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Uma ciência, representa uma outra maneira de «ler» o real, diferente da do senso comum Implica um outro código de leitura:

implica, portanto, a construção de outros «objectos», que não nos

servem para «ler» o real do dia-a-dia.

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A. Sedas Nunes

NUNES, Adérito Sedas, Questões Preliminares sobre as Ciências Sociais, Editorial Presença, Lisboa, 1991, p. 35.

Capítulo 4

Metodologia

A observação de um determinado fenómeno da realidade social tem como objectivo explicito pôr à prova afirmações e interpretações provisoriamente aceites sobre a sua configuração e funcionamento. O desenvolvimento de procedimentos padronizados de recolha de informação sobre o real (como é o caso da técnica da entrevista e da análise de conteúdo) contribuiu, para que o processo da observação sociológica em sentido amplo se torne num trabalho científico dotado de maior objectividade e precisão possível. Assim, procurou-se dar prioridade a um conjunto de métodos e técnicas, que de forma articulada procuram enriquecer toda a investigação.

4.1 As hipóteses

Após a definição dos objectivos, anteriormente já identificados, construiu-se um conjunto de hipóteses há luz das quais analisamos os textos. Pretende-se testar uma metodologia de análise das mensagens dos textos de natureza jornalística sobre o fenómeno social «drogas» veiculadas pela imprensa escrita

nacional.

As hipóteses são as seguintes:

1 - Os jornais diários e semanários produzem e difundem, através das suas representações e símbolos, uma imagem do objecto social «droga», que é no fundo a imagem do universo cultural e simbólico do sistema social;

2 - Existe hoje uma nova preocupação social por parte dos profissionais da imprensa escrita nacional, em produzir verdadeiras campanhas informativas sobre a toxicodependência, ao invés da prática passada, embora algumas vezes ainda recorrente, em determinados jornais, em que prevaleciam as campanhas do medo e da insegurança. Denota-se, por conseguinte, uma evolução nas abordagens jornalísticas acerca do fenómeno;

3 - A reacção social ao fenómeno «droga» e a criação de uma imagem do toxicodependente, apresenta diferentes sentimentos, consoante os grupos e as camadas sociais de pertença dos toxicodependentes;

4 - 0 toxicodependente apenas se distingue do homem normal devido à rotulação que recebe de toxicómano pelas instâncias formais de controlo;

5 - A forma de abordagem das drogas na imprensa escrita, é segundo a opinião dos toxicodependentes, objectiva e clara, embora muitas vezes dependente da "formação" do jornalista que escreve a notícia e do jornal que a publica;

6 - 0 toxicodependente acredita que uma nova prática legislativa, em matéria de «drogas», é um meio necessário para que se adoptem novas visões do "mundo das toxicodependências".

4.2. Questões de Método

Neste estudo optou-se por pôr em prática um conjunto de técnicas qualitativas que são particularmente justificadas nesta conjuntura social e científica como os meios mais adequados, embora não exclusivos, ao estudo da produção e circulação de sentido, em geral quando estão em estudo problemas, como o fenómeno da «droga».

O problema geral das metodologias qualitativas, num grau que não tem comparação nas metodologias qualitativas, é o que deve o investigador resolver a propósito da "compreensão" dos fenómenos em estudo.

Ao optar por uma metodologia qualitativa, o investigador passa a estar atento a acção social, a qual "abrange o comportamento físico e ainda os significados que lhe atribuem o actor e aqueles que interagem com ele". De acordo, com este paradigma o investigador terá em conta, sobretudo, a "acção- significado", o que é uma mais valia, porque no caso da análise da toxicodependência sob o prisma da imprensa escrita, importa ter em consideração as práticas, mas também, o significado que os indivíduos, situados neste mundo da droga, atribuem a essas análises construídas.

A conotação qualitativa da pesquisa encontra-se ligada, sobretudo, à exigência de compreender os significados efectivamente vividos e os conteúdos comunicados: neste caso, embora a partir da constatação da relativa frequência de um comportamento, trata-se de o interpretar e avaliar com base na intencionalidade dos actores sociais e nas influências a que estão

submetidos, individualizando os processos particulares que, relativamente a valores, modelos ou regras, contribuem na situação específica, para a construção de uma determinada realidade social. Reconhece-se desta forma que nem se faz uma análise puramente quantitativa, nem se faz uma análise puramente qualitativa, visto que as interpretações de tipo «abrangente» não prescindem, na realidade, da percepção da frequência estatística dos aspectos postos em observação. Os dois tipos de análise mostram-se assim complementares.

Em conclusão, pode dizer-se que o que caracteriza a análise qualitativa é o facto da «inferência» - sempre que é realizada - ser fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem, etc), e não sobre a frequência da sua aparição, em cada comunicação individual.

O que está em causa, fundamentalmente, é um procedimento científico que pretende dar a conhecer qual a(s) realidade(s) produzida(s) e não somente difundidas, pela imprensa escrita nacional, no que respeita ao fenómeno social - droga - de uma população específica (os toxicodependentes), com base na observação de um subconjunto de casos individuais da mesma.

Assim, em termos concretos, estes procedimentos traduziram-se: em primeiro lugar, na definição de uma amostra representativa das notícias dos jornais - Notícias, Público e Expresso; em segundo lugar, e em termos de procedimentos técnicos de observação, na elaboração de uma grelha de análise de conteúdo para a recolha da informação e um guião de entrevista; por último, num conjunto de esforços de análise que privilegiaram, por um lado, a classificação sistemática dos dados obtidos, com o objectivo de determinar as uniformidades ou regularidades que apresentam, e por outro lado, o estabelecimento de relações entre esses dados, com vista ao estabelecimento de enunciados e conceitos neles baseados.

4.3 As técnicas utilizadas

As técnicas de investigação são conjuntos de procedimentos bem definidos e transmissíveis, destinados a produzir certos resultados na recolha e tratamento da informação requerida pela actividade de pesquisa. A técnica

mais adequada esta condicionada pelo objecto a construir e pelas hipóteses teóricas que comandam a pesquisa. A selecção das técnicas, o controle da sua utilização, a integração dos resultados parciais obtidos, constitui justamente a função dos métodos de pesquisa, elemento dos meios de trabalho teórico. A teoria é posterior e exterior aos «dados» e a eles subordinada. O processo de pesquisa é unitário e integrado e a teoria domina e determina o significado e a articulação dos seus diversos «momentos».

A sociologia demonstrou o efeito que um conhecimento fragmentado e ambíguo tem sobre a manutenção de estereótipos e na criação de rumores.

A distância simbólica de um facto vivido como ameaçador reforça a factura entre o "outro mundo" onde esse facto reina e o "mundo ordinário", não é por mero acaso que se instalou a expressão «mundo da droga».

As técnicas empreendidas neste trabalho de investigação são a entrevista semidirectiva e a análise de conteúdo.

A. Entrevista

A opção pela técnica da entrevista assenta na necessidade de procurar averiguar quais as percepções e imagens que estas mensagens explícitas da imprensa, têm naqueles que são de facto o objecto da história - os toxicodependentes. Procura-se o discurso na primeira pessoa, tentando de forma, clara e objectiva descrever os sentimentos positivos e negativos atribuídos por estes aquilo que sobre eles se fala. O tipo de entrevista selecionado é a entrevista semidirectiva.

A entrevista é o instrumento mais adequado para delimitar os sistemas de representações, de valores, de normas veiculadas por um indivíduo. Independentemente da própria situação de entrevista e das influências recíprocas entre os interlocutores, vemos que qualquer discurso deve ser considerado pelo que é, enquanto meio de apreender práticas, fornece uma imagem do real correspondente à percepção selectiva que o locutor tem dele. A apreensão das representações está ligada ao grau de expressão do locutor e às capacidades que o entrevistador tem para levar o interlocutor a falar, de modo, a exprimir com o máximo de exactidão o que realmente pensa.

A comunicação da entrevista é considerada como um processo de elaboração