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2.2 Teorias da Política Industrial

2.2.1 Teoria do Desenvolvimento Tecnológico

A Teoria do Desenvolvimento Tecnológico sustenta que o intercâmbio de tecnologia entre os países é imperfeito, mesmo quando existe intenso fluxo de capital, conforme explica Davide Castellani:

Multinational firms are traditionally considered as firms possessing some technological lead and exploiting this proprietary advantage in international markets. In this view firm’s core technology is developed by the parent company in the home country and knowledge flows mainly from centre to periphery, i.e. from the headquarters to foreign affiliates. […]170.

167 The Technological-trajectory Theory, citada por BORRUS, Michael G. Competing for control:

America’s stake in microelectronics. Cambridge: Ballinger, 1988; CASTELLANI, Davide. Export

behavior and productivity growth: evidence from Italian manufacturing firms. Review of World

Economics, Nova Iorque, v. 138, n. 04, p. 605-628, dez. 2002; e HART, Jeffrey A.; BORRUS,

Michael G. Display’s the thing: the real stakes in the conflict over high resolution displays. Journal of

Policy Analysis and Management, Nova Iorque, v. 13, n. 01, p. 21-54, 1994.

168 The Structuralist Theory, citada por SERVANT-SCHREIBER, Jacques. The American challenge. Nova Iorque: Atheneum, 1968; KRASNER, Stephen D. Defending the national interest: raw materials investment and American foreign policy. Princeton: Princeton University Press, 1978; e STOFFAES, Christian. A crise da economia mundial. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987. 169 The Institutionalist Theory, citada por ZYSMAN, John. Government, markets and growth. Nova

Iorque: Cornell University Press, 1983; HART, Jeffrey A.; BORRUS, Michael G., op. cit.; e TYSON, Laura D’Andreas. Who’s bashing whom? Trade conflict in high-technology industry. Washington: Institute for International Economics, 1992.

170 Firms’ technological trajectories and the creation of foreign subsidiaries. International Review of

Applied Economics, Londres, v. 16, n. 03, p. 359-371, jul. 2002, p. 361. Tradução nossa: As

empresas multinacionais são tradicionalmente consideradas como empresas que possuem algum avanço tecnológico e que exploram essa vantagem nos mercados internacionais. Desse modo, o núcleo tecnológico dessa empresa é desenvolvido pela empresa-mãe no país de origem, e os fluxos de conhecimento correm do centro para a periferia, ou seja, da sede para as filiais estrangeiras.

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Assim, mesmo com o número crescente de subsidiárias de empresas multinacionais em PEDs, a criação e a produção de novas tecnologias ficam restritas à matriz, não havendo fluxo suficiente de informação para o desenvolvimento da indústria doméstica em países periféricos capazes de gerar tecnologia própria. Essa teoria também afirma que, muitas vezes, a indústria nacional de países em desenvolvimento só poderia compensar o seu atraso em relação às tecnologias estrangeiras com a intervenção do Estado para assegurar o “first-mover advantages”171.

Jeffrey A. Hart e Aseem Prakash dão o exemplo da indústria de circuitos integrados (CI), na qual o custo médio declina profundamente com o passar do tempo, em virtude da capacidade dos produtores de otimizarem a produção, já que fazem o mesmo dispositivo mais durável e com menos silício172. Produtos os quais possuem CI e outros com alta tecnologia necessitam de licença (para a utilização da tecnologia patenteada) de difícil obtenção, além de, muitas vezes, não ser possível proceder à chamada reverse-engineer173.

Com base nessa teoria, Michael G. Borrus concluiu que seria necessária uma intervenção agressiva por parte do governo americano para que os Estados Unidos retomassem a sua posição de líder em indústrias de alta tecnologia no mundo, posição a qual estava perdendo para o Japão (o livro de Borrus foi publicado em 1988)174. A intervenção deveria ser uma combinação de proteção da indústria doméstica, direcionamento de investimentos e novas estratégias comerciais. Em 1988, Borrus deixava claro que, em se tratando de indústria de alta tecnologia, a dinâmica da globalização era diferente, sendo necessária a intervenção estatal.

O motivo pelo qual o fluxo de tecnologia não acompanhou a dinâmica da globalização estaria no fato de que a indústria matriz, geralmente localizada em um país altamente industrializado, dispõe de uma cadeia de fornecimento ao seu redor, o que resultaria em externalidades positivas para todo o grupo. Nesse sentido, Jeffrey A. Hart e Michael G. Borrus afirmam que:

171 Tradução nossa: vantagens do pioneiro.

172 Strategic trade and investment policies: implications for the study of international political economy.

The World Economy, Nottingham, v. 20, n. 04, p. 457-476, 1997, p. 460.

173 Em português: engenharia reversa. Engenharia reversa significa descobrir como os produtos já existem, funcionam e foram produzidos, para, a partir daí, desenvolver a sua própria tecnologia. Geralmente, isso pode ser feito facilmente, desmontando-se o produto e montando-o novamente, e, depois, projetando um novo produto. Enquanto cópias diretas de produtos ou tecnologias de produção geralmente são ilegais, a engenharia reversa normalmente é permitida.

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As electronics pervades the modern economy, industrial innovation depends centrally on the component, materials, machinery, and control technologies (i.e., software in digital electronics) that are combined to create new products and processes. Effective access for a domestic economy to those technological capabilities is a function of the available “supply base” or, to use a spatial metaphor, the “architecture of supply”. By “architecture of supply”, we mean the structure of the markets and of other organized interactions through which component, materials, and equipment technologies reach producers. The supply base affects producers in two ways. First, different architectures of supply can either enable or deter access to appropriate technologies in a timely fashion at a reasonable price. Second, different architectures of supply imply different opportunities to engage in the interaction and support (between suppliers and producers) that are necessary to effectively exploit the technologies that are accessible. These points are worth a closer look. The architecture of the supply base helps to structure technology access, timeliness to market, cost, and opportunities for interaction between suppliers and producers. To see how, consider a supply architecture in which suppliers of all relevant components, machinery, and materials are domestically based and all production capabilities local. Let us say that the suppliers are numerous and highly competitive. They interact with their customers through arms-length transactions in markets that are cleared by prices, and have the local capability to provide high levels of service and support on demand. They do not compete with their customers, and have no other strategic imperative than to make their products (i.e., machinery, components, materials) available to as wide a customer base as possible. This kind of supply architecture would ensure domestic producers easy access through the market to all relevant technologies in a timely fashion and at a reasonable cost. Moreover, it offers extensive opportunities for suppliers and producers to interact effectively. Since all relevant production and interaction is local with this supply architecture, the domestic economy is supported by a fully capable supply infrastructure. Technological learning cumulates indigenously. Technological spillovers and other external economies accrue locally to the benefit of the domestic economy. In fact, this architecture is a quite accurate description of both the electronics supply base of the U.S. economy through the mid-1970s, and the economic benefits that accrued to the U.S. economy as a result175.

175 Display’s the thing: the real stakes in the conflict over high resolution displays. Journal of Policy

Analysis and Management, v. 13, n. 01, p. 31-32. Tradução nossa: Como a eletrônica permeia a

economia moderna, a inovação industrial depende principalmente de materiais, máquinas e tecnologias de controle (isto é, o software em eletrônica digital), que são combinados para criar novos produtos e processos. O acesso efetivo de uma economia doméstica aos avanços tecnológicos é uma função da “base de fornecimento” disponível, ou, para usar uma metáfora espacial, da “arquitetura de fornecimento”. Por “arquitetura de fornecimento”, entendemos a estrutura dos mercados e de outras interações organizadas, por meio das quais componentes, materiais, equipamentos e tecnologias são disponibilizados aos produtores. A base de fornecimento afeta os produtores de duas maneiras. Em primeiro lugar, diferentes arquiteturas de fornecimento podem permitir ou impedir o acesso a tecnologias apropriadas em tempo hábil, a um preço razoável. Em segundo lugar, diferentes arquiteturas de fornecimento implicam diferentes oportunidades para exercer a interação e dar o apoio (entre fornecedores e produtores) que são necessários para explorar eficazmente as tecnologias que são acessíveis. Esses pontos são dignos de um olhar mais atento. A arquitetura da base de fornecimento contribui para a estrutura de

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A Teoria do Desenvolvimento Tecnológico se assemelha à Teoria Evolucionária, segundo a qual a inovação baseada no progresso técnico é fator determinante para a competitividade internacional. A inovação, por sua vez, seria limitada pela dificuldade de acesso à informação e pela carência da supply base (base de fornecimento) descrita na citação acima. Dentro dessa Teoria Evolucionária, Cristopher Freeman e Carlota Perez argumentam que existem quatro níveis de inovação: (1) incremental, diretamente derivada de processos de aprendizagem (“by doing” – por produção – ou “by using” – pelo uso) e sem maiores efeitos; (2) radical, resultante de atividades de pesquisa e desenvolvimento, e capaz de promover mudanças estruturais; (3) mudanças em sistemas tecnológicos, baseadas em combinações dos dois níveis anteriores, bem como em inovações organizacionais e administrativas, que surtem efeito sobre diversos setores da economia; e (4) mudanças no paradigma tecnológico, as quais têm efeitos sobre a economia inteira e criam um novo “regime tecnológico”176.

Assim, tanto a Teoria do Desenvolvimento Tecnológico quanto a Teoria Evolucionária defendem que, quanto mais profundo e frequente for o processo de inovação, maior será o progresso técnico-econômico. Uma mudança de paradigma tecnológico, por exemplo, em função da combinação de inovações em produtos, processos, técnicas e organizações, possibilita um salto de produtividade para a maior parte da economia, criando uma gama enorme de oportunidades de lucro e acesso à tecnologia, oportunidade de mercado, custos e oportunidades de interação entre fornecedores e produtores. Para ver como, considere uma arquitetura de fornecimento em que os fornecedores de todos os componentes relevantes, máquinas e materiais são baseados no mercado interno e todas as capacidades de produção são locais. Digamos que os fornecedores são numerosos e altamente competitivos. Eles interagem com os seus clientes por operações relacionadas, as quais são compensadas por preços e pela capacidade local para fornecer níveis elevados de serviço e apoio sob demanda. Eles não concorrem com os seus clientes e não têm nenhum outro imperativo estratégico senão tornar os seus produtos (ou seja, máquinas, componentes, materiais) disponíveis para a mais vasta base de clientes quanto possível. Esse tipo de arquitetura de fornecimento garantiria aos produtores domésticos fácil acesso a todas as tecnologias relevantes em tempo hábil e com um custo razoável. Além disso, ofereceria amplas oportunidades para os fornecedores e produtores de interagirem de forma eficaz. Uma vez que toda produção relevante e interação é local com essa arquitetura de fornecimento, a economia nacional é suportada por uma infraestrutura de abastecimento plenamente capaz. Aprendizagem tecnológica se acumula localmente. Centros tecnológicos e de outras economias externas se acumulam localmente para o benefício da economia nacional. Na verdade, essa arquitetura é uma descrição bastante precisa da base de fornecimento de sistemas eletrônicos da economia dos Estados Unidos até meados da década de 1970, e dos benefícios econômicos que ocasionaram para a economia americana.

176 FREEMAN, Cristopher, PEREZ, Carlota. Structural crises of adjustment, business cycles and investment behaviour. In: DOSI, G. et al (Ed.). Technical change and economic theory. Londres: Pinter Publishers, 1988, p. 40.

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investimento177, o que, por sua vez, qualifica o agente econômico na sua integração com o mercado produtor global. Desse modo, a inserção produtiva de uma empresa ou país será tão maior e tão melhor quanto maior a sua capacidade de gerar inovações.