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Estereótipos de género, masculinidades e feminilidades

Capítulo III. Eventos profissionais

III 2.6 Tendências futuras na área dos eventos

IV. 4 Masculinidades e feminilidades no contexto profissional

IV. 4.1 Estereótipos de género, masculinidades e feminilidades

Estereótipos são generalizações sobre grupos aplicadas aos indivíduos que dele façam parte, somente por essa razão específica (Heilman, 2012), sendo que incluem atributos e características das pessoas que integram os grupos sociais (como traços, atitudes, interesses ou competências), mas também as suas crenças (Six e Eckes, 1991). Os estereótipos são baseados em padrões, ou seja, formados sem fundamento sério ou imparcial, histórica e culturalmente ancorados (Six e Eckes, 1991; Fine, 2011). Para se compreender os estereótipos, é importante analisar não só as características dessas categorias, mas também a partir de que processos são constituídas, e qual a sua estrutura (Six e Eckes, 1991).

Por outro lado, a forma como os estereótipos influenciam a ação individual faz parecer que estes existem implicitamente e operam sem o ónus da consciência, intenção e controlo (Nosek & Hansen 2008 cit. por Fine, 2011). Se as associações implícitas da mente podem ser entendidas como uma rede de conexões complexa, mas altamente organizada, os estereótipos conectam representações de objetos, pessoas, conceitos, sentimentos, objetivos pessoais, motivos e comportamentos com os outros. A força de cada uma destas conexões depende da experiência de vida e do contexto atual de cada pessoa, já que o que é selecionado de forma implícita a determinado estereótipo, a partir das associações, tem a sua base nos padrões da sociedade, nos media, na publicidade, mesmo que conscientemente a pessoa defenda visões mais progressistas ou modernas (Fine, 2011).

Em relação ao género, os estereótipos são generalizações sobre atributos de homens e mulheres (Heilman, 2012) ou outros grupos, ou seja, as ideias preconcebidas que se associam aos diferentes géneros e que fazem parecer que estas categorias conceptuais são estanques e uniformes em relação a diferentes grupos sociais (Six e Eckes, 1991), categorizando formas de pensamento e atuação que levam a “quadros-tipo fixos de comportamento social” (Rocha, 2008a, p. 3).

As crenças associadas aos estereótipos de género associam também competências gerais a homens e mulheres, particularmente em áreas sociais mais valorizadas, estando os homens

147 mais associados à racionalidade, a habilidades mecânicas e mais força física, e as mulheres à emotividade, às competências domésticas e de cuidadoras (Ridgeway, 2001; Rocha, 2008a). Na área da psicologia, é comum usarem-se dois conceitos que ajudam a compreender os traços que são muitas vezes associados aos estereótipos de género – agency and communal values. Estes rótulos conceptuais podem funcionar como estrutura para distinguir e organizar duas áreas amplas de valores, motivos, características e comportamentos humanos (Ridgeway, 2001; Trapnell e Paulhus, 2012; Carli e Eagly, 2016). Agentic values são os valores ou traços que ajudam as pessoas a destacar-se, como a intelectualidade, o poder, o domínio, a competência, enquanto os communal values são os valores ou traços que ajudam as pessoas a adaptar-se e conectar-se com os outros, como ser amável, gentil, empático, sensível, com compaixão e que gosta de partilhar (Bakan 1966 cit. por Trapnell e Paulhus, 2012). Os agentic values podem ajudar a quem os tem a ficar mais à frente, dadas as suas características trabalhadoras, implacáveis e manipuladoras; já os communal values podem ajudar as pessoas que os possuem a permanecer durante mais tempo, já que as características mais comuns são a lealdade, capacidade de concordar, a honestidade, e a justiça na comunicação (Hogan 1982 cit. por Trapnell e Paulhus, 2012). Assim, no contexto do género, é mais comum associar-se os agentic values aos homens e os communal values às mulheres (Fine, 2011).

Desde muito cedo, mesmo antes dos dois anos, o conhecimento de categorias de género pode influenciar a construção do género, sendo esta categoria, muitas vezes, a primeira identidade social que as crianças aprendem (Zosuls et al., 2009). Assim, as crianças que são altamente esquemáticas em relação ao género usam-no como base para processar informações novas e organizá-las na sua cabeça (Hupp et al., 2010), estruturando as suas visões do mundo a partir desta categorização. A partir do momento em que começam a verbalizar rótulos associados aos estereótipos de género, demonstram a capacidade de compreensão que vão tendo sobre os esquemas de género (Benedict 1979 cit. por Zosuls et al., 2009). Ao cristalizar tal compreensão e conhecimento, as crianças começam a ganhar a consciência da sua identidade de género (Zosuls et al., 2009), sendo que esta se pode ir fortalecendo ao longo da vida pela imitação, repreensão ou elogio.

Assim, ao longo do processo de socialização as pessoas acabam por lidar com dois tipos de estereótipos de género: o descritivo, que designa o que são as mulheres e homens, e o prescritivo, que designa o que homens e mulheres deviam ser. No contexto profissional, ambos podem ter impacto na forma como as pessoas são vistas e as expectativas em relação ao seu trabalho (Heilman, 2012). Por um lado, os estereótipos descritivos podem promover expectativas sobre a performance, por criarem uma perceção de superioridade ou inferioridade, consoante as características que são atribuídas a homens e mulheres; por outro lado, os estereótipos prescritivos estabelecem expectativas normativas para o comportamento

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dos diferentes grupos sociais baseados no género, sobretudo negativas para os que fogem a essas normas (Heilman, 2012).

Deste modo, sendo os estereótipos de género amplamente produzidos, compartilhados, e reafirmados socialmente, estes funcionam como uma gramática organizacional ou um código genético do sistema de género, uma vez que constituem as regras ou sistemas culturais pelos quais as pessoas vão compreender e promover as diferenças e desigualdades relacionadas com o género (Ridgeway, 2001; Rocha, 2008a).

Apesar de alguns autores olharem para os estereótipos de género de forma estanque e robusta, ou seja, como categorias uniformes em que quem as constitui cumpre as características que lhes estão associadas, certo é que, com todas as questões que podem associar-se à problemática da abordagem individualista apresentada por Alvesson e Billing (2009), para alguns autores esta homogeneidade deve ser olhada com mais detalhe, podendo encontrar-se diferentes subtipos de estereótipos de género (Six e Eckes, 1991; Kachel, Steffens e Niedlich, 2016). Para Six e Eckes (1991), estes subtipos, apesar de se basearem em termos de crenças gerais sobre o que são homens e mulheres, também têm em conta diferentes tipos de homens e de mulheres que podem existir.

Parece certo que os estereótipos de género são usualmente mais associados à visão estanque, enquanto categorias robustas, mas os conceitos de masculinidades e feminilidades têm sido mais utilizados para tratar as características que podem estar associados a mulheres e homens, sendo, por isso, construções sociais, históricas e contingentes (Rocha, 2008a). Neste sentido, “mais do que falar em sexo e/ou género, isoladamente, e de forma dicotómica e bi- categorizante, urge falar em masculinidades e feminilidades e nas inúmeras relações sociais de género” (Rocha, 2007).

Os conceitos de masculinidades e feminilidades são úteis, pois permitem conexões aos níveis macro e micro, isto é, podem referir-se à forma como domínios amplos da vida são culturalmente influenciados pelo género, mas também podem referir-se à forma como as pessoas se conformam, seguem ou transgridem os standards culturais que definem o que é masculino e feminino. Permitem, então, conectar a perspetiva cultura social, mais abrangente, macro, com os sentimentos, pensamentos, auto entendimento e valores que caracterizam os indivíduos, a um nível micro. São uma alternativa à fixação no conceito de homem e mulher, os quais têm como base o corpo e as diferenças biológicas como ponto de partida para a categorização uniforme de dois grupos sociais (Alvesson e Billing, 2009).

Apesar de vagos, os conceitos 'masculinidades' e 'feminilidades' podem ser definidos como os valores, experiências e significados que são culturalmente interpretados como masculinos

149 e femininos e que, num contexto cultural particular, tipicamente são entendidos como naturais ou são atribuídos a homens e a mulheres, respetivamente (Alvesson e Billing, 2009).

Assim, na linha dos estereótipos de género que atribuem os agentic values mais a homens e os communal values mais a mulheres, vários autores identificam determinados valores às masculinidades e feminilidades, como se pode observar no Quadro 19.

Quadro 19 – Características das masculinidades e feminilidades num contexto organizacional

(adaptado a partir de: Alvesson e Billing, 2009)

Na linha desta visão tão antagónica entre o que pode estar associado a homens e mulheres, Cliff et al. (2005) identificaram que em pequenas empresas, mesmo não havendo diferenças em relação à organização da burocracia ou nas relações profissionais diretamente relacionadas com o género, a forma como os donos do negócio falam sobre a organização e gestão das empresas é marcada por maneiras diferentes influenciadas por estereótipos de género. Mesmo que na prática não se reflita, as características organizacionais de empresas geridas por homens ou mulheres acabam por ser diferentes, nomeadamente baseando-se em arquétipos em que organizações femininas são planas, isto é, organizadas como redes ou em círculos, minimizam regras e padrões, com capacidade de resposta às necessidades de outras pessoas e mais orientadas para as relações, enquanto as organizações masculinas são mais hierárquicas, baseadas em regras e padrões impessoais, com uma orientação instrumental que encara as pessoas como recursos para a consecução de objetivos (Cliff, Langton e Aldrich, 2005).

Apesar de nem todos os autores usarem os conceitos da mesma forma, um importante desenvolvimento nos estudos de género foi o crescimento da perceção de variações entre os grupos sociais de homens e mulheres, levando ao uso frequente do plural na utilização dos

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conceitos (Wharton, 2005; Alvesson e Billing, 2009). Neste sentido, apesar de muitas vezes as masculinidades e feminilidades serem vistas enquanto simbolismo do que são homens e mulheres, respetivamente, um dos problemas que se levantam é a sua direta relação com o critério do sexo biológico, ou seja, aos genitais e aos cromossomas, transformando o género numa variável robusta (Alvesson e Billing, 2009). Daí que o reconhecimento da possibilidade de se encontrar heterogeneidade dentro dos grupos sociais seja muito importante na condução de investigação neste campo de análise, no sentido em que permite, à partida, uma abertura para se encontrarem perfis complexos que podem incluir características mais comummente associadas ao masculino, mas que permanecem bastante femininas noutras dimensões (Alvesson e Billing, 2009).

Na perspetiva de Alvesson e Billing (2009), é aceitável e importante continuar a usar os conceitos de feminilidades e masculinidades para descrever crenças culturais, embora sem as conectar diretamente a mulheres e homens. O significado social sobre o que é característico destas duas dimensões pode ser rastreado também na linguagem, atos e artefactos, os quais podem não estar associados ao critério biológico (Alvesson e Billing, 2009), ou seja, mantendo- se os significados mais numa dimensão abstrata, podendo ambos ser encontrados, em diferentes tipos de doses, em qualquer pessoa, independentemente do seu sexo biológico. Um outro aspeto relevante é que o reconhecimento de múltiplas expressões de género tem sido acompanhado pela visão de algumas formas de masculinidades e feminilidades que são mais valorizadas do que outras, o que leva a relações de domínio e subordinação (Wharton, 2005). Por outro lado, mostram presença as ideias sobre o que é masculino ou feminino e sobre o que é natural/normal para mulheres e homens em relação às regras estabelecidas.