretudo como resultado das políticas públicas, a produção mundial de biocombustíveis evoluiu em taxas muito expressivas desde 2000. Apesar do volume produzido de etanol em 2015 ser mais de três vezes superior ao de biodiesel, no intervalo entre 2005 e 2015, enquanto a produção mundial de etanol mais do que dobrou, a de biodiesel foi multiplicada por oito, crescendo a taxas muito superiores às do etanol. No Brasil, muitos programas e incentivos foram implementados, sendo exemplos bem- sucedidos o Proálcool e o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel – PNPB. A busca de garantia de abastecimento e a necessidade de mitigação da poluição local e global, ambos ameaçados pelo uso dos combustíveis fósseis, promovem um ambiente promissor para a penetração cada vez mais relevante dos biocombustíveis na matriz energética mundial. O Brasil, com a sua insolação intensa, disponibilidade hídrica e abundância de terras, reúne as vantagens competitivas para figurar entre as lideranças mundiais em biocombustíveis. O capítulo evidenciou que a produção e uso de biodiesel no país apresenta um enorme potencial em contribuir para atender aos interesses econômicos e sociais do Brasil bem como para conduzir o mundo a uma matriz global de baixo carbono.

4 Estado da Arte das Tecnologias de Produção de Biodiesel

4.1 Introdução

Entre as inúmeras fontes renováveis de energia capazes de substituir os combustíveis fósseis na matriz energética mundial, o biodiesel mostra-se como uma alternativa bastante factível para o suprimento do diesel mineral. Principal derivado de petróleo consumido mundialmente, este combustível possui uma participação ainda mais relevante no Brasil. O termo biodiesel é usualmente empregado para referir-se a qualquer derivado de biomassa renovável que seja substituto do diesel mineral. Foi definido pela Lei Federal 11.097/2005 como um “combustível para uso em motores a combustão interna com ignição por compressão, renovável e biodegradável, derivado de óleos vegetais ou de gorduras animais, que possa substituir parcial ou totalmente o óleo diesel de origem fóssil” (BRASIL, 2005a). Não obstante, no presente estudo o termo biodiesel circunscreve-se ao estabelecido através da Resolução ANP 45/2014: “combustível composto de alquil ésteres de ácidos carboxílicos de cadeia longa, produzido a partir da transesterificação e/ou esterificação de matérias graxas, de gorduras de origem vegetal ou animal, e que atenda à especificação” (ANP, 2014b). Desta forma, será utilizado somente para denominar o éster de origem renovável.

Com vistas a embasar a análise da substituição do derivado de petróleo pelo biodiesel, nesse Capítulo são inicialmente assinaladas algumas características do motor Diesel e do combustível a ser queimado, tanto aquele convencionalmente empregado, como possíveis fontes advindas da biomassa.

Em seguida, o Capítulo apresenta o estado da arte das tecnologias de produção de biodiesel, contemplando uma descrição do campo de aplicação e das diferentes rotas de obtenção do éster. Também será exposto o panorama mundial da produção e uso do biodiesel, com destaque para os principais atores, evidenciando o papel do Brasil nesse cenário.