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Diferentes representações sociais do objecto «droga» ao longo da variável tempo na imprensa escrita

parece poder dissociar-se do objectivo de compreender e, mais longínquo, do objectivo de explicar Daí que a própria descrição deva

Capítulo 6 A análise temática

6.1 Diferentes representações sociais do objecto «droga» ao longo da variável tempo na imprensa escrita

O jornal expresso, em 1999, lança um artigo que recaí sobre a vida num dos mais conhecidos "hipermercados de droga" do país, o Casal Ventoso. A autora da notícia descreve pormenorizadamente a rotina do bairro, o seu dia-a- dia, sempre numa dupla perspectiva, isto é, dos que lá residem, e a dos que por lá passam. A ideia forte da notícia consiste em denunciar e expor a realidade tal como ela se apresenta a quem por lá passa. Este é um tipo de notícia que parece satisfazer os curiosos e alimentar a imaginação dos mais susceptíveis. Faz-se uso de inúmeros fotografias, reveladoras da realidade chocante que é a vida de um dependente de uma grama de Heroína. Observa- se a «droga» e a miséria humana, tudo num só capítulo de uma notícia.

Através do recurso a um informante privilegiado - ex-traficante local, obtêm-se trajectórias de vida de um espaço social, ao longo dos anos. Os protótipos recriados tentam dar imagens do que seria o passado e o como efectivamente hoje é o local. Aplica-se uma série de variáveis na construção

desta realidade, tais como: a criminalidade, a violência, a delinquência, o trabalho infantil e o disfuncionamento familiar.

Verificamos no desenrolar da notícia, que as vivências no Casal Ventoso, alteraram-se a partir da primeira metade dos anos 80, altura em que na opinião do entrevistado se terá dado uma alteração profunda dos "códigos de conduta" praticados até então.

Questões como a qualidade e pureza do produto estupefaciente, da sucessivas investidas das forças policiais ao Casal, (que eram continuamente enganados), da própria corrupção policial que já na época se verificava, da insegurança crescente como resultado do número de pessoas de fora que começavam a ficar pelo bairro, das técnicas e instrumentos postos em prática para detectar pessoas estranhas no bairro, são identificadas e descritas.

Os valores que parecem ser regra na sociedade actual são também objecto de realce, o valor "dinheiro", aparece como a solução mais fácil e a única que verdadeiramente importa. Por fim, justifica-se a razão pela qual o bairro não deixa de ser o que é, um "supermercado", que dá resposta a quem necessita de alimentar o vício.

A notícia do ano de 2001, destaca o assunto mais quente desse ano, a Nova Legislação sobre a droga. Foca-se a descriminalização do consumo de drogas, que passou a constituir em Portugal, um acto de mera ordenação social. O destaque dado a esta notícia é elevado, chegando a ser capa da revista Vidas / Expresso.

Logo nos primeiros parágrafos, destacam-se os principais assuntos em discussão em matéria de drogas, quer ao nível nacional quer ao nível internacional. Faz-se a distinção entre aquilo que é denominado de políticas repressivas de combate às drogas e as políticas liberais. Lança-se o debate público em torno de questões como; a prescrição médica da heroína, da distribuição das seringas nas prisões, da criação das "salas de chuto assistidas", da generalização do uso da Metadona.

No ante-penúltimo parágrafo, descrevem-se as "salas de chuto", entregando às Câmaras Municipais, a responsabilidade da criação das mesmas, uma vez que apenas estas poderão solicitar a sua abertura.

No último parágrafo, faz-se um comentário/ síntese, do trabalho desenvolvido nesta área, ou seja, destaca-se a sua descentralização, o reconhecimento da diversidade como forma de atender às especificidades de uma política que se quer global.

No artigo referente ao ano de 2002, abordam-se os novos tipos de consumos, desenvolvendo um trabalho de prevenção. A falta de informação no que toca ao consumo das drogas sintéticas é alarmante não só em Portugal como também no mundo, constituindo por isso, este artigo um bom documento de prevenção em matéria de toxicodependências. No primeiro parágrafo, relaciona-se o consumo deste tipo de droga, as "pastilhas", a uma cultura juvenil muito específica. A grande questão e a que mais importância se dá em

relação a este tipo de drogas, é que se tratam de drogas químicas, feitas em laboratório, e portanto muito difícil de conhecer a sua composição e efeitos. O facto de já se terem registado mortes, a notícia faz referência a «dois jovens mortos na Holanda», conduziu a que «aquele governo, opta-se por permitir testes de controlo de qualidade dentro dos recintos onde estas festas têm lugar». No 2.° e 3.° parágrafo, aborda-se os efeitos da substância no corpo humano. O facto de se suspeitar que esta é uma droga de recriação / diversão, dificulta ainda mais a luta contra o tráfico. Nos parágrafos seguintes, volta-se a referir que é necessário tomar medidas, por parte das forças políticas, que tentam controlar a difusão deste consumo de ecstasy. O último parágrafo, foca a falta de informação como estando na base de possíveis riscos de vida. Avisa- se o público / leitor de que este é um tipo de droga que não deve ser ingerido com álcool, podendo e devendo unicamente consumir água se o fizer.

Em relação ao jornal Público, no ano de 1999, fazia-se recorrência de artigos sobre «droga», num contexto global, noticias mais de cariz internacional que propriamente nacional ou mesmo local. A notícia seleccionada retracta uma visita do presidente do E.U.A à Colômbia, e tenta transmitir a mensagem de que estes dois países se uniram para combater o que afirmam ser os "barões da droga", os narcotraficantes. Os parágrafos seguintes, reforçam a mensagem inicial, o presidente dos E.U.A, afirma que pretende investigar, julgar e castigar, todos os que se alimentam deste tipo de actividade.

Já no artigo, referente a ano de 2000, o assunto é local, o espaço é o Bairro São João de Deus, no Porto. O artigo surge na sequência de um estudo realizado por uma associação cristã envolvida com o bairro e os toxicodependentes, já desde 1999. O 1.° parágrafo, destaca o trabalho desenvolvido pela associação. Faz-se a caracterização social do bairro, relaciona-se o bairro com a toxicodependência, a seropositividade, a prostituição e os sem-abrigo. O 2.° e 3.° parágrafos, revelam os resultados do inquérito. No 4.° parágrafo, avaliam-se algumas conclusões do estudo, nomeadamente, a do uso da metadona e da forma como esta está a ser distribuída. O 5.° e 6.° parágrafos, faz-se referência ao estado de saúde e hábitos de consumo dos entrevistados e a sua caracterização social, bem como, os esquemas pessoais que adoptam para sobreviver. O último parágrafo, faz referência à toxicodependência no feminino, reforçando a ideia de que este grupo encontra-se em maior risco, devido ao recurso à prostituição, muitas já com sida, e maior parte das vezes não assistida.

Em 2001, o artigo seleccionado trata agora de um outro bairro conotado com o mundo das «drogas», o Bairro da Sé, no centro histórico do Porto. O primeiro parágrafo informa o leitor que as drogas voltaram ao bairro. Nos parágrafos seguintes, fazendo uso da voz e opinião dos que lá residem, questionam-se as razões de tal facto, a que estes respondem com a acusação da falta de atenção que é dado a este tipo de crime, por parte das forças policiais. O que prevalece no bairro ainda é o que se considera de "consumidor - traficante" e com a alteração legislativa, estes passaram a andar mais descontraídos. Conclui-se reafirmando a ideia de que o tráfico não aumentou, apenas se tornou mais evidente, «feito às claras».

No ano de 2002, o público publicou uma notícia sobre legislação internacional, que afirma que Portugal terá violado o tratado da ONU, ao descriminalizar o consumo de drogas. Trata-se de um pequeno artigo, com uma reduzida informação objectiva, o que não permite aos leitores conhecer os fundamentos de tal acusação. No primeiro parágrafo, surge-nos a opinião da OICE (Organização Internacional de Controlo de Estupefacientes), que a Nova Política da Droga Portuguesa representava um retrocesso. Fundamentam este ideia no facto de que se verifica uma violação da convenção contra o tráfico

ilícito de substâncias psicotrópicas, instaurado em 1988. De seguida, alertam as autoridades portuguesas que Portugal está cada vez mais a ser a porta de entrada de estupefacientes. E com esta ideia termina o artigo.

A realidade é que Portugal com esta medida política foi inovador em termos legislativos/ jurídicos, estando a ser observado por todos os restantes países da União Europeia, pois deseja-se avançar para uma nova forma de tratamento desta matéria que não fique para sempre dependente da matéria criminal / judicial. Esta ideia é reforçada num artigo de opinião na parte inferior esquerda da página, da autoria de Amílcar Correia (editor), que sublinha o facto de Portugal há semelhança dos quinze países membros, estar a seguir uma política comum, mais dirigida à despenalização ou descriminalização, menos repressiva e mais empenhada na prevenção ou na redução de riscos e consagrada no Conselho Europeu de Helsínquia.

Por último, no que respeita ao jornal de Notícias, no ano de 1999, publicou um artigo que denuncia uma situação arrepiante, dado que consiste em destacar um espaço físico (antiga fábrica em Campanhã, no Porto) sem condições mínimas de habitabilidade como albergue de 70 pessoas, maioria toxicodependentes e prostitutas. No primeiro parágrafo, alertam-se os leitores mais susceptíveis de que se vai contar uma história real, onde a aparente harmonia é arrepiante, «as seringas e o lixo quase não permitem ver o chão». A força policial que por várias vezes passa no local, não os aborda nem se parece incomodar com o que vê. Os toxicodependentes referem que existe uma relação de favores entre a PSP e eles. Nos parágrafos seguintes, a jornalista descreve o que vê, como são as pessoas que vai observando no interior da fábrica, o que parece fazer delas um grupo, o que as une ali naquele local tão imundo. No último parágrafo, a jornalista aborda e entrevista um toxicodependente, na tentativa de encontrar respostas que justifiquem de alguma maneira aquela forma de vida. Fica-se com a ideia de que faltam mais repostas sociais no que toca ao tratamento deste problema social, nomeadamente, de apoio médico-sanitário.

Em 2000, o JN faz novamente, a denúncia de espaços abandonados como poisos / dormitórios de toxicodependentes de rua, agora o local é Coimbra, e reporta-se a prédios abandonados da cidade. A jornalista visita e conhece

estes espaços procedendo à sua caracterização. Conclui que se tratam de espaços onde se compra, vende e chuta/ consome. Correm-se vários locais já identificados como sendo a casa de muitos toxicodependentes. No último parágrafo, reforça-se a insegurança e a marginalidade a que estes locais vão sendo associados.

A notícia seleccionada do ano de 2001, aborda um dos assuntos mais frequentes por parte deste jornal diário, a notícia de cariz factual, onde o tema é o julgamento de mais uma "família traficante". Tratava-se de uma família de empresários, que utilizavam a fábrica para esconder / encobrir o tráfico, que faziam do "pó" a sua principal actividade. Reforça-se a ideia de combate, a "PJ andava já há muito tempo a investigar". A busca domiciliária, foi o meio utilizado para arranjar as provas necessárias para culpar os traficantes. Reforçam-se os objectos apreendidos como a droga, dinheiro e viaturas de alta cilindrada.

A notícia do ano de 2002, aborda a temática da prevenção. Observa-se o modo como os mais novos, os nossos jovens, fazem uso de toda a informação, actualmente disponível na internet. Avisam-se as famílias de que é possível, através de alguns sites produzir artesanalmente certas drogas, ou como se recorre às farmácias on-line para encomendar determinadas substâncias estupefacientes. O último parágrafo aproveita para lançar um alerta para este tipo de negócio na internet, e da necessidade de criar um quadro prático de cooperação internacional para evitar que a internet se transforme numa rede de tráfico de estupefacientes.

Em jeito de conclusão, pode-se concluir que todos os artigos tematizados têm bases comuns, embora a linguagem e o próprio estilo de abordagem das questões os distancie entre si. Não parecem existir temas dados como certos em matéria de droga, contudo, o seu mundo fechado e obscuro conduz a que uma imprensa diária o exponha de uma maneira mais amplificada e algumas vezes mais recheada de sinónimos, do que uma imprensa que por ser semanal, escapa ou tende a fugir à vulgaridade e a reforçar políticas mais de âmbito social do fenómeno.

Desta forma, os três jornais constróem realidades distintas sobre um assunto que é comum. Quando se afirma que estes jornais constróem uma

realidade, pretende-se constatar que perante indicadores semelhantes, a tematização e os valores/ notícia subjacentes aos critérios jornalísticos, de acordo, com o estilo jornalístico adoptado e com a política editorial que os suporta, são diferentes. O Expresso tende a tematizar de forma exaustiva, a vida pessoal dos que já viveram os problemas da "droga" e souberam recomeçar de novo, as novidades em termos de substâncias no mercado mundial, as rotas do mercado de drogas e a nova Lei da Droga. O JN, por sua vez, dimensiona-se essencialmente, nas questões do tráfico, dos delitos, das penas e dos julgamentos. O jornal Público aponta para uma abordagem multifacetada do fenómeno, procurando ser plural nesta matéria.

6.2 As representações sociais da «droga» segundo os