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Cláusula do interesse nacional na OMC e em outros Estados-

3.3 O antidumping na OMC

3.3.1 O Acordo Antidumping

3.3.1.8 Cláusula do interesse nacional na OMC e em outros Estados-

A chamada “cláusula do interesse nacional” é a prerrogativa que os governos possuem de, mesmo nos casos em que estão presentes todos os elementos para a aplicação de medidas antidumping, deixar de aplicá-las. Nesse sentido, o artigo 9.1 do AAD estabelece que:

The decision whether or not to impose an anti-dumping duty in cases where all requirements for the imposition have been fulfilled, and the decision whether the amount of the anti-dumping duty to be imposed shall be the full margin of dumping or less, are decisions to be made by the authorities of the importing Member323.

Nesse dispositivo, o AAD prevê uma verdadeira “válvula de escape” para que, mesmo quando estiverem presentes os requisitos para a aplicação do antidumping, a medida não seja aplicada: o interesse nacional. Importante notar que o teste do interesse nacional não é imposto pelo AAD nem mesmo é estabelecido qualquer critério sobre como ele deverá ser feito. Assim, cabe a cada Estado- membro, a depender da forma como internalizou o Acordo, proceder (ou não) a esse exame, da forma como entender melhor. Assim, a forma como o AAD foi internalizado nos diversos Estados-membros poderá oferecer subsídios de como o interesse público deve ser entendido em matéria de antidumping.

323 Tradução nossa: A decisão se deve ou não impor um direito antidumping nos casos em que todos os requisitos para a instituição foram cumpridos, e a decisão se o montante dos direitos

antidumping a ser aplicado é a margem de dumping ou menor são decisões a serem tomadas pelas

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Na Argentina, em sua legislação sobre a matéria324, é previsto que: “su

recomendación de aplicación o no de derechos provisionales, teniendo en cuenta las demás circunstancias atinentes a la política general de comercio exterior y al interés público”325. A mesma consideração sobre o interesse nacional deve ser feita no momento da aplicação da medida definitiva. O interessante é que a legislação argentina explicitou que será considerada, na aplicação da medida, a política geral de comércio exterior. Assim, parece claro que a aplicação de direitos antidumping deverá respeitar os planos estratégicos do governo federal. Dessa forma, a redação da legislação argentina leva a crer que a análise do interesse público deve ser coerente com as outras políticas públicas.

A questão é que, na Argentina, é o Ministerio de Economia y Produccion326 que decide, sozinho, se um direito será ou não aplicado. Assim, a análise do interesse nacional poderá ser parcial, não considerando a perspectiva de outros Ministérios.

Por outro lado, a análise do interesse nacional no Canadá parece bem mais complexa. O Special Import Measures Act (SIMA)327, que internalizou os acordos firmados no âmbito da OMC, estabelece o procedimento a ser adotado para a avaliação do interesse canadense na aplicação de uma medida antidumping. No Canadá, o procedimento de avaliação de dumping é de responsabilidade da Canada Border Services Agency (CBSA)328; já o dano e nexo de causalidade, do Canadian

Trade International Tribunal (CITT)329.

O CITT também tem a responsabilidade de investigar a existência do interesse público. Com esse objetivo, é prevista no SIMA a fase do public interest inquiry330, a qual poderá ocorrer de ofício ou por requerimento de um interessado (interested person). O requerimento deverá ocorrer até 45 (quarenta e cinco) dias após a determinação do dano, e deverá conter fundamentação suficiente para convencer o CITT da pertinência do procedimento.

O procedimento se inicia com a publicação oficial. As partes qualificadas poderão receber questionários, bem como preparar suas manifestações. Além disso,

324 Artigos 25 e 30 do Decreto nº 1.393/2008.

325 Tradução nossa: a recomendação de implementação ou não do direito provisório, tendo em conta outras circunstâncias relevantes para a política geral de comércio exterior e o interesse público. 326 Ministério da Economia e Produção.

327 Ato sobre medidas de importação especiais. 328 Agência Canadense de Serviços de Fronteira. 329 Tribunal de Comércio Internacional Canadense. 330 Investigação do interesse público.

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o CITT normalmente realiza audiências para obter o testemunho das partes. Não existe prazo determinado para o exame do interesse nacional; esse será determinado pelo CITT, a depender da complexidade do assunto.

Caso o CITT conclua que existe interesse público em reduzir ou eliminar a medida antidumping, emitirá ao Ministério das Finanças um relatório, que deverá conter recomendações específicas, com a fundamentação para tal. É o ministro das Finanças quem decide se a medida será reduzida ou eliminada.

Ao contrário do que acontece na Argentina, onde o interesse nacional deve ser analisado de forma coerente com as políticas de comércio exterior, prevalece, no Canadá, a análise feita muito mais com base nos argumentos levados ao CITT por possíveis consumidores ou por fornecedores interessados na sobrevivência de determinada indústria, enfim, em outros motivos que não políticas governamentais.

Uma posição parecida é adotada na União Europeia:

Anti-dumping measures may not be applied if it is concluded that their imposition is not in the Community interest. To this end, all the various interests are taken into account as a whole, including the interests of the Community industry and of the users and consumers. All the parties concerned are given the opportunity to make their views known331.

O artigo 21 do Regulamento Europeu prevê que, no exame das considerações das partes interessadas, deve ser concedida especial atenção à necessidade de eliminar os efeitos de distorção do comércio provocados por dumping que cause prejuízo, bem como à necessidade de restabelecer uma concorrência efetiva.

Na Europa, o procedimento de avaliação do interesse da Comunidade se dá no início da investigação, em prazo determinado na abertura. Os peticionários; os importadores e as suas associações representativas; e os consumidores e as suas organizações representativas poderão fornecer informações à Comissão Europeia, as quais lhe permita decidir se existe ou não o interesse comunitário. As informações protocoladas deverão ser disponibilizadas para as demais partes, com o intuito de viabilizar o contraditório. Também poderão ser solicitadas audiências, especificando-se a razão de sua realização.

331 De acordo com o sumário do Regulamento CE nº 384/1996. Tradução nossa: Medidas

antidumping não podem ser aplicadas caso se conclua que a sua aplicação não é do interesse da

Comunidade. Para esse efeito, todos os interesses em jogo são considerados como um todo, incluindo os interesses da indústria comunitária e dos usuários e consumidores. Todas as partes interessadas têm a oportunidade de apresentar os seus pontos de vista.

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A Comissão Europeia examinará as informações e determinará em que medida elas são representativas, devendo os resultados dessa análise, juntamente com um parecer sobre o seu fundamento, serem transmitidos ao Comitê Consultivo332. Os diferentes pontos de vista expressos no Comitê deverão ser considerados na determinação final.

As partes que participaram da instrução referente ao interesse comunitário têm o direito de solicitar que lhe sejam disponibilizados os fatos e as considerações com base nos quais poderão ser tomadas as decisões finais. Tais informações serão divulgadas na medida do possível e sem prejuízo de qualquer decisão posterior adotada pela Comissão ou pelo Comitê.

Também na Europa o interesse público é muito mais voltado para os possíveis afetados com a medida do que para a coerência com outras políticas públicas ou planos nacionais.

Menos sofisticada é a análise indiana do interesse nacional. Na Índia, na verdade, a análise do interesse estaria implícita, pois a recomendação ou não de aplicação da medida é feita pelo Departamento de Comércio, que considera informações aportadas por diversas partes interessadas. Da mesma forma, a legislação australiana não estabelece um procedimento de análise do interesse nacional. Nos Estados Unidos e na Nova Zelândia, a análise do interesse público nem mesmo é feita.

Sendo assim, a análise do interesse nacional varia de acordo com a forma como o AAD foi internalizado pelos Estados-membros. Existe uma proposta do Canadá, no sentido de tornar obrigatória a análise do interesse nacional333. Nessa proposta, o interesse nacional seria analisado muito mais do ponto de vista dos países desenvolvidos, pois deveriam ser considerados os argumentos dos possíveis afetados pela medida, como consumidores finais ou industriais.

O problema de se precisar o que é interesse nacional é que um determinado país poderá perder a sua válvula de escape para não aplicar uma medida que seja, por exemplo, incoerente com macrometas estabelecidas para a nação. Essa questão será aprofundada mais à frente; no momento, basta dizer que, em nosso

332 O Comitê Consultivo é composto por representantes dos Estados-membros e por um representante da Comissão, na qualidade de presidente.

333 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). Public Interest (Proposta do Canadá). Documento nº TN/RL/GEN/85. Genebra, 17 nov. 2005.

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entendimento, o interesse nacional deve ser definido internamente por cada Estado- membro, e que, no caso brasileiro, está expresso na Constituição Federal.