Capítulo III. O Modelo atual de Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz
3. A Ciência da Religião como matriz
levando em consideração os contextos social e cultural.
• Reconhecer e valorizar os modelos éticos humanistas.
• Refletir sobre a relação do ser humano com a natureza na perspectiva espiritual, identificando as questões sociais e ambientais da contemporaneidade.
Eixo Vivencial
• Sensibilizar o aluno para o compromisso social e estimular sua participação política. Identificar o agir humano ético e a dimensão da alteridade.
• Refletir sobre os aspectos transcendentais na relação com os outros.
• Proporcionar experiências que levem à reflexão sobre a própria espiritualidade.
3. A Ciência da Religião como matriz
A religião, segundo PASSOS (2007) não é um assunto somente das pessoas que creem ou que participam de alguma instituição confessional, pois ela é um fato antropológico e social que está na vida dos cidadãos de diversas maneiras. Portanto, o estudo da religião é fundamental e indispensável, e o seu ensino nas escolas, para que os estudantes entendam o seu valor teórico, político e pedagógico na formação de cidadania e humanização dos indivíduos, é muito importante. A questão não é “do direito ou não à religiosidade, mas do direito à educação de qualidade que prepare o cidadão para visões e opções conscientes e críticas em seus tempos e espaços” (PASSOS, 2007, p. 77).
Então, propor a Ciência da Religião como matriz, epistemológica e pedagógica, pertinente ao Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz, é dar luz a uma educação para a cidadania plena, e falar
da importância humana dessa abordagem: como dimensão do ser humano, filosoficamente compreendido como aberto ao transcendente, e também do ser humano na qualidade de sujeito culturalmente situado dentro de referências religiosas, informado de múltiplas maneiras sobre elas e, muitas vezes, agindo deliberadamente a partir delas. Não se trata de buscar, prioritariamente, um fundamento último para a ação pedagógica que, em última instância, pretende formar o educando dentro de determinados valores, mas de introduzir no universo dos objetos abordados na escola a religiosidade e a religião e, até mesmo, as explicitações de fé. (...) O conhecimento da religiosidade e da religião faz parte do processo educacional, assim como o conhecimento da matemática, da história, da política etc.
O estudo da religião se torna uma via indispensável na tarefa urgente de educar para a convivência universal, e mais, para a sobrevivência humana e ecológica em tempos de crise planetária.
(PASSOS, 2007, p. 76, 125).
Dessa maneira, o Colégio, decidido a mudar o seu Ensino Religioso, se firmou em seus ideais e em sua filosofia, ou seja, em sua identidade, e escreveu o seu Documento, argumentando sobre a importância de se olhar para o contexto plural de sua comunidade e para a sociedade multicultural a sua volta.
Além de, para isso, pensou, refletiu e escolheu objetivos, práticas e conteúdos que estivessem de acordo com essa realidade.
E a preocupação para que a Ciência da Religião estivesse presente nas aulas de Ensino Religioso, vem da pertinência do uso constante de suas sub-
disciplinas, como a Sociologia, a Antropologia, a História e a Psicologia. Pois, dessa maneira, é possível falar de Religião em termos de formação da sociedade, de valores, de ética, de respeito etc, e principalmente, sobre a formação básica do aluno-cidadão, pela formação integral indivíduo.
O olhar que lançamos sobre o fenômeno religioso não é confessional nem pertence a esta ou àquela “teologia”;; sua base epistemológica é a Ciência da Religião. Essa abordagem possibilita a análise diacrônica e sincrônica do fenômeno religioso, a saber, o aprofundamento das questões de fundo da experiência e das expressões religiosas, a exposição panorâmica das tradições religiosas e as suas correlações socioculturais. Trata-se, portanto, de um enfoque multifacetado que busca luz na História, na Sociologia, na Antropologia e na Psicologia da Religião, contemplando, ao mesmo tempo, o olhar da Educação. Além de fornecer a perspectiva, a área de conhecimento da Ciência da Religião favorece as práticas do respeito, do diálogo e do ecumenismo entre as religiões. Contribui, desse modo, com uma educação para a cidadania, que, mesmo sem ser anticonfessional, transcende esses compartimentos para poder incidir na formação integral do ser humano. (SOARES, 2010, p. 11)
A área específica da Ciência da Religião Aplicada dá suporte a todas as práticas e atividades desenvolvidas pelo Ensino Religioso do Colégio porque vai de encontro com a sua filosofia fundante, com sua filosofia humanista e pluralista, que trabalha com a diversidade, com o “outro”, no sentido de vivenciar e promover uma sociedade mais pacífica, sustentável e justa.
Dessa forma, tanto o Ensino Fundamental 1 quanto o Ensino Fundamental 2 definiram alguns objetivos comuns: o formativo, que leva em conta as dimensões espiritual, filosófica, psíquica e relacional, das questões do dia a dia, das mudanças físicas, da existência;; e o informativo, que apresenta as diversas religiões e suas práticas e tradições, temas de outras disciplinas e conteúdos transversais das séries - de forma gradativa e em espiral no EF1.
Fazendo com que o Ensino Religioso seja parceiro de várias áreas do conhecimento, e um espaço privilegiado de reflexão e discussão sobre diversas questões. Marcando a presença da Ciência da Religião na combinação de disciplinas adjacentes existente nessas aulas, em que o aluno não precisa desmembrar os assuntos, eles podem ser vistos e estudados de maneira holística.
Uma “autonomia localizada no âmbito da comunidade científica, dos sistemas de ensino e da própria escola”. Mas qual é o
diferencial prático, em sala de aula, que pode oferecer um ensino baseado na Ciência da Religião?
Conforme explica o professor Peter Antes, catedrático dessa disciplina na Universidade de Hannover, na Alemanha:
A contribuição da Ciência da Religião consiste em possibilitar [ao aluno] comparações contrastantes entre sistemas de referência.
Aprende-se que nenhum ser humano que tem sua língua, seus pensamentos e seus valores pode viver sem um sistema de referência.
Aprende-se também que nenhum sistema de referência pode ou deve reclamar para si validade absoluta. Com isso, desmascara-se qualquer forma de eurocentrismo como ilusão perigosa.
Onde o autor diz eurocentrismo, leia-se, entre nós,
“catolicocentrismo”, “evangelicocentrismo” e até, se quisermos,
“ateísmocentrismo”. O importante, aqui, é que, “enquanto teólogos [cristãos] estudam apenas a fé cristã, é tarefa dos cientistas da religião descrever, analisar e investigar as religiões universais e populares, as religiões proféticas e místicas, as religiões crescidas e fundadas no mundo inteiro”. (SOARES, 2010, 124, 125)
Em relação aos eixos programáticos, os dois cursos diferem um pouco. O EF1, traz os mesmos eixos em todas as séries (valores, alteridade, meio ambiente, espiritualidade e religiosidade), além da introdução de algumas religiões, de forma que, depois, seja possível um aprofundamento, de acordo com o amadurecimento dos alunos nas séries seguintes. Mas, formando bases nos alunos, para que possam sempre olhar as diversidades de forma positiva e compreender os diversos fenômenos religiosos e transcendentais como naturais da vida humana. E, uma escolha de cada um.
O EF2, apresenta os seus eixos divididos e mais estabelecidos por série (tradições religiosas, filosófico, valores, vivencial), pois dessa forma, conseguem um aprofundamento nas diversas religiões e, paralelamente, trabalham as questões filosóficas, de valores e vivenciais de cada uma delas e as dos próprios alunos;; assim, mais uma vez, trazem para a sala de aula as investigações empíricas realizadas por cientistas da religião para que possam refletir e discutir
sobre elas, sobre os fenômenos religiosos, e como podem ser relacionados com o mundo a sua volta.
Portanto, a Ciência da Religião se faz presente e vem colaborar para deixar cada vez mais claro que nesse planejamento por eixos programáticos, em que se olha para as religiões e para as crenças individuais de forma crescente na aquisição de conhecimentos e reflexão, é essencial fazer a distinção entre fé antropológica e religião ou fé religiosa.
A fé antropológica está no plano dos valores, da significação e, como tal, é uma dimensão universal. Todos nós temos fé (antropológica) em alguns valores que, para nós, são absolutos (justiça, amor, solidariedade etc). Quando a pomos em prática, tal fé pode ser vivida de forma religiosa (Cristianismo, Islamismo, Budismo etc) ou não (um ateu que luta por uma sociedade mais justa, por exemplo).
Quando dizemos fé (antropológica ou religiosa), falamos de adesão a um conjunto de valores que são ideais de vida, sonhos de humanidade, utopias, projetos inspirados em algum acervo mítico-
cultural. A prática, porém, sempre guarda uma distância daquilo que nossa imaginação plasmou como ideal. E nenhuma religião ou escola filosófica detém exclusividade nesse quesito. Essa distinção entre fé (nossos valores) e as obras (nossas concretizações) precisa estar sempre em pauta para evitarmos um mecanismo perverso que costuma azedar as relações entre grupos distintos, religiões diferentes, partidos adversários.
O caminho mais fácil é julgar as práticas da religião de outrem à luz dos belos valores de minha própria visão de mundo. Assim, o outro sempre estará em desvantagem, pois é julgado pelo que consegue pôr em prática e não pelos valores/ideais autênticos de sua própria fé.
(SOARES, 2010, p. 129, 130)
O Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz agrega em si o modelo da Ciência da Religião, em suas diretrizes e práticas, conteúdos e organização. E, ainda aberto para revisões, ajustes, como a própria área a que pertence, a Ciência da Religião Aplicada, ainda em construção.
Cada ano tem um tema específico principal e assuntos relacionados. No Ensino Fundamental 1 apresenta-se também, divididos nos quatro anos, conteúdos sobre a Congregação de Santa Cruz, sua história, seus padres, seus colégios e suas missões.
Os eixos programáticos são diferentes nos dois segmentos:
• EF1:
1. Valores: paz, respeito, gentileza, diversidade, gratidão, amizade, amor, união, justiça.
2. Alteridade: relação com o outro, exercício de autoconhecimento, diálogo e escuta.
3. Meio Ambiente: dimensão ecológica integral e o "nosso" ambiente, o particular.
4. Espiritualidade e Religiosidade: expressões simbólicas e rituais de diversas religiões, festas da comunidade escolar.
• EF2:
1. Tradições religiosas: estudo das manifestações em sua origem histórica, expressão cultural e espiritual.
2. Filosofia: formulação de questionamentos existenciais, transcendência, o fenômeno religioso.
3. Valores: diálogo, escuta, debate e expressão de ideias, moral e ética.
4. Vivencial: compromisso social e participação política.
E os temas principais de cada ano, que estão em seus planejamentos anuais, são:
• 2o ano: Introdução à disciplina de Ensino Religioso.
• 3o ano: Explorações iniciais da dimensão religiosa.
• 4o ano: Manifestações religiosas em diferentes culturas.
• 5o ano: Diversidade e cultura de paz, tradições culturais e religiosas, ecologia integral.
• 6o ano: Comportamento do homem em relação a seus questionamentos existenciais desde a Pré-História.
• 7o ano: Conceitos e vivências.
• 8o ano: Liberdade e Religião. O Homem e a Liberdade: conceito em construção.
• 9o ano: Religião no mundo contemporâneo.
4. Um confronto representativo
Os eixos programáticos e os temas principais do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz aparecem em sintonia com o projeto da Coleção “TEMAS DO Ensino Religioso”, da Editora Paulinas, que é dividida em quatro temas centrais: “Pressupostos do Ensino Religioso”, “Questões Fundamentais”,
“Tradições Religiosas” e “Temas Contemporâneos”, e contém 23 livros distribuídos entre eles.
A seção “Pressupostos” trata das questões de fundo, ou seja, definições, teorias, paradigmas e sujeitos envolvidos no fenômeno religioso, a seção
“Questões Fundamentais” traz os elementos constitutivos das tradições religiosas, a seção “Tradições Religiosas” apresenta as matrizes e instituições predominantes no campo religioso brasileiro e mundial e a seção “Temas Contemporâneos” mostra alguns processos que dinamizam as religiões.
Esta Coleção foi criada precisamente com o objetivo de fornecer uma base teórico-metodológica para a formação de docentes de Ensino Religioso a partir da matriz da Ciência da Religião. Os temas que estruturam a Coleção recobrem as áreas que constituem a Ciência da Religião (cf. “Compêndio de Ciência da Religião”, João Décio Passos & Frank Usarski (organizadores),