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Capítulo III. Eventos profissionais

III 2.6 Tendências futuras na área dos eventos

IV. 4 Masculinidades e feminilidades no contexto profissional

IV. 4.4 Género e comunicação

Tendo em conta que as interações sociais se concretizam também pela comunicação, ou seja, pela “transmissão de uma ideia ou de um pensamento a alguém, visando o entendimento ou a cooperação entre duas ou mais pessoas” (Amaral, 2017, p. 30), consideramos que este é um tema relevante na presente investigação. Importa, pois, compreender as diferentes formas de comunicação que podemos utilizar. Amaral (2017) apresenta três diferentes formas de comunicar: comunicação simbólica, comunicação não-verbal e comunicação verbal.

A comunicação simbólica é uma forma de comunicação passiva e muitas vezes inconsciente, que acaba por transmitir muitas mensagens. Podemos incluir nesta forma de comunicação os chamados sinais exteriores de riqueza ou os símbolos do estatuto social, como, por exemplo, a morada, o carro, o tipo de roupa ou dress code, ou até o penteado (Amaral, 2017). Esta forma de comunicação permite passar mensagens relacionadas com o estatuto hierárquico (Amaral, 2017) ou com o género, já que, como vimos, as diferenças sexuais começam por se traduzir, desde a infância, pela imagem exterior que se atribui a meninas ou meninos (Wharton, 2005). Assim, “desde a sinalização de um estatuto social à marca de uma condição familiar, as roupas e os objetos de adorno estão associados na história das civilizações à interpretação

165 dos papéis desempenhados pelos indivíduos nas comunidades de que fazem parte” (Oliveira, 2014, p. 145).

Se a comunicação simbólica pode ser considerada importante no contexto da interação social, tal como Oliveira (2014) entende, por exemplo, especificamente no que respeita ao vestuário, no contexto da gestão de eventos será importante dar atenção aos elementos desta forma de comunicação, que poderão ser utilizados como identificadores de masculinidades ou feminilidades, e até na sua ligação com as relações de poder que se estabelecem neste contexto, e se são, pelos atores do fenómeno, identificados como tal.

A comunicação não-verbal é a forma de comunicação que utiliza o corpo para exprimir determinados sentimentos ativamente, seja consciente ou inconscientemente (Amaral, 2017). Deste modo, esta pode incluir gestos, entoação, postura corporal ou atitudes.

Na análise desta forma de comunicação é importante compreender se as palavras correspondem à comunicação não-verbal que se está a estabelecer, no sentido de chegar a significados ou representações mais complexas do que o discurso, à partida, pode apresentar. Neste caso, os silêncios, as expressões faciais ou a entoação também podem indicar reforço ou significado contrário ao da mensagem que está a ser passada verbalmente.

É importante ter em conta que, dependendo do contexto cultural, os significados atribuídos a determinados gestos ou atitudes podem ser diferentes, o que implica que estes só podem ser analisados no enquadramento do fenómeno a estudar.

Tendo em conta que, na presente investigação, realizámos observação direta, entrevistas e grupo focal, numa aplicação maioritariamente presencial, esta forma de comunicação poderá vir a enriquecer os dados recolhidos.

A comunicação verbal, como o nome indica, é a forma que utiliza palavras como veículo transmissor para representar ideias, seja na oralidade, diretamente ou de forma intermediada, seja por escrito (Amaral, 2017). Muitas vezes é encarada como a forma de comunicação mais importante, embora esta seja complementada com as apresentadas anteriormente e deva ser enquadrada no contexto em que está a ser produzida, ou seja, a análise de discurso irá para além da análise de conteúdo, podendo trazer uma abordagem mais completa do fenómeno a estudar (Rocha, 2007; Coates e Pechler, 2011). É, por isso, importante que na análise de dados se dê atenção às pistas que revelam o contexto em que as coisas são ditas para se ter uma compreensão mais aprofundada, nomeadamente também em relação a assunções sobre normas de género referidas pelos intervenientes no estudo (Coates e Pechler, 2011).

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No que diz respeito à utilização da palavra enquanto veículo de transmissão de uma mensagem, há que ter em conta a língua em que se está a comunicar e a forma como as representações de estereótipos de género, ou as feminilidades e masculinidades, influenciam e acabam a utilização da própria língua. Na perspetiva do construcionismo social entende-se, ainda, que a língua é um importante recurso na produção de papéis de género e de identidades sociais generalizadas, sendo que é necessário tentar evitar a visão dicotómica, no respeito pelas diferenças que podem existir, mesmo de grupos que possam parecer coesos (Coates e Pechler, 2011).

Em primeiro lugar, a própria estrutura da língua pode ser mais ou menos neutra em relação ao género (Vigliocco e Franck, 1999; Coates e Pechler, 2011). Por exemplo, a possibilidade de existir um determinante artigo indefinido na terceira pessoa do singular e plural, ao qual pudesse corresponder uma forma neutra em termos de género nos nomes comuns e adjetivos, por exemplo, poderia resolver alguns desafios que, por vezes, encontramos para que o discurso possa ser o mais neutro possível, não lhe impondo uma conotação relacionada com as relações de género. É exemplo disso a importância que a rotulação formal dos grupos sociais tem tido para a perceção das distinções de categorias sociais (Zosuls et al., 2009). A utilização do masculino para fazer referência a cada um dos representantes da espécie humana vem do vocábulo homo, a qual, em latim, tinha exatamente este significado. No entanto, na evolução das línguas românicas a palavra passou a incorporar não só esta visão integradora mas também o género masculino, situação que se mantém até à atualidade (André, 2019).

São vários os casos de alteração de vocábulos ou expressões que vão surgindo no sentido de tornar a utilização da língua mais neutra, por exemplo, no âmbito da administração pública, embora ainda não aplicados de forma genérica a toda a linguagem institucional12. A título de exemplo, houve uma preocupação, em Portugal, por parte da Presidência do Conselho de Ministros em adotar uma expressão mais universalista, substituindo a expressão ‘Direitos do Homem’ por ‘Direitos Humanos’ “em todos os documentos oficiais do Governo e de todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos seus poderes de direção, superintendência e tutela” (Presidência do Conselho de Ministros, 2019, p. 586)

167 No caso da presente investigação, observando os casos do Quadro 21, pode compreender- se a opção que tomámos a este nível na redação da presente Tese, não por uma questão de resignação, mas antes para facilitar a legibilidade do documento.

Quadro 21 – Exemplos de utilização do género na língua portuguesa

Exemplo Quem está a identificar Os gestores de eventos são muito ativos. Homens que gerem eventos.

Homens e mulheres que gerem eventos. Os gestores e as gestoras de eventos são

muito ativos(as). Homens e mulheres que gerem eventos. As gestoras de eventos são muito ativas. Mulheres que gerem eventos.

A utilização do plural masculino para identificar grupos que incluem masculino e feminino é, inclusive, encarado por alguns autores como uma forma de prolongamento e perpetuação de patriarcados (Alvesson e Billing, 2009; André, 2019). A este nível das relações de poder, Unerman e Jacob (2016) identificam, inclusive, que é necessário que as mulheres usem a linguagem dos homens para que possam quebrar ‘glass ceilings’.

No entanto, quando há profissões que estão mais associadas a masculinidades ou feminilidades, como vimos anteriormente, o mesmo acontece, mas na forma inversa, já não havendo qualquer tipo de desconforto ao se utilizar o género feminino para caracterizar o grupo. Por exemplo, no contexto dos eventos, é comum ouvirmos falar de gestores de eventos, técnicos de som, cozinheiros, barman, empregados de mesa, chefes de sala, fotógrafos ou condutores de viaturas, mas também hospedeiras, bailarinas, empregadas da limpeza ou decoradoras.

É interessante que, à luz do que analisámos anteriormente, neste contexto dos eventos profissionais, as profissões associadas às masculinidades estão relacionadas com posições de poder e liderança (embora, na prática, tenhamos realizado que há mais mulheres a gerir eventos do que homens), ou com questões técnicas ou que impliquem força física. No caso das profissões mais ligadas às feminilidades, encontramos aquelas em que a imagem tem uma grande importância, podendo, em última análise, levar à ideia de objtetificação da mulher, ou aquelas às quais é atribuído um valor mais baixo, como a limpeza.

Numa outra perspetiva, é importante que quem investiga tenha abertura para encontrar qualquer tipo de configuração no que concerne à linguagem verbal que encontrará no trabalho de campo. Por exemplo, no contexto da gestão, podemos encontrar mulheres com discursos de poder e autoridade, adotando um estilo internacional emocionalmente inexpressivo, os quais são, normalmente, associados às masculinidades (Coates e Pechler, 2011).

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Por outro lado, a própria utilização das palavras no decurso da investigação, sobretudo neste campo de análise do género, deve ser cuidadosa, no sentido em que pode apresentar pressupostos que, inevitavelmente, vão influenciar a forma como se encara a pesquisa, a recolha de dados e a sua análise. É disso exemplo a utilização de expressões como diferenças ou desigualdades de género. Em primeiro lugar, a utilização do plural, como vimos em relação a alguns conteúdos, remete para a possibilidade de se encontrarem várias configurações do mesmo fenómeno, rejeitando-se a visão universal e ‘verdadeira’ e remetendo para uma generalização dos resultados, a qual já mostrámos, de várias formas, que não se adequa à investigação que agora apresentamos. Por outro, referir desigualdades pressupõe, à partida, que existem diferenças hierárquicas, o que nos parece prematuro para ser afirmado numa investigação exploratória. Apesar de a literatura remeter para a existência de muitas desigualdades no contexto das relações de género, optámos por olhar para o fenómeno de uma forma mais neutra, para que, na análise, pudéssemos aferir se as diferenças se traduzem efetivamente em desigualdades, e para que grupos sociais, já que as diferenças não implicam obrigatoriamente desigualdade, nem as semelhanças dão garantia de igualdade (Wharton, 2005).

Atendendo a que a perspetiva crítico-interpretativa do estudo do género incorpora, da perspetiva pós-estruturalista, a importância da linguagem na construção e reprodução das representações do género, embora não de forma autónoma e central, mas na conjugação com outros aspetos da interação social (Alvesson e Billing, 2009), será importante ter em conta este aspeto no âmbito da análise dos dados recolhidos.