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2.3 Formação da Indústria Mundial de Petróleo

2.3.6 Surgimento das Estatais e Renegociação das Concessões

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o papel estratégico da IMP enquanto instrumento de manutenção ou ampliação do poderio político-econômico dos países desenvolvidos apresentou-se mais claramente. Por outro lado, no caso dos países em desenvolvimento com grandes reservas, um maior controle sobre a produção representava a retenção de parte da renda petrolífera e, com isto, uma forma de alavancagem do seu crescimento econômico e dos processos de industrialização.

Desta forma, a partir de 1950, tanto os países consumidores quanto os possuidores das reservas de petróleo exploradas pelas Sete Irmãs por intermédio de acordos de concessão começaram a se mobilizar contra a política de apropriação da renda petrolífera controlada pelo cartel. A presença dos Estados Nacionais na dinâmica da IMP também foi impelida pelos imperativos de autonomia nacional e responsabilidade sobre o abastecimento interno de petróleo, fatores de natureza política.

O não interesse das multinacionais na realização de investimentos de riscos em países com pouca atratividade e o imperativo das nações em garantir o suprimento energético em seus territórios forneceram o suporte do processo de nacionalização do setor de petróleo pelo mundo, a exemplo da Itália (ENI), Alemanha (Veba Oel), Japão (JAPEX) e Brasil (Petrobras). A criação das estatais nos países do Oriente Médio ressalta-se como um elemento fundamental para o acirramento da disputa pela renda petrolífera mundial. Desta forma, no final dos anos 1950 se tornou evidente que o controle da indústria pelo cartel das majors vinha sendo gradualmente afetado pela entrada de novos atores na disputa desta renda energética, a qual se encontrava em franca expansão.

Os governos das nações e as empresas de petróleo foram envolvidos neste processo marcado por relevantes fatos políticos, como a nacionalização do petróleo mexicano em 1938 e a renegociação dos contratos de concessão na Venezuela e no Irã, na década de 1930. Merece destaque o acordo de 1948 com base na repartição de lucros paritária (fifty­

fifty) entre o governo venezuelano e as companhias que lá atuavam. Esta negociação

impactou os países hospedeiros da região do Oriente Médio, melhorando as cláusulas contratuais a seu favor. Neste sentido, observa-se nessa fase a renegociação dos contratos de concessão para prazos e áreas menores, assim como níveis superiores para a tributação dos rendimentos e da produção e, consequentemente, redução dos retornos e lucros das

Neste cenário de evidenciação do caráter estratégico da IMP e fortalecimento dos Estados Nacionais, com surgimento de empresas estatais e renegociação dos contratos de concessão, foi criada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo - OPEP, em 196018. Após duas reduções de preços de petróleo sucessivas, em fevereiro de 1954 e julho de 1960, as majors tomaram a decisão unilateral de repassar a queda aos Estados produtores, os quais responderam criando um instrumento de defesa comum: a OPEP. Os cinco países fundadores deste novo cartel – Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela eram então responsáveis por uma parcela superior a 80% das exportações mundiais de petróleo bruto (YERGIN, 1992). Em seguida, ocorreu a entrada de outros países: Catar (1961); Indonésia e Líbia (1962); Emirados Árabes Unidos (1967); Argélia (1969); Nigéria (1971); Equador (1973); Gabão (1975) e Angola (2007)19 (OPEC, 2016). A sua criação objetivava coordenar conjuntamente a política petrolífera de seus membros, de forma a levar os Estados produtores a se apropriarem de maiores parcelas da renda energética gerada, visando utilizá-la como principal fonte de financiamento do desenvolvimento econômico. Tal repartição traria como resultado a elevação dos preços do petróleo, consentido pelas majors a fim de conservar seus lucros que, em caso contrário, teriam sido reduzidos pelas exigências dos Estados concessionários.

Conforme avalia Campos (2005), neste contexto, destacou-se a Resolução n° 1.803/1962 da Organização das Nações Unidas, a qual “reconheceu o direito do Estado soberano de dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, levando em consideração as suas estratégias de desenvolvimento”. A autora pondera que, se por um lado, a criação da OPEP representou de pronto uma restrição às estratégias das majors de aquisição do domínio total das reservas, por outro, não resultou imediatamente em poder de definição de preços do petróleo por parte dos países membros.

A revisão do sistema de concessões, as tomadas de participação no capital e a subsequente nacionalização das companhias concessionárias presentes nos Estados hospedeiros vinculados à OPEP significaram, segundo Alveal (2003), “o ponto de inflexão originário

18 “O império do Cartel das Sete Irmãs começaria a ser contestado nos anos 1960. A emergência de novos

atores – os ‘Independentes’ americanos e as empresas estatais europeias – cuja estratégia justapôs­se, conjuntamente, com o desejo de emancipação de alguns países produtores, suscitou uma concorrência que forçava a baixa de preços e que desafiava o poder das majors, no que diz respeito à fixação dos preços de petróleo. Esta concorrência desestabilizou não somente as relações entre as sociedades petrolíferas (na medida em que atingia diretamente os rendimentos auferidos pelas maiores dentre elas), mas também o relacionamento entre estas e os Estados produtores.” (HÉMERY, 1993).

19 O Equador suspendeu a sua filiação de dezembro de 1992 a outubro de 2007, e a Indonésia, entre janeiro de 2009 a dezembro de 2015. Já o Gabão, se desfiliou em 1975, mas retornou em julho de 2016.

da mutação posterior da IMP e, numa perspectiva abrangente e de longo prazo, tornou-se condicionante da evolução posterior da economia mundial”. Por intermédio destes movimentos, o regime jurídico da produção mundial de petróleo foi significativamente alterado20.

Alveal (2003) assim resume os vários fatores responsáveis pela redução do nível de reservas do cartel das sete majors nesta fase da IMP:

i) a criação de empresas estatais e a nacionalização das indústrias de petróleo, ocorrida na década de 1950, aumentara nos anos 1960 e se completara nos anos 1970; ii) o retorno do petróleo russo ao mercado europeu já nos anos 1950; iii) a criação da OPEP em 1960 em resposta à redução de preços operada pelas majors; iv) o início da internacionalização das grandes companhias independentes americanas, minors, na década de 1960; v) a negociação de acordos mais favoráveis para os países exportadores das estatais europeias, notadamente a italiana Ente Nazionale Idrocarburi ­ ENI, desestabilizando as regras contratuais estabelecidas pelas grandes empresas do cartel da IMP nas concessões do Oriente Médio; e vi) o surgimento, enfim, de novos produtores, como a Indonésia e a Nigéria nos anos 1960.