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Os eventos no contexto do turismo

Capítulo III. Eventos profissionais

III 2.5 Os eventos no contexto do turismo

Os eventos podem estar relacionados com o turismo de várias formas. Muitos dos serviços que os eventos utilizam são claramente serviços turísticos, que se relacionam com a hospitalidade (Bowdin et al., 2011), como foi apresentado anteriormente. Se é verdade que podem existir eventos que não têm qualquer relação com o turismo, o facto é que encontramos muitos eventos que, mesmo não tendo objetivos turísticos, acabam por ter um impacto turístico, não só pelas deslocações e impacto económico, mas também pelo envolvimento com a comunidade local (Getz, 2008; Getz e Page, 2016b).

Uma das formas pelas quais podemos observar os eventos no contexto do turismo é a classificação dos tipos de turismo, pela perspetiva da motivação. Como referido

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anteriormente, no que diz respeito aos eventos profissionais, estes estão, muitas vezes, relacionados com as viagens motivadas pelos negócios, sendo recorrentemente incluídos no turismo de negócios, inclusive, sendo um forte atributo para a caracterização deste tido de turismo (Getz, 2005; Bowdin et al., 2011).

No entanto, quando analisamos os eventos numa perspetiva mais abrangente, também podemos incluir a participação em eventos como motivação principal ou secundária nas deslocações motivadas pelo lazer. Getz e Page (2016b) destacam, inclusive, um tipo de turismo motivado pelos eventos – turismo de eventos – mostrando que este se encontra no cruzamento do que é o turismo e do que são os eventos, como se pode observar na Figura 11, já que estas são duas áreas distintas que, em alguns pontos, se cruzam (Dwyer et al., 2007).

Figura 11 – Event studies, event management and event tourism (Getz e Page, 2016b, p. 595)

Assim, tendo em conta a abrangência que os eventos podem ter no contexto do turismo, estes podem ser usados como ferramenta estratégica para alcançar diferentes objetivos, como se pode constatar no Quadro 9, na página seguinte.

63 Quadro 9 – Papel dos eventos no contexto do turismo

(adaptado a partir de: Canton, 2002; Getz, 2005; Chalip e Costa, 2005; Moscardo, 2007; Dimanche, 2008; Raj, Walters e Rashid, 2009; Tassiopoulos e Johnson, 2009; Richards e Palmer, 2010; Allen et al., 2011; Bowdin et al., 2011; Ziakas e Costa, 2011; Simões, 2012; Trošt, Klarić e Ružić, 2012; Ziakas e Boukas, 2013; Herstein e Berger, 2013; Richards, Brito e

Wilks, 2013; Canton, 2013; Hernández-Mogollón, Antonio e Duarte, 2014; Rota e Salone, 2014; Van Winkle e Woosnam, 2014; Ziakas, 2014; Diaz Soria, Blanco-Romero e Canoves I. Valiente, 2014; Liu, 2014, 2015; Marujo, 2015; Vieira, 2015; Getz e Page, 2016b; Ministério da Economia, 2016; Davis, 2016; Gonçalves e Umbelino, 2017; Richards, 2017; Conselho de

Ministros, 2018)

- aumento da procura | captação de turistas/visitantes | fidelização - prolongamento da estadia

- redução da sazonalidade

- complemento ou alavanca para outros produtos turísticos - criação de empregos

- impactos económicos

- incentivo ao investimento privado - recolha de impostos

- marketing dos destinos turísticos | branding de destinos | posicionamento dos destinos turísticos | promoção turística

- notoriedade

- movimentação nas cidades | animação

- contributos socioculturais | fortalecimento de identidades | manutenção de tradições - coesão do território I atenuação de assimetrias regionais

Neste sentido, os eventos podem também ser entendidos como recursos turísticos que promovem atração, tal como Hernández-Mogollón (2014) os apresentam na Figura 12.

Figura 12 – Touris Attractions

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Para que haja uma verdadeira relação entre o turismo e os eventos é necessário que quem tem funções de gestão em ambas as áreas (turismo e eventos) envolva todos os stakeholders nos seus objetivos, tendo em conta o planeamento turístico do destino, o qual define metas em relação aos eventos que se pretendem para o desenvolvimento turístico e aponta quais os apoios que serão dados de acordo com os objetivos (mercados, segmentos, destinos, produtos, etc.) (Getz, 2005, 2008; Bowdin et al., 2011). Para tal, é também necessário compreender as prioridades e interesses de cada stakeholder de forma a integrá-los na estratégia e, assim, conseguir, de facto, envolver todas as entidades importantes no processo (Getz, 2005; Allen et al., 2011; Bowdin et al., 2011; Cortijo e Hernández-Mogollón, 2011; Hernández-Mogollón, Antonio e Duarte, 2014).

Deste modo, o planeamento dos destinos turísticos (desde o nível nacional ao local) pode e deve incluir o papel que se pretende para os eventos no seu enquadramento específico, sendo que devem ser desenvolvidas estratégias adequadas às características de cada destino (Getz, 2005; Stokes, 2008; Bowdin et al., 2011).

No caso do planeamento turístico nacional para Portugal, é notório que não tem havido uma aposta clara nos eventos enquanto produtos turísticos, sendo estes encarados, mais frequentemente como suporte para o desenvolvimento turístico em geral, e de alguns produtos turísticos em específico (v. Apêndice 1) onde são apresentados os detalhes de cada versão) (Presidência do Conselho de Ministros, 2007, 2013, 2017; Turismo de Portugal, 2014). Se há países em que o reconhecimento dos eventos de negócios levou à identificação de uma estratégia nacional para o efeito – por exemplo, na Austrália, à criação da National Business Events Strategy for Australia (ABES), comissionada pelo Ministro Federal para o Turismo (Jago e Deery, 2010) –, em Portugal ainda não se foi tão longe, mas o caminho está a ser feito. Reflexo desta circunstância foi a criação do programa M&I Portugal 2016-2018 (Meetings & Incentives Portugal), por parte do Ministério da Economia, através da Secretaria de Estado do Turismo, o qual tinha o objetivo de “angariar apoios para a captação de investimento e realização de congressos e outros eventos destinados a empresas”, assumindo-se como uma “ferramenta essencial para o desenvolvimento de atividades capazes de gerar atratividade nos destinos, contrariar a sazonalidade e atenuar assimetrias regionais” (Ministério da Economia, 2016). Para a sua operacionalização, foi criada uma equipa especializada sob a coordenação do Turismo de Portugal IP. Reiterando a importância de uma oferta diversificada que vai para além das infraestruturas necessárias à realização dos eventos, aspeto já identificado ao nível internacional com uma das tendências para a competitividade global nesta área (Jago e Deery, 2010), está prevista a disponibilização, na internet, de uma plataforma de divulgação dos

65 congressos e eventos profissionais que se realizam em Portugal, os espaços existentes e um calendário de eventos culturais, desportivos e gastronómicos.

Mais recentemente, o reconhecimento dos eventos no contexto do turismo reflete-se também na criação de “um fundo que tem por objeto o apoio a ações, iniciativas e projetos que contribuam para o reforço do posicionamento de Portugal enquanto destino turístico, para a coesão do território, para a redução da sazonalidade e para a sustentabilidade no turismo, nomeadamente através do apoio à captação de grandes eventos internacionais e à captação de filmagens internacionais para Portugal, assim como através do desenvolvimento de instrumentos de engenharia financeira para apoio às empresas do turismo” (Conselho de Ministros, 2018, p. 2543).

Um outro aspeto que merece, na nossa opinião, especial destaque no contexto do turismo é a criação de portfolios de eventos como uma estratégia de posicionamento e promoção dos destinos turísticos (Getz, 2005; Ziakas, 2014; Getz e Page, 2016b; Andersson et al., 2017; Ziakas, 2018). Os portfolios de eventos são mais do que um conjunto de eventos realizados em determinado destino, ou seja, é desenvolvido um calendário de eventos, eventos estes promovidos ou apoiados por instituições locais, regionais ou nacionais (Ziakas, 2018), também ligadas ao turismo, que contribuem para a visão do destino, criando vantagens competitivas (Getz, 2005). Neste sentido, um portfolio de eventos pode integrar diferentes propósitos numa estratégia compreensível e coerente no seu todo, que será mais do que o somatório das partes, sustentando os benefícios que, por si só, teriam uma vida efémera (Ziakas, 2014). Vários são os estudos que demonstram que os objetivos para a criação de portfolios de eventos têm sido vários: para servir vários propósitos políticos; para desenvolvimento do turismo sustentável; para promover o desenvolvimento urbano; para a construção da marca destino de forma a posicionar o destino turístico; para alcançar a regeneração urbana e o reconhecimento global; ou para a recuperação após algum desastre (Ziakas, 2018).

Para a construção de portfolios de eventos, Getz (2005) apresenta vários passos que devem ser cumpridos. Deve começar-se por analisar os eventos que já existem e o histórico do destino a este nível. Por outro lado, deve identificar-se a forma como os eventos, tanto os que já existem como os que poderão vir a existir, podem ajudar a chegar aos objetivos turísticos do destino (daí a forte ligação à estratégia turística). A avaliação dos recursos e oferta existente para a realização de eventos é outro ponto relevante para se ter uma noção concreta do que será possível realizar e, ainda, o que será necessário desenvolver para que seja possível fazer outro tipo de eventos. Por fim, medir e caracterizar a procura, considerando as tendências do mercado, ajudará a definir os eventos mais adequados para aquele destino, tendo em conta a sua natureza e conteúdo, dimensão, época do ano ou impactos pretendidos (Getz, 2005).

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No que diz respeito à implementação de portfolios de eventos, Ziakas (2018) propõe uma estrutura e interligação dos diferentes intervenientes ao longo do processo, como se pode observar na Figura 13.

Figura 13 – Events network and community portfolio capacity (Ziakas, 2018, p. 20)

Para além do estudo de caso de Portimão (Pereira et al., 2015), outro exemplo interessante que podemos identificar em Portugal é o destino Cascais, que usa o portfolio de eventos para completar a sua estratégia de criação da identidade do território, como um prolongamento do que é feito a outros níveis, incluindo neste portfolio eventos desportivos, culturais e de conhecimento (Barros, 2017).

O valor instrumental que um portfolio de eventos pode ter para um destino inclui a oportunidade de colocar em rede uma série de stakeholders, aparentemente díspares, com o propósito de os alavancar e, assim, também os fazer colaborar entre si. Neste sentido, o portfolio de eventos pode ajudar no uso ideal do conjunto integrado de recursos de uma comunidade de acolhimento, o que pode ser equilibrado quer para o desenvolvimento do turismo quer da própria comunidade, diversificando e enriquecendo o produto turístico do destino (Ziakas, 2014). Assim, os impactos dos portfolios de eventos podem também satisfazer as necessidades e interesses da comunidade local (Gration et al., 2016), acabando por ter impactos também ao nível social.

Uma outra mais-valia de desenvolver portfolios de eventos é a possibilidade de combater a sazonalidade (Getz, 2005), sendo que o calendário pode estender-se por todo o ano ou ser mais intensivo em épocas de menor procura, podendo, assim, estes acontecimentos fazer parte de uma estratégia que permita atenuar os potenciais efeitos negativos da sazonalidade, necessidade há muito sentida por vários destinos turísticos (Baum e Lundtorp, 2001; Bowdin

67 et al., 2011; Ziakas, 2018) e também utilizada de forma mais específica entre operadores da oferta turística (Connell, Page e Meyer, 2015).

Apesar de alguns autores referirem que o turismo de negócios não é afetado pela sazonalidade (Meneguel, 2015), a verdade é que, sendo certo que os fluxos de pessoas por esta motivação podem existir durante todo o ano, existem, também neste mercado, períodos de maior procura e períodos de redução, muito influenciados pela organização de outras áreas na sociedade. Por exemplo, na Europa, o facto de a escola parar no verão e em épocas festivas faz com que as famílias também tenham de estar mais disponíveis para as suas próprias necessidades, havendo uma clara redução das deslocações turísticas por estas motivações (Marques, 2013) e, por consequência, também de eventos nesta área.

Na comparação com o turismo motivado pelo lazer, podemos, inclusive, verificar que há um contraciclo em relação ao turismo de negócios no que à sazonalidade diz respeito, não só em termos de meses do ano, mas também em relação ao que identificamos como ‘micro- sazonalidade’. Se atendermos à tradição cultural ocidental, em termos gerais, existem 5 dias de trabalho e 2 de descanso (fim de semana), sendo que há um maior volume de deslocações turísticas por motivos de negócios entre 2.ª e 6.ª feira (Marques, 2013) e de viagens de lazer ao sábado e domingo. Apesar de a literatura se focar mais nas questões da sazonalidade relacionadas com o turismo de lazer (Espinet et al., 2012), esta é uma questão que pode ser relevante, por exemplo, para a gestão de hotéis direcionados para o mercado de negócios e dos eventos relacionados com esta motivação. Uma das soluções para este desafio é o hotel desenvolver a sua oferta estruturada para vários tipos de produtos (por exemplo, golf, casamentos, etc.) e para vários tipos de segmentos (por exemplo, famílias, grupos, individuais, etc.).

Se os eventos podem atuar sobre a sazonalidade do turismo, eles próprios podem ser influenciados pela sazonalidade, sendo que as suas características podem ser influenciadas por este aspeto. Reic (2017) identifica várias causas para a sazonalidade nos eventos: natural (dependente das condições climáticas); tradicional (influenciada por tradições e costumes); turística (enquadrada geograficamente e pelas motivações das deslocações); institucional (marcada pelas férias públicas); desportiva (dependente do ciclo de competição de cada desporto); económica (impulsionada pelo ciclo específico de determinado tipo de negócio); religiosa (coincidente com vários ciclos e férias religiosas); e social (influenciada pelo calendário social de determinado local).

Em termos de características do turismo de negócios, que, como vimos, em grande parte se constitui por eventos, excluídas as viagens individuais, convém salientar os aspetos apresentados no Quadro 10, na página seguinte.

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Quadro 10 – Características do turismo de negócios

(adaptado a partir de: Swarbrooke e Horner, 2001; Davidson e Cope, 2003; Davidson e Rogers, 2006; Rogers, 2008; Marques, 2013; Nicula e Elena, 2014; Fernandes e Carvalho,

2017)

- Os turistas de negócios frequentemente têm as despesas relacionadas com a viagem pagas pela organização que representam, tendo, por isso, mais disponibilidade para despesas adicionais.

- Os turistas de negócios costumam usar equipamentos e serviços de gama média/alta, como hotéis, transportes, restaurantes ou animação, tendo um gasto médio diário mais elevado do que os turistas de lazer.

- Decorrente do ponto anterior, permite maiores benefícios económicos para a comunidade de acolhimento e maior retorno do investimento em infraestruturas e marketing.

- Pelas necessidades que lhe são inerentes, promove a captação de investimento para a construção de equipamentos específicos ou regeneração urbana, os quais podem gerar um aumento da qualidade de vida das populações locais, as quais poderão usufruir também destas instalações com outros propósitos (por exemplo, para eventos culturais).

- Os turistas de negócios também acabam por utilizar serviços característicos do turismo de lazer, seja pela inclusão de atividades nos programas dos eventos, seja pelo prolongamento da sua estadia para lazer (por exemplo as pre and post tours nos congressos), ou até pela repetição do destino por motivos de lazer.

- O turismo de negócios não é dependente das condições naturais, sendo, por isso, menos afetado pela sazonalidade, pelo que promove uma maior rentabilização de infraestruturas e uma maior estabilidade nos empregos relacionados com os serviços envolvidos.

- O turismo de negócios tem menos impactos no ambiente do que o turismo de lazer de massas, em grande parte devido às deslocações coletivas, à utilização de infraestruturas que também servem outros segmentos turísticos e pela predominância de destinos urbanos, evitando impactos em ambientes naturais frágeis. Neste tópico, é ainda relevante o faco de ser mais fácil a sensibilização dos turistas acerca da sua relação com as comunidades de acolhimento dado que circulam em grupo.

- Os eventos de negócios com maior projeção acabam por contribuir para a imagem percebida do destino.

69 No caso específico da Austrália, os impactos dos eventos de negócios têm sido estudados, tendo, inclusive, o Business Events Council of Australia sido constituído para acompanhar o mercado. Dos estudos regulares desta organização, conseguiu-se perceber que os impactos vão muito para além dos gastos dos turistas e da utilização de venues. Como se pode ver na Figura 14, os benefícios dos eventos de negócios estendem-se a vários stakeholders e podem ser a curto ou a longo prazo.

Figura 14 – Benefits of Business Events

(Ernst & Young e Business Events Council of Australia, 2015, p. 26)

Para além do que é usualmente apresentado na literatura em relação ao impacto que os eventos de negócios têm para os stakeholders diretos (instituições e empresas de turismo e de gestão de eventos, ou a comunidade local), esta perspetiva vai mais longe e inclui também os benefícios que podem existir para os próprios negócios, os participantes nos eventos, o governo e as instituições de ensino e investigação, demonstrando que os eventos de negócios podem ter um valor mais abrangente do que à partida possa parecer (Raj, Walters e Rashid, 2009; Bowdin et al., 2011).