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Capítulo III. Eventos profissionais

III 2.6 Tendências futuras na área dos eventos

III. 3 Gestão de eventos profissionais

III. 3.1 Ciclo de vida dos eventos

Para se compreender a importância da gestão nos eventos profissionais é, antes de mais, necessário compreender o ciclo de vida do evento. O conceito de ciclo de vida advém da característica de limite temporal dos eventos, ou seja, estes nascem, crescem e morrem (Tum, Norton e Wright, 2006; O’Toole, 2015).

Nem todos os autores aplicam este conceito de ciclo de vida do evento da mesma forma. Holmes e Ali-Knight (2017) aplicam esta perspetiva, numa adaptação da visão de Butler (1980) ao ciclo de vida de destinos turísticos (Tourism Area Life Cycle – TALC), como se pode observar no exemplo apresentado na Figura 15. Esta visão pressupõe, assim, que o ciclo de vida do evento se pode aplicar apenas a eventos regulares ou esporádicos (Holmes e Ali-Knight, 2017), dado que não é possível aplicar a eventos de oportunidade, ou seja, que acontecem apenas uma vez, e não se prolongam no tempo (Holmes e Ali-Knight, 2017).

Figura 15 – Traditional event life cycle and the destination (Holmes e Ali-Knight, 2017, p. 990)

Por outro lado, o conceito de ciclo de vida do evento pode ser aplicado na lógica do processo de criação, planeamento, implementação e avaliação do evento, como Getz (2005) adapta ao ciclo de vida de um programa de eventos, ou, como se apresenta no exemplo da Figura 16, na página seguinte, em que se relaciona o evento com a sua importância para o desenvolvimento do destino turístico, a longo prazo (Kaspar, 2014), e no exemplo da Figura 17, também na página seguinte, aplicado a eventos de anfitrião único.

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Kaspar (2014) identifica 12 passos agrupados em quatro categorias, embora reconheça que este modelo tem o seu foco nos eventos móveis e, especialmente, mega eventos.

Figura 16 – The event life cycle (Kaspar, 2014, p. 252)

Tendo em atenção a especificidade dos eventos de anfitrião único, onde se inserem os eventos profissionais que enquadramos na presente Tese, há que ter em atenção os diferentes momentos na lógica da interação entre os vários intervenientes no processo, os quais são muito específicos por se tratar de eventos em que há um cliente que paga a totalidade ou quase totalidade do evento.

Figura 17 – Ciclo de vida de eventos de anfitrião único (produção da autora)

79 A título de interpretação da Figura 17, e para situar a presente investigação, nomeadamente os momentos em que há interação entre os diferentes intervenientes tendo como referência os touchpoints do design de serviços e experiências (Sangiorgi e Junginger, 2015; Lim e Kim, 2018; Orefice, 2018; Yu e Sangiorgi, 2018), embora aqui aplicados ao fenómeno em estudo, começamos pelo momento em que um potencial cliente contacta uma empresa de organização de eventos, solicitando uma proposta (Getz, 2005), no qual acontece a primeira interação entre cliente e quem vai gerir o evento ou, em alguns casos, com quem trata da área comercial da empresa. A partir deste ponto, que despoleta o processo, há que realizar, por parte de quem pretende prestar o serviço, uma análise-diagnóstico, de forma a que se apresente uma proposta o mais personalizada possível (Raj, Walters e Rashid, 2009). Esta análise-diagnóstico é fundamental para entender o que o potencial cliente pretende, especificamente, eventuais ideias que este tem para o evento e quais as suas exigências (O’Toole e Mikolaitis, 2002).

Assim, para compreender o contexto do pedido, é preciso realizar, em primeiro lugar, uma pesquisa aprofundada sobre o potencial cliente em termos de área de negócio, visão, missão e valores da organização, cultura organizacional, produtos que vende ou serviços que presta, histórico de eventos já realizados, e mesmo o perfil da pessoa que estabeleceu o contacto. Nesta pesquisa é também importante fazer o levantamento dos fatores que possam influenciar a realização do evento, pesquisa essa que deve ser atualizada ao longo de todo o planeamento (O’Toole e Mikolaitis, 2002; Peixoto, 2015).

Por outro lado, à exceção de eventos para os quais haja concursos públicos e o caderno de encargos detalhado esteja disponível publicamente, pode haver necessidade de confirmar com o potencial cliente os detalhes que enquadram os requisitos, expectativas ou preferências relacionadas com o evento (Tum, Norton e Wright, 2006), dado que, muitas vezes, o potencial cliente não dá informação detalhada e precisa (Berridge, 2010). Neste sentido, seja por email, telefone, videochamada ou presencialmente, é muito importante, para a apresentação de uma proposta personalizada, colocar questões ao potencial cliente (O’Toole e Mikolaitis, 2002), despoletando um novo momento de interação entre quem gere o evento e quem pretende contratar o serviço. Esta informação, da qual deixamos exemplos no Quadro 12, na página seguinte, será preciosa para que se consiga chegar ao que o cliente quer, e obter informação para, inclusive, se poder superar as suas expectativas (Berridge, 2010).

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Quadro 12 – Informação pertinente a recolher no âmbito da análise-diagnóstico de um evento anfitrião único

(adaptado a partir de: O’Toole e Mikolaitis, 2002; Peixoto, 2015)

Para determinados gestores de eventos, este é um momento em que a comunicação é essencial, sendo que os melhores resultados se baseiam no diálogo entre quem vai desenvolver o evento e o potencial cliente, de forma a que, baseado numa relação de confiança e credibilidade, se consiga compreender quais os critérios de seleção de quem vai produzir o evento (Berridge, 2010), sendo, por isso, mais um dos momentos de interação a ter em consideração no que diz respeito a questões de género.

81 Com toda a informação recolhida, vai ser possível estruturar uma proposta que se adeque ao que o potencial cliente realmente quer, e assim, personalizada ao cliente e ao evento (Allen, 2002; Raj, Walters e Rashid, 2009), priorizando as solicitações, mas, ao mesmo tempo, tendo a capacidade de apresentar alternativas mais vantajosas e criativas caso as exigências não sejam as mais adequadas (Peixoto, 2015).

Na preparação da proposta há que ter em conta aspetos como o conteúdo e a forma, já que uma proposta não deve ser apenas uma impressionante lista de equipamento técnico. Esta deve ser composta por dados concretos, apresentados de uma forma agradável (Allen, 2002). Para além de transmitir o conhecimento e experiência de quem apresenta (O’Toole e Mikolaitis, 2002), a proposta deve transparecer criatividade, inovação e o aspeto experiencial que o evento permitirá a quem nele vai participar (Allen, 2002; Berridge, 2007, 2010). Deve ainda ter a capacidade de conseguir transportar quem lê ou vê a apresentação de se ‘sentir dentro do evento’, daí que a descrição de atividades e detalhes possa ser importante (O’Toole e Mikolaitis, 2002).

Se a criatividade pode ser vista como um processo holístico para surpreender participantes e, por isso, importante para alterar ou adaptar alguma coisa no evento, ou para fazer coisas de maneira diferente, permitindo originalidade, conseguir implementar novas ideias é também fundamental nos eventos (Allen, 2002; Jackson, Morgan e Laws, 2018). Deste modo, utilizar pensamento divergente, mas também convergente, será importante para se desenvolverem eventos diferentes e fazíveis (Jackson, Morgan e Laws, 2018), bem como é importante participar noutros eventos, para se estar a par do que está a acontecer no mercado (Peixoto, 2015).

Jackson, Morgan e Laws (2018) identificam seis facetas da criatividade nos eventos: a fluência do processo criativo, relacionada com a experiência das pessoas envolvidas; a originalidade necessária à apresentação de novas soluções; a imaginação para o desenvolvimento de ideias, mas também a elaboração dessas ideias para que sejam possíveis de implementar; o contexto empresarial propício; e a complexidade característica de quem trabalha na gestão de eventos e tem de criar estrutura a partir do aparente caos, ou seja, trazer uma ordem lógica a uma situação e ter a capacidade de visualizar o que está em falta. Deste modo, entende-se a importância da criatividade nos eventos não apenas associada ao seu conteúdo, mas também ao próprio processo de produção do evento (Berridge, 2010; Jackson, Morgan e Laws, 2018). É por isso que, nos últimos anos, a gestão de eventos não se foca apenas nas questões logísticas e operacionais, considerando-se os eventos como experiências encenadas e socialmente construídas (Orefice, 2018). Neste sentido, a gestão de eventos deve integrar arte e ciência. Ciência no sentido da gestão do projeto, com todos os recursos, tarefas e prazos a

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cumprir, mas também arte, no sentido de desenvolver o projeto de forma criativa (Wagen e White, 2015), de forma a criar experiências com sentido e significado para quem participa (Jackson, Morgan e Laws, 2018). Assim, há uma tensão entre a visão artística e a sua implementação operacional (Wagen e White, 2015).

Se a criatividade é uma componente essencial, que ajuda a criar experiências memoráveis (Berridge, 2007), que permitem entender os eventos no contexto da economia de experiências (Getz, 2005; Bladen et al., 2012), é importante ter consciência de que a criatividade também tem um papel relevante no processo de captação do cliente, nomeadamente na apresentação da proposta e no fecho de contrato (O’Toole e Mikolaitis, 2002; Berridge, 2010).

Assim, para a redação ou preparação da apresentação da proposta, será importante:

- identificar quem terá o poder de decisão para adequar o discurso (Berridge, 2007) - mais racional para quem poderá dar mais atenção à questão financeira, mais emocional para quem poderá dar mais atenção ao conceito e detalhes -, mas também quem é o público que participará no evento, para que se possa adequar a quem vai viver a experiência (Allen, 2002);

- ter todo o trabalho de ideação realizado, incluindo tema, conceito, storytelling ou slogan, bem como a programação com os respetivos horários, tendo em conta a sua adequabilidade aos objetivos e aos participantes (Allen, 2002);

- ter realizado o contacto com os principais fornecedores e parceiros necessários à produção da programação que se apresenta, para que se conheça a sua disponibilidade e os custos inerentes, bem como que se possa garantir que não ultrapassa o limite orçamental indicado pelo potencial cliente (Allen, 2002; Canton, 2002; Bowdin et al., 2011; Williams, 2012); - realizar uma análise de risco do que está a ser apresentado (Allen, 2002), não só ao nível financeiro, mas também de segurança do próprio evento (Bowdin et al., 2011);

- preparar a apresentação e histórico da empresa que elabora a proposta, incluindo os eventos por ela realizados, bem como os contactos de quem vai gerir o evento (Allen, 2002); - definir as condições de pagamento, cancelamento, confirmação, entre outras especificidades relacionadas com o evento (Allen, 2002).

Deste modo, e no âmbito da investigação, para além de ter em conta o contacto com o potencial cliente, há que compreender também, nesta fase, o contacto e relacionamento com

83 os principais fornecedores, primeiro momento no processo que coloca em contacto estes intervenientes.

Em termos de apresentação da proposta, o mais comum é que esta seja enviada por email. Porém, em alguns casos haverá lugar a uma apresentação presencial, usualmente conhecida por pitch (Berridge, 2010), a qual poderá ser apenas para o cliente ou na presença da concorrência (O’Toole e Mikolaitis, 2002).

Este é um momento muito importante para os eventos de anfitrião único, dado que será a partir deste que o ónus fica no potencial cliente, ou seja, resta que o cliente decida com quem vai realizar o evento. Entretanto, no momento, ou posteriormente, pode ainda existir, o que é frequente, alguma negociação (Berridge, 2010), a qual não se resume a preços, mas pode incluir prazos e condições de pagamento, condições da prestação de serviços, inclusão de certos serviços extra, entre outros, o que leva a uma nova interação entre quem gere o evento e o potencial cliente.

É neste sentido que Allen (2002) aponta para a importância de aspetos subtis que podem influenciar o processo de decisão, como a qualidade do primeiro contacto, o tempo e qualidade de reposta, a qualidade da proposta, e a forma como a empresa está presente on- line, no sentido em que também transmite uma imagem da empresa.

Para além destes aspetos, no contexto alargado da apresentação da proposta é importante ter em conta o enquadramento psicológico que terá a interação (Berridge, 2010), a qual conduzirá à assinatura do contrato de prestação do serviço de organização do evento. Deste modo, não basta uma proposta bem preparada para ganhar um negócio. Apesar de ajudar, esta é apenas uma parte do pacote completo necessário para convencer o cliente a escolher a empresa (Allen, 2002). Uma das questões que pretendemos compreender é se o género poderá ter também alguma influência neste processo de seleção e negociação.

A partir do momento em que está garantido qual a empresa que vai organizar o evento, passa- se ao planeamento aprofundado, contratação de fornecedores e ajuste de detalhes (Raj, Walters e Rashid, 2009). É uma das fases de preparação mais importantes, no sentido em que todos os pormenores têm de ser confirmados, pois não haverá uma segunda oportunidade para que as coisas corram bem (Getz, 2005). Por isso, a construção de documentos de apoio para a monitorização da fase de produção é muito importante para que se tenha uma noção muito concreta da sequência de ações, bem como de todos os intervenientes no processo (O’Toole e Mikolaitis, 2002).

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Este planeamento, que recai cada vez mais para os detalhes, obrigará a tratar de diferentes áreas funcionais (Work Breakdown Structures – WBS) (O’Toole e Mikolaitis, 2002; Getz, 2005; Allen et al., 2011; Williams, 2012), como as apresentadas no Quadro 13, as quais envolvem, invariavelmente, recursos físicos, humanos, materiais e financeiros (Canton, 2002; Williams, 2012).

Quadro 13 – Áreas funcionais mais comuns no âmbito dos eventos profissionais (adaptado a partir de: Getz, 2005; Raj, Walters e Rashid, 2009; Peixoto, 2015)

Nesta fase do processo, para além de a relação com o cliente se manter, sobretudo no fecho de detalhes, aumenta a interação com os fornecedores, sobretudo na lógica comercial ou de gestão do produto ou serviço, nomeadamente com visitas técnicas ao espaço onde se vai realizar o evento, quer com cada fornecedor, quer com todos os fornecedores juntos, para que se possam ajustar pormenores que influenciarão os vários fornecedores envolvidos, muitas vezes realizadas em simultâneo com as reuniões de produção (Tum, Norton e Wright, 2006). Assim, nesta fase, a maior interação onde as questões de género podem influenciar a gestão do evento será tanto interna, com as pessoas da empresa envolvidas no planeamento do evento, bem como externa, com os diferentes fornecedores necessários, embora seja apenas na produção que quem gere eventos terá a oportunidade de contactar mais diretamente com os profissionais que estarão a desempenhar tarefas no terreno, os quais, como vimos pela estrutura do mercado, no subcapítulo III 2.4, vêm muitas vezes integrados nos produtos ou serviços contratados em outsourcing.

85 Atendendo às tarefas relevantes de quem gere eventos nesta fase da produção, como se pode verificar na Figura 18, a monitorização da fase de produção será muito importante para medir o progresso do projeto e identificar eventuais falhas, identificar novas tarefas e necessidades, definir prioridades à medida que o enquadramento e intervenientes se vão alterando, e, ainda, melhorar o trabalho, desenvolvendo pontos fortes da equipa que está no terreno (Raj, Walters e Rashid, 2009; Bowdin et al., 2011), o que pressupõe uma forte interação entre todos os intervenientes no processo.

Figura 18 – Tarefas a realizar no dia D por quem gere evento

(adaptado a partir de: Giacaglia, 2003; Shone e Parry, 2004; Mallen e Adams, 2008; Bowdin et al., 2011; Peixoto, 2015)

Atendendo a que a produção do evento inclui 3 momentos distintos, ou seja, montagens, implementação e desmontagens (Isidoro et al., 2013), os momentos mais significativos de interação entre quem gere o evento e o staff de produção dão-se sobretudo nas montagens e desmontagens, dado que, enquanto o evento está a decorrer, apenas é feita a monitorização de como o que estava planeado está a acontecer, havendo menos espaço a intervenções, embora também exista a possibilidade de interação pontual entre quem gere o evento, o staff de produção e o cliente.

A interação com o cliente, na fase de produção do evento, dá-se não só durante o decorrer do evento, mas também durante a montagem (Tum, Norton e Wright, 2006). Aliás, este costuma ser um momento crítico nos eventos profissionais, dado que quem estabeleceu o contacto, muitas vezes chega ao local ainda durante as montagens, para se certificar de que

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tudo o que tinha contratado está, de facto, preparado para acontecer. É importante compreender que esta pessoa de contacto também sente pressão perante o resto da organização, pois, se alguma coisa não correr bem, internamente, a responsabilidade será sua. Para além da interação entre intervenientes, também relevantes poderão ser os documentos usados para apoio à monitorização (Giacaglia, 2003; Egger e Lux, 2014; Peixoto, 2015), como, por exemplo, guiões de bordo/do evento, cronogramas, checklists, site plans, seating plans, entre outros (Lawson, 2000; O’Toole e Mikolaitis, 2002; Matias, 2007), no sentido de compreender como é que o género é entendido na comunicação escrita, nomeadamente em documentos de trabalho. Estes aspetos serão tratados, em termos de enquadramento teórico no ponto IV. 4.4, e na sua aplicação prática, na análise de dados, no capítulo VI, dado que estes documentos são, normalmente, adaptados ao evento concreto que se está a produzir, pois modelos fixos são estáticos e não conseguem aceder às contingências de cada projeto (Mallen e Adams, 2008; Williams, 2012).

Na última etapa do ciclo de vida do evento apresentado na Figura 17, ou seja, o fecho do evento, podem incluir-se todas as tarefas que permitirão terminar tudo o que envolve o evento, nomeadamente: recebimento por parte do cliente e pagamento a fornecedores (dependendo das políticas de pagamento, pode ficar, ou não, alguma parcela para pagar depois do evento ter acontecido), comunicação pós-evento, a qual pode incluir agradecimentos ou divulgação externa ou elaboração de relatórios de avaliação (Giacaglia, 2003; Raj, Walters e Rashid, 2009; Gerritsen e Olderen, 2014; Brown et al., 2015), em suma, tudo que é necessário para que não haja mais nada a tratar sobre o evento (Bowdin et al., 2011).

Tendo em conta o que pressupõe cada uma das fases apresentadas, conseguimos compreender a razão da integração de diferentes intervenientes no trabalho de campo da presente investigação e a importância de incluir a observação nas diferentes fases da produção. De diversas formas e em diferentes momentos no processo de gestão de um evento, todos têm um alto nível de relacionamento interpessoal com a pessoa que está a gerir, sendo, por isso, relevante ouvir ou observar estas pessoas no contexto da sua atuação.