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Capítulo III. Eventos profissionais

I.2 Problemática e justificação da investigação

I. 3.3 Desenho da investigação

Tendo em conta que o objetivo de uma investigação é descobrir respostas para as questões iniciais através da aplicação sistemática de procedimentos (Berg, 2001), apresentamos neste ponto o desenho da presente investigação.

O processo de identificação do tópico a investigar não foi difícil ou demorado, dado o grande interesse que temos, desde há anos, pela área dos eventos no contexto do turismo. Por outro lado, atendendo à enorme dispersão que, mesmo dentro deste tópico, podia existir (Getz, 2016), de que são exemplo algumas perspetivas apresentadas na Figura 2, na página seguinte, identificámos os eventos profissionais, no contexto do turismo de negócios, como tópico específico a trabalhar. Assim, a partir da questão de investigação ‘SENDO OS EVENTOS PROFISSIONAIS UM FENÓMENO MULTIDIMENSIONAL COMPLEXO, COMO É QUE A SUA GESTÃO PODE SER INFLUENCIADA PELAS DIFERENÇAS DE GÉNERO?’ definimos em específico o objeto de estudo, determinando como campo de análise o género (Fox et al., 2014; Veal, 2018), como se pode verificar na Figura 2, na página seguinte. De acordo com o que Wilson (2014) indica, o facto de colocarmos o foco da nossa questão de investigação no como? leva-nos a procurar o contexto nas primeiras incursões ao tópico, o que pode ajudar a compreender o fenómeno de uma forma integrada.

25 Figura 2 – Objeto de problematização e campo de análise

(produção da autora)

Neste sentido, o objeto de problematização nesta investigação é a gestão de eventos profissionais, tendo como principais atores os Chief Executive Officer (CEO) de empresas que organizam este tipo de eventos e que contratam outro grupo importante de atores neste contexto: pessoas que gerem eventos profissionais. Para além destes dois grupos, são também importantes os recursos humanos que trabalham na produção, recorrentemente apelidado de staff no contexto de produção dos eventos, bem como as empresas-clientes, representadas, muitas vezes, neste contexto, por profissionais que integram departamentos de marketing, comunicação, recursos humanos, financeiros ou mesmo a direção-geral. Tendo em conta que “o objeto da investigação social interpretativa é o significado dessa ação [...] e não o comportamento em si próprio” (Guerra, 2006, p. 17), o que nos importa estudar são as ações realizadas no âmbito da gestão dos eventos profissionais, tendo como campo de análise o género, ou seja, queremos compreender se e como é que o género poderá ter alguma influência nas decisões tomadas e ações desenvolvidas neste contexto e como é que isso se reflete nas relações entre diferentes intervenientes no fenómeno.

Como o trabalho de investigação não é feito nem escolhido de forma solitária, sendo também parcialmente influenciado pelas relações que existem na comunidade académica (Ayikoru,

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2009), foi exatamente neste enquadramento que surgiu o desafio de se trabalhar o campo de análise do género. Por um lado, o envolvimento de um dos orientadores no projeto Gentour II [Gender in Tourism]1 e, por outro, o histórico de investigação da orientadora com quem iniciámos o processo de investigação, fizeram com que a direção do ‘olhar’ a realidade dos eventos profissionais a partir do género suscitasse bastante interesse, e ao mesmo tempo se apresentasse como desafiante. Neste contexto, sem dúvida que a questão da reflexividade teve um grande peso na decisão. Após as primeiras leituras exploratórias que remetiam, sobretudo, para as diferenças e desigualdades de género, muito centradas na perspetiva económica, social e de poder, muitas vezes ligadas ao papel que é atribuído às mulheres dada a sua condição de ser gestacional (o qual, na altura, em termos pessoais era muito próximo à investigadora), a decisão de enveredar por este caminho foi quase natural. No entanto, à medida que avançávamos na revisão bibliográfica fomos percebendo qual a forma pela qual pretendemos, efetivamente, trabalhar este campo de análise.

Se atendermos à agenda de investigação para a área dos eventos proposta por Getz (2007)2, apesar de se apresentarem perspetivas em termos do planeamento e da gestão, a questão da gestão de recursos humanos é apenas brevemente referida, sendo que a perspetiva do género e as suas implicações no planeamento e gestão dos eventos não é sequer identificada. Embora referente a um tipo de eventos mais específico, os festivais, em 2010, o mesmo autor identifica quais as áreas nos estudos de eventos que foram investigadas até à data, das quais destacamos as que se relacionam com a presente investigação: o planeamento, nomeadamente com aspetos como planeamento estratégico, operacional, negócio, liderança e inovação, processos de tomada de decisão, objetivos e fatores críticos de sucesso, e processos de institucionalização; a gestão de recursos humanos, onde se incluem temas como staffing, voluntariado, profissionalismo, acreditação e ética; e a organização e coordenação, tratando as operações, e a gestão da cadeia de fornecedores. Novamente, a perspetiva sobre as implicações do género não é aflorada (Getz, 2010).

Não obstante estas obras já terem alguns anos, podemos ver que no artigo sobre o progresso e perspetivas para a investigação sobre turismo de eventos, publicado pelo mesmo autor em

1www.genderintourism.com

2 Apesar de não destacar qualquer perspetiva de estudo, dado que considera que as prioridades dependem dos interesses de quem investiga, Getz (2007) identifica uma série de temas que podem ser investigados no âmbito dos eventos, bem como exemplos de questões de investigação para esses temas e possíveis métodos de investigação a utilizar.

27 2016, em conjunto com Stephen Page, a questão do género é identificada como um tema emergente, embora não seja referida de forma específica, isto é, sobre que perspetivas pode ser abordado, nem é referido na perspetiva da gestão dos eventos (Getz e Page, 2016b). Porém, se tivermos em atenção que é ainda o mesmo autor quem propõe que esta agenda deve ser dinâmica e que quem investiga deve ter uma atitude crítica no sentido de se arriscar a explorar diferentes disciplinas e perspetivas metodológicas de forma a gerar novas ideias e abordagens (Getz, 2008), e que Mair e Whitford (2013) indicam que haverá sempre áreas de interesse pessoal de quem investiga na área dos eventos, pelas quais estes são apaixonados, e que vão para além das agendas de investigação que possam ser desenvolvidas, consideramos que estamos a apresentar um trabalho pertinente e inovador, no sentido em que não são conhecidos estudos que abordem a gestão de eventos a partir do campo de análise do género.

Se o pioneirismo se apresenta como uma motivação extra para o desenvolvimento da investigação, este acarreta também alguns desafios, nomeadamente em termos de ancoragem bibliográfica e de garantia da adequabilidade dos métodos escolhidos, dado não existirem outros estudos que apresentem os pontos fortes e fracos sobre o que foi utilizado. Daí que tenhamos tido mais atenção à estrutura rigorosa do desenho da investigação, como, por exemplo, na definição de objetivos gerais e específicos que orientaram todo o trabalho, como se pode observar no Quadro 3, na página seguinte.

Pudemos, desta forma, identificar os aspetos mais detalhados sobre os quais pretendíamos obter informação, sobretudo em termos das perceções de diferentes intervenientes (Veal, 2018).

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Quadro 3 – Objetivos gerais e específicos da investigação (produção da autora)

Para conseguir atingir os objetivos traçados, gerais e específicos, o desenho da investigação, baseado nos tópicos abordados nos pontos anteriores, incluiu os métodos de recolha de dados que consideramos mais adequados, como se pode ver na Figura 3, na página seguinte, possibilitando a obtenção de dados sobre as mesmas temáticas através da utilização de diferentes métodos (Barbour, 2001).

29 Figura 3 – Desenho da investigação

(produção da autora)

Aplicámos, assim, o conceito de triangulação não só aos métodos, mas também às pessoas que integraram a investigação e ao tipo de dados recolhidos (Veal, 2018). A triangulação permite chegar a diferentes perspetivas sobre o objeto de estudo (Brunt, Horner e Semley, 2017) ou, de uma forma mais generalista, à resposta à questão de investigação, levando a um aprofundamento do conhecimento sob diferentes pontos de vista, promovendo a qualidade da investigação (Flick, 2007; Brunt, Horner e Semley, 2017).

Por um lado, pretendemos cruzar diferentes perspetivas a partir da triangulação de atores sociais (Berg, 2001), para aferir se o discurso é coerente, isto é, se as perceções são generalizadas ou se há diferenças consoante a forma de intervenção no processo de

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planeamento e produção de eventos. Por outro lado, a triangulação de métodos pretendeu dar mais confiabilidade e validade aos resultados, com o intuito de aferir se os resultados obtidos de diferentes formas e em relação a diferentes intervenientes seriam, ou não, convergentes (Barbour, 2001; Holloway, Brown e Shipway, 2010; Veal, 2018). Como apresentado anteriormente, um dos objetivos da triangulação de métodos foi confirmar a validade interna da investigação (Creswell e Miller, 2000; Barbour, 2001; Flick, 2007; Veal, 2018), dado que, pela combinação de diferentes linhas de visão, quem investiga consegue uma melhor e mais substantiva visão da realidade, bem como uma mais rica e mais completa ordem de símbolos e conceitos teóricos (Berg, 2001).

Neste sentido, apesar de ser difícil implementar devidamente uma triangulação visto que os dados recolhidos a partir de diferentes métodos nos chegam sob diferentes formas, não permitindo, por vezes, comparações, a utilização de uma estratégia qualitativa com recurso a diferentes métodos científicos permite-nos examinar a questão de investigação a partir de várias perspetivas, cada uma dando uma visão parcial e complementar do objeto de estudo (Barbour, 2001), reduzindo também as limitações inerentes a cada método científico utilizado (Brunt, Horner e Semley, 2017).

Em relação a cada um dos métodos aplicados (revisão bibliográfica, entrevista semiestruturada, grupo focal e observação direta) a sua escolha justifica-se, em grande parte, pela filosofia, abordagem e estratégia da investigação (Holdaway, 2000), como vimos anteriormente.

Numa outra perspetiva, e decorrente da própria forma como entendemos que se pode chegar ao conhecimento, a flexibilidade foi um dos aspetos que marcou também o desenho da investigação (Fox et al., 2014). Ou seja, a estrutura com que iniciámos o trabalho de campo foi sofrendo alterações à medida que íamos compreendendo o fenómeno, influenciando, assim, a própria construção do objeto de estudo, que se foi formulando progressivamente no contacto com o terreno (Guerra, 2006). Como referido anteriormente, novas temáticas foram surgindo ou questões que começámos a sentir que eram recorrentes acabaram por ganhar outro peso, o que nos obrigou a afinar alguns detalhes ao longo do processo. De qualquer maneira, apesar de alguns ajustes, a estrutura do desenho de investigação manteve-se desde o seu início, sobretudo para que se pudesse evitar qualquer inconsistência quer na recolha de dados, quer, depois, na análise dos resultados.

Esta estrutura teve também em conta a sua exequibilidade, atendendo a que a investigação é finita e por isso têm de ser cumpridos limites (Marshall e Rossman, 2011). Foi importante identificar o que era realmente possível implementar, tendo em conta as limitações de tempo,

31 recursos (financeiros e materiais) e deslocações, sobretudo as associadas ao trabalho de campo (Fox et al., 2014; Veal, 2018).

Por fim, no que diz respeito à ética da investigação, houve uma preocupação em refletir e trabalhar sobre diferentes aspetos, no sentido de equilibrar o papel de investigadora (objetividade) e de cidadã responsável (não criar danos ou angústia a terceiros) (Williams, 2003 cit. por Holloway, Brown e Shipway, 2010).

Apesar de não ser possível antecipar todas as situações que possam surgir e os seus contornos, pelo menos, quando tratadas desde o início, as situações que podem levantar questões éticas poderão ser mais facilmente identificadas por quem investiga e provavelmente melhor tratadas, ou mesmo assumidas e apresentadas de forma a contextualizar os resultados, conferindo-lhes robustez (Marshall e Rossman, 2011).

Neste sentido, tentámos preparar-nos, com antecedência, em relação aos aspetos que apresentamos de seguida: a forma como se estruturou o desenho da investigação pode ajudar a antecipar problemas que possam surgir em termos éticos (Marshall e Rossman, 2011); reflexão sobre o papel de quem investiga (sobretudo o grau de revelação e imersão, que será mais aprofundado na metodologia da parte prática); a reciprocidade, sobretudo quando a investigação trata de temas sensíveis ou tabu, como pode ser considerada a questão do género e dos papéis sociais; o consentimento informado por parte dos participantes e a garantia do anonimato; e a preparação da saída no âmbito do trabalho de campo. Se as primeiras preocupações foram já apresentadas em pontos anteriores, importa agora referir a importância do consentimento informado e o planeamento da saída.

Consentimento informado

O consentimento informado, que pode ser apresentado na forma escrita ou oral, vai ao encontro das perspetivas de proteção de dados pessoais, sobretudo no contexto legal das culturas ocidentais (Marshall e Rossman, 2011; Veal, 2018), e mais especificamente na Europa e em Portugal.

No caso da presente investigação, dependendo dos diferentes métodos, como será apresentado de forma mais específica no capítulo V, este foi importante sobretudo para proteger a identidade das pessoas que participaram nas entrevistas e grupo focal, garantindo-se o direito à privacidade na apresentação dos resultados (não são identificadas pessoas, empresas e localidades, e os dados são apresentados de uma forma global, embora os registos sonoros estejam guardados para esclarecimento de qualquer dúvida) (Fox et al., 2014; Brunt, Horner e Semley, 2017). Neste sentido, o anonimato e confidencialidade foram negociados com as pessoas que concordaram em cooperar (Burgess, 1997; Durbarry, 2018b). Este anonimato também foi

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importante para que as pessoas se sentissem à vontade para responder o que realmente pensavam e não o que, eventualmente, os seus pares pudessem esperar que respondam, isto é, no caso da presente investigação considerámos, para além da proteção de dados, a influência que a identificação dos participantes pudesse ter nos resultados (Brunt, Horner e Semley, 2017).

Deve também servir para informar os intervenientes sobre a investigação, nomeadamente o que se pretende investigar (objeto de estudo), a pessoa que investiga, os objetivos e o papel que terão enquanto intervenientes no trabalho de campo (Burgess, 1997; Marshall e Rossman, 2011; Brunt, Horner e Semley, 2017; Durbarry, 2018b; Veal, 2018). Neste contexto, e decorrente da experiência na presente investigação, consideramos que a linguagem utilizada deve ser adaptada para quem a irá receber. Poderá ser necessário simplificar as explicações e utilizar termos mais próximos do uso quotidiano, em vez dos conceitos teóricos debatidos na revisão da literatura.

O consentimento informado deve ainda ser bastante explícito em relação à liberdade de participação no estudo a realizar, sem prejuízo pessoal (Marshall e Rossman, 2011; Durbarry, 2018b; Veal, 2018), ou da possibilidade de retirar o consentimento e deixar de participar na investigação a qualquer momento (Brunt, Horner e Semley, 2017), bem como a autorização para a captação de imagem ou gravação áudio ou vídeo. Planear a saída

Preparar a saída, sobretudo depois de uma permanência prolongada no terreno é um aspeto importante, mas por vezes esquecido (Marshall e Rossman, 2011). É necessário planear para que se efetive a saída do trabalho de campo, mesmo que seja apenas um obrigada no final da entrevista ou a entrega de um cartão de agradecimento, ou a indicação de que serão disponibilizadas as principais conclusões da tese (Marshall e Rossman, 2011).