Capítulo II. O Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz: aspectos históricos
1. O Ensino Religioso no Brasil e no Colégio Santa Cruz
1.1. Os Modelos de Ensino Religioso: na Constituição, em
Como mostrado no item 1 desse Capítulo, o Ensino Religioso está há muito tempo sendo tema de estudos, controvérsias, “brigas” políticas entre Estado, Igreja e Academia. Nas Leis pode-se ver que o Ensino Religioso passou por vários modelos, cronologicamente: o Confessional, o Inter-Relacional (Interconfessional, Inter-Religioso) e o Fenomenológico, que é o atual modelo constitucional.
PASSOS (2007), diz que a questão do Ensino Religioso é ampla e complexa, de natureza política, cultural, eclesial e teórica. Por isso a necessidade de colocá-lo num campo de natureza epistemológica, para assim detectar e sistematizar seus métodos e conteúdos no decorrer da história. E assim, ser possível validar a hipótese de três Modelos de Ensino Religioso, o Catequético, o Teológico e o da Ciência da Religião.
Mas, seguindo pela “estratégia weberiana” dos tipos ideais, o recurso tipológico tem suas possibilidades e seus limites, ou seja, são modelos e não realidades puras. Por isso, a construção desses modelos como esquemas são importantes para fornecerem a visão e análise da prática.
A práxis do Ensino Religioso apresenta pressupostos, conteúdos, métodos, sujeitos, legislações e estratégias políticas no decorrer da história, que compõem os seus fundamentos, “concepções que garantem sua justificativa no âmbito da comunidade escolar e dentro dos sistemas de ensino”, constata PASSOS (2007, p. 53).
A seguir, a descrição de seus modelos:
1) O Modelo Catequético
Esse modelo de Ensino Religioso está presente nas escolas há muito tempo - é o mais antigo. É a educação da fé, ou seja, ensina as doutrinas e
dogmas de uma religião específica. Usado até como estratégia proselitista que levava sua catequese para fora do âmbito da comunidade religiosa.
E depois, essa catequese é levada para dentro das escolas públicas e confessionais, como base para o Ensino Religioso. Apesar de ser facultativa, estava ligada às instituições religiosas que, inclusive, podiam indicar os
“professores” e os conteúdos a serem ministrados.
O Ensino Religioso, nesse modelo, tem uma visão unirreligiosa, por mais que fale em princípios humanistas. Portanto, tendo como risco a construção da intolerância religiosa.
2) O Modelo Teológico
Nesse modelo, vê-se o termo teológico, que carrega em si uma área de conhecimento e tenta mostrar um Ensino Religioso que vai além da confessionalidade estrita, “na busca de uma justificativa mais universal para a religião, enquanto dimensão do ser humano e como um valor a ser educado”
(PASSOS, 2007, p. 60).
A justificativa teológica é apoiada por uma cosmovisão religiosa moderna, ou seja, tem referências teóricas e metodológicas, mantém diálogo com as diversas confissões religiosas, e, propõe discussões sobre religião com outras disciplinas, além de promover o respeito e a conversa entre religiões diferentes numa proposta ecumênica.
Seu valor é sustentado por uma visão transcendente do ser humano, e traz como base a sua formação integral. Mostrando que a religiosidade pode ser ensinada, como formação espiritual, de acordo com a educação religiosa dos alunos, ou seja, com uma visão multirreligiosa e de respeito às diversidades.
Esse tipo de Ensino Religioso apresenta-se como uma disciplina que é um direito do cidadão, distinta da catequese e com fundamentos antropológicos e teológicos em sua ação pedagógica. Mas com uma dinâmica de transcendência, que inclui a dimensão religiosa do ser humano, o sujeito ético e de “uma abertura para o Ser Supremo” (PASSOS, 2007, p. 62), - o que pode configurar, em alguns casos, uma catequização disfarçada, por (normalmente)
estar ligada a uma determinada confissão religiosa. Além de trazer o conhecimento, a crença, em um “deus”.
3) O Modelo da Ciência da Religião
Esse modelo, cronologicamente o mais recente, vem para romper com os outros dois modelos e garantir sua autonomia epistemológica e pedagógica (PASSOS, 2007), apresentando-se como o modelo ideal e propondo uma área de conhecimento do Ensino Religioso. E, assim, reconhecer a religiosidade e a religião como dados antropológicos e socioculturais, além de deixar claro que o conhecimento da religião faz parte da educação como um todo e tem que compor os currículos escolares.
A Ciência da Religião traz a base teórica e metodológica para essa disciplina. Mostra que a religião é um dado histórico-cultural da sociedade e dos cidadãos que dela fazem parte. E, portanto, transcende às religiões com uma visão mais aberta às diversidades ao mesmo tempo que procura estudar os fenômenos religiosos em si, no seu particular, mas num modus operandi científico. Em que seu observador consegue “sair” de cena para olhar de “fora”
e, garantir que todos os aspectos sejam “lidos”, registrados e analisados.
Inclusive as não crenças, ateísmos e agnosticismos.
Se forem comparados os modelos apresentados por PASSOS (2007) com os sugeridos pelas Leis, a meu ver, o Catequético estaria para o Confessional, o Inter-Religioso para o Teológico, assim como o Fenomenológico para o da Ciência da Religião, apesar dos indicados pela Federação, em suas Leis, não estarem baseados em nenhuma teoria, linha de pesquisa ou estudo.
Como, principalmente, o da Ciência da Religião, que se remete a essa área de conhecimento para mostrar que o Ensino Religioso precisa ter uma base teórica, uma epistemologia, para ser construída sua própria área de conhecimento, e, assim, ganhar seu status de disciplina curricular, como todas as outras - e sem ser facultativa.
2. Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz: linhas básicas
Os padres canadenses traziam consigo um ar de liberdade, de um novo estilo de educação e de vivência religiosa. E, exatamente por isso, foram aceitos rapidamente pela sociedade de São Paulo e requisitados por serem menos rígidos e menos tradicionais.
Em uma entrevista, Padre Corbeil dissse:
Em primeiro lugar devo dizer que sou das Américas, não sou da Europa. Quando eu cheguei ao Brasil, não tinha 30 anos de idade, eu cheguei aqui e vi que o clero daqui era de uma formação europeia, romano, batina em cima de batina e usavam o beijar-mão, benção, padre e santinho e tudo. Então eu senti que o clero era muito separado do povo, talvez eu esteja errado no que estou falando, mas senti isso.
Agora, não fui educado assim, fui educado em um colégio católico de padres, padres de Santa Cruz, que jogavam hóquei conosco, jogavam beisebol, eram nossos amigos. A gente tinha uma liberdade com eles muito grande. Quando nós chegamos aqui, a gente sentiu imediatamente uma afinidade muito grande com este povo latino.
Sentíamos que o povo daqui é muito parecido com o meu povo do Canadá francês, que é latino. (HADDAD, 1982, p. 65)
Pois, como vimos no Capítulo I, a Revolução Francesa acabou por separar em dois grupos os sacerdotes católicos, os que se entregaram à constituição do clero, “perderam” sua vivência evangelizadora e ficaram longe do povo e, aqueles que não se entregaram, morreram e viveram clandestinamente sua vocação, perto do povo. Assim, a visão que se tem dessa
“formação europeia” é mais distante, mais “seca”, com mais separação entre as pessoas (comuns) e os sacerdotes.
Assim, chegaram para modificar e “modernizar” uma educação que não existia nem nas escolas públicas, nem nos colégios católicos tradicionais, mas sem deixar de lado, é claro, a mensagem cristã e os valores que vêm dela.