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Capítulo III. Eventos profissionais

III. 2 Eventos profissionais – conceitos e enquadramento no turismo

III. 2.1 Conceito de evento

Pretende-se neste ponto discutir o conceito de evento, para, posteriormente, se aprofundar o conceito de evento profissional, bem como a sua definição para operacionalização no trabalho de campo, aspetos centrais na presente investigação.

Uma das dificuldades no que diz respeito à discussão do conceito de evento resulta do facto de que a área dos eventos é um conglomerado de diferentes setores de atividade, bastante distintos (por exemplo, público e privado, comercial e sem fins lucrativos, cultural, social, político, desportivo, entre outros), o que dificulta a criação de um quadro conceptual comum (Brown, 2014).

Deste modo, vários são os autores que abordam o conceito de evento (Berridge, 2007), em muitos casos não o discutindo, mas antes apresentando apenas uma curta definição. Pretendemos, assim, começar por analisar quais as dimensões de abordagem que estes autores aplicam para compreendermos o fenómeno de forma mais abrangente. Importa também salientar que, frequentemente, a identificação do que é um evento pode ter várias respostas, dependendo do ponto de vista de quem responde (Bowdin et al., 2011; Bladen et al., 2012; Brown, 2014), sendo claramente resultado da experiência profissional ou da área específica de investigação dos autores (Berridge, 2007), o que se pode refletir em definições demasiado fechadas, e, por isso, restritas.

Em alguns casos, essa restrição é feita pela visão de que os eventos apenas incluem motivações de lazer (Rojek, 2014), enquanto noutros os eventos são apenas profissionais (Giacaglia, 2003). Segundo Bladen et al. (2012), à medida que as definições de evento se tornam mais detalhadas, a sua aplicação a casos concretos do mundo real torna-se mais problemática.

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No entanto, importa analisar estes diferentes pontos de vista, mesmo que mais restritos, para se poder compreender a complexidade do fenómeno dos eventos. No Quadro 4 podemos observar diferentes abordagens ao conceito de evento.

Quadro 4 – Abordagens ao conceito de evento

(adaptado a partir de: Allen, 2000, 2002; Giacaglia, 2003; Watt, 2004; Getz, 2005; Bowdin et al., 2006, 2011; Matias, 2007; Berridge, 2007; Crowther, 2010; Crowther e Donlan, 2011; Bladen et al., 2012; Ferdinand e Kitchin, 2012; Isidoro et al., 2013; Hernández-Mogollón, Antonio e Duarte, 2014; Sharples et al., 2014; Beech, Kaiser e Kaspar, 2014; Marujo, 2015; Geus, Richards e Toepoel, 2016; Ziakas, 2016; Gonçalves e Umbelino, 2017; Pielichaty et al.,

2017)

Perspetivas de abordagem Descrição

acontecimento atividade encontro experiência produto serviço limitado no tempo irrepetível

realiza-se em determinado local (físico ou virtual) para pessoas intangível inseparável heterogéneo perecível volátil dinâmico emocional interativo

impacta os cinco sentidos criatividade e inovação organizado por pessoas

pressupõe gestão (planeamento, monitorização, produção, avaliação) envolve diferente stakeholders

posicionamento de marketing visibilidade notoriedade prestígio evasão lazer comemoração / celebração motivação premiação familiares comerciais culturais sociais

políticos, demonstração de poder religiosos

turísticos financeiros económicos O que é?

Que características tem?

Para que serve? | Objetivos | Fins a que se destina

43 Tal como Pielichaty et al. (2017) indicam, consideramos que, pelas suas características, não é possível apresentar uma só definição de evento. O seu conceito é complexo e pode ser entendido de diferentes formas, em variados contextos.

Por outro lado, o próprio conceito tem sido objeto de modificações, dado que esta é uma atividade dinâmica que vai evoluindo (Matias, 2007). Exemplo desta evolução foi a discussão que se levantou em 2016 no âmbito dos EuBea - The International Festival of Events e Live Communication em que o evento ‘Hearing Hands’4 se destacou e levantou um extenso debate sobre ‘o que é um evento?’. O júri dos prémios dividiu-se e se, por um lado, os adeptos do ‘Não’ levantavam questões como o número de participantes ou o custo versus os resultados, os adeptos do ‘Sim’ ressalvavam que todos os requisitos para ser um evento estavam cumpridos: “acontece num espaço e tempo determinado, obrigou a um conjunto de requisitos logísticos e de programação, aliou criatividade, a recursos, comunicação, figurantes, licenciamento, objectivos precisos para lançar um novo serviço” (Fernandes, 2016). Para além destes requisitos, ponto fulcral da discórdia, o evento não se confinava a um espaço, mas tornou-se viral nas redes sociais, tornando-se global. De acordo com Fernandes (2016) “não podemos mais pensar um evento sem que ele se reflita neste outro patamar”, e a forma como se encara o que é um evento tem, sem dúvida, de incluir outras dimensões para além da presença física de participantes, revelando uma adaptação à realidade atual que enquadra frequentemente interações virtuais.

Desta feita, importa apresentar as várias dimensões que mais implicam na investigação que agora se apresenta, nomeadamente a partir da perspetiva de quem gere eventos, embora se possa ter outras abordagens do fenómeno social, cultural, político ou de construção do mundo (Penercky, 2016). Considerando que um evento é um “acontecimento planeado, com uma existência efémera, que se realiza em determinado local, destinado a um grupo de pessoas, tendo na sua base um ou mais objetivos” (Gonçalves e Umbelino, 2017, p. 364), começamos por destacar a importância do planeamento. Ao contrário de acontecimentos inesperados, para que um evento aconteça é necessário que este seja estruturado, preparado e organizado

4 https://www.youtube.com/watch?v=UrvaSqN76h4

‘Hearing Hands’ foi um evento realizado a 30 de outubro de 2014 pela agência Dinamo Istanbul part of Casta Diva Group, para o cliente Leo Burnett Istanbul & Samsung Electronics Turkey, direcionado para as pessoas com limitações auditivas e o público em geral, e aconteceu em Istambul. O evento foi direcionado a uma pessoa surda que, ao sair de casa, se deparou com o facto de que todas as pessoas com quem se cruzava comunicavam consigo em língua gestual. O evento culmina com a apresentação do serviço da marca num painel na via pública esclarecendo que estava a ser lançado um serviço de apoio ao cliente usando um chat de vídeo, com assistentes que comunicam em língua gestual. A grande questão que se levantou foi o facto de o evento ser feito, em termos físicos, apenas para uma pessoa. No entanto, a transmissão em diferido nas redes sociais, para milhares de pessoas, fez com que, na prática, o público ao qual o evento se dirigia fosse muito mais abrangente.

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previamente. Neste sentido, é necessário que sejam desenvolvidos processos para que quando o evento acontece, quem o produz já saiba o que e como vai acontecer. Para tal é necessária uma preparação prévia que requer a organização das diferentes necessidades que lhe são inerentes.

No que diz respeito à existência efémera, a limitação de tempo é uma das características dos eventos que mais impacto tem na sua realização, não só na perspetiva de quem gere, mas também para quem usufrui deste serviço.

Para quem gere eventos o facto de estes serem limitados no tempo faz com que a forma de planeamento tenha em consideração o início do acontecimento, mas também o seu fim, levando a uma gestão por projeto (Bowdin et al., 2011; Bladen et al., 2012; O’Toole, 2015; Pielichaty et al., 2017) (v. ponto III 3.), diferente da gestão empresarial que prevê o prolongamento da atividade no tempo, não se antevendo o seu fim. Por outro lado, a imposição de um tempo limitado para a produção do evento traz desafios acrescidos a quem o gere. Quando se apresenta uma data e um horário, estes terão de ser cumpridos, devendo- se ao máximo evitar protelar no tempo quando se verifica que nem tudo acontece como planeado. Esta limitação traz também uma pressão em termos de trabalho, pois tudo tem de ser cumprido dentro dos prazos previstos, o que justifica o facto de a profissão de quem gere de eventos estar no top cinco das profissões mais stressantes de 2018 (CareerCast.com s.d.), com um índice de stress de 51.15, apenas antecedido de profissões como militar (1.º com um índice de stress de 72.47), bombeiro (2.º), piloto de avião (3.º) e polícia (4.º).

Na perspetiva de quem participa, o tempo dos eventos é um tempo fora do comum. Mesmo quando se trata de eventos em que a participação é feita num ambiente profissional, este tempo é um tempo fora da rotina diária (Bladen et al., 2012), o que pode permitir uma transposição para posturas, comportamentos e atitudes, também elas, fora do comum (Ferdinand e Shaw, 2012). Neste sentido, o tempo dos eventos pode ser encarado como um momento especial, único, para quem participa, levando a uma predisposição para realizar coisas diferentes do dia-a-dia. Daí que os eventos estejam muitas vezes relacionados com um imaginário de datas especiais, de comemoração, de festa, distinguindo-se aquele que é o tempo de trabalho e o tempo de lazer (Silvers et al., 2006; Ferdinand e Shaw, 2012). Estes aspetos podem também levar a um imaginário de fantasia, dando-se a possibilidade de a pessoa ser naquele momento o que noutros contextos gostaria de ser, mas não é. É exatamente neste sentido que várias empresas têm também utilizado os eventos no sentido de renovar, reciclar os seus recursos humanos, com objetivos muitos específicos, quer seja no trabalho de competências específicas, como a motivação para aumento de produtividade, sobretudo tendo em conta que se reconhece cada vez mais importância do emocional e da

45 criatividade e inovação no âmbito da produtividade e eficiência no contexto profissional (Bladen et al., 2012; Ferdinand e Shaw, 2012).

Quanto ao local, se há uns anos se identificava apenas como local físico, hoje esta perspetiva de espaço físico e contínuo, conferindo unicidade, já está posta em causa, decorrente do potencial de utilização da tecnologia. Neste sentido, a noção de que é necessário um espaço para realizar um evento mantém-se, embora esse espaço possa ser físico ou virtual, e o mesmo evento possa incluir vários espaços diferentes.

O facto de um evento se realizar para pessoas remete para a importância do conhecimento do público-alvo, para que as escolhas que se fazem a vários níveis possam ir ao encontro das expectativas e necessidades de quem no evento irá participar. Neste âmbito, a identificação do evento enquanto experiência é um dos aspetos referidos na literatura (Berridge, 2007; Marujo, 2015), sendo, inclusive, indicado que é necessário experienciar um evento para se poder compreendê-lo na sua totalidade (Pielichaty et al., 2017). Esta perspetiva é muito marcada, sobretudo na abordagem aos eventos em espaço físico, pela possibilidade de aceder às pessoas a partir dos seus cinco sentidos (Zanella, 2008), o que permite acrescentar uma camada emocional à experiência material (Gerritsen e Olderen, 2014).

Quanto à última característica, os objetivos, estes dependerão do tipo de evento quanto ao cliente. Nos eventos para cliente anfitrião único o ou os objetivos são claramente identificados por quem paga o evento. Nos eventos para o consumidor final (quem paga pelo evento consome o serviço), quem organiza o evento define quais as metas que pretende atingir. Ou seja, há sempre um ou mais motivos pelos quais se realizam eventos e estes devem estar bem identificados, pois orientarão as decisões quer ao nível estratégico quer ao nível operacional (Gerritsen e Olderen, 2014).

Apesar de abrangente e de se poder aplicar a qualquer tipo de evento, esta visão é também muito marcada pelas necessidades de quem planeia e produz eventos. Sobretudo nas perspetivas de delimitação do fenómeno: planeamento, tempo, espaço, identificação do público-alvo e objetivos. No contexto da presente investigação, esta é uma abordagem importante, pois é na perspetiva de gestão do evento que tratamos o fenómeno.

Um último aspeto que convém salientar no âmbito da discussão do conceito de evento, sobretudo no contexto da presente investigação, é o facto de um evento ser, pela sua natureza, um serviço (Berridge, 2007), o que o distingue dos produtos em quatro características: intangibilidade, inseparabilidade, heterogeneidade e perecibilidade. Do lado da oferta, estas características trazem grandes desafios, aos quais é necessário responder com estratégias eficazes.

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Não sendo os eventos bens de natureza material, a intangibilidade leva a que os eventos se caracterizem pelas relações pessoais que se estabelecem no seu contexto (Peixoto, 2015). Neste sentido, pode haver uma grande subjetividade no que diz respeito à avaliação do serviço que é prestado ao cliente, sendo que o risco percebido é também maior, pois o evento não é palpável. Conseguir tornar o serviço tangível é um dos desafios mais comuns nos eventos. A criação e disponibilização de bens materiais que transportem as memórias do evento para algo físico é muito importante para que este se prolongue no tempo.

A inseparabilidade faz com que seja impossível separar o desempenho de quem presta o serviço, do próprio serviço em si, ou seja, os recursos humanos que estão no contacto direto com quem consome fazem parte do próprio serviço, tendo um grande peso na qualidade do mesmo. Por outro lado, o próprio consumidor também faz parte do serviço nos momentos em que há uma interação. Por exemplo, nos eventos, esta integração só se realiza no decorrer do próprio evento, embora, para que este aconteça, seja necessário uma série de ações antes (montagens) e depois (desmontagens) do evento. Salientamos ainda o facto de outros participantes também fazerem parte do próprio serviço, o que, no caso dos eventos, tem um forte impacto, por exemplo, no ambiente que é criado, entre muitos outros aspetos. No âmbito da presente investigação, este é um aspeto relevante, já que as relações que se estabelecem e as escolhas quanto ao género de quem trabalha na produção dos eventos podem ser muito influenciadas pelo público que irá interagir no contexto do evento. Assim, para que a perceção da qualidade do serviço prestado não seja comprometida é fundamental que haja um investimento nas pessoas que estarão em contacto com quem irá consumir o serviço, tanto em termos técnicos como nas soft skills de relação interpessoal. No âmbito dos eventos, este é um aspeto relevante sobretudo tendo em conta que muitos dos recursos humanos de produção usualmente não fazem parte da empresa que está a prestar o serviço, isto é, são contratados pontualmente e em outsourcing, como analisaremos no ponto III. 4. A heterogeneidade implica a impossibilidade de prestar um serviço exatamente igual a todas as pessoas (Getz, 2016), decorrente também da característica da inseparabilidade. Para além de vista como uma característica que pode trazer uma vantagem competitiva, no sentido em que a personalização pode responder às necessidades específicas dos consumidores, é também um desafio, sobretudo no contexto dos eventos em que os recursos humanos que contactam com os consumidores são contratados em outsourcing. Neste sentido, a formação, o planeamento e procedimentos de normalização de algumas tarefas são importantes para que o serviço seja o mais similar possível para todas as pessoas que o vão consumir, sendo a solução para os desafios que esta característica pode trazer (Berridge, 2007).

A perecibilidade decorre do facto de os serviços não poderem ser armazenados, ou seja, no caso dos eventos, se não for consumida a totalidade da capacidade de um evento, não é

47 possível guardar os lugares não vendidos para outro dia ou horário (Berridge, 2007). No entanto, os custos associados à capacidade máxima têm de ser suportados por quem organiza o evento. Uma forma de enfrentar este desafio é diferenciar os preços ou oferecer serviços mais atrativos para períodos de menor procura, contratar serviços específicos em outsourcing, bem como planear detalhadamente para vários cenários, de forma a enfrentar mais rapidamente os desafios que se colocarão no terreno.