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O procedimento administrativo para a aplicação de medidas

3.4 O antidumping no Brasil

3.4.1 O procedimento administrativo para a aplicação de medidas

O procedimento administrativo para a aplicação de direitos antidumping no Brasil se inicia com uma petição elaborada por uma parcela significativa da produção nacional335 (indústria doméstica336) de determinado produto. Aqui surge a primeira diferença entre o procedimento brasileiro e o que é exigido pelo AAD.

A autoridade brasileira costuma ser mais rígida comparada à exigência do AAD na aferição da representatividade do peticionário. Com efeito, o AAD permite que sejam iniciadas investigações as quais contenham dados de apenas 25% (vinte

335 Uma previsão que é pouco comentada na doutrina é a possibilidade de, em circunstâncias excepcionais, o governo federal, ex officio, abrir a investigação, desde que haja elementos de prova suficientes da existência de dumping, de dano e do nexo causal entre eles, que justifiquem a abertura. A abertura ex officio de investigação antidumping nunca ocorreu no Brasil.

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e cinco por cento) da produção nacional. No Brasil, por sua vez, normalmente são analisadas petições com dados de danos relativos a um percentual de 50% (cinquenta por cento) da produção brasileira. Mas isso não significa que a prática brasileira seja inconsistente com o AAD; pelo contrário, a exigência brasileira é bem superior ao mínimo estabelecido nos acordos internacionais.

A petição antidumping deverá ser instruída com base na Circular SECEX nº 21. A princípio, uma primeira análise da Circular pode indicar que não se trata de uma coleta de dados trabalhosa; no entanto, a prática demonstra que, por diversas vezes, uma investigação nem chega a ser iniciada por não se conseguir levar ao DECOM dados que sejam minimamente consistentes. O problema aumenta proporcionalmente ao número de indústrias que fornecem dados ao pleito, e talvez esse seja um dos motivos pelos quais, na maioria dos casos de aplicação de medidas antidumping, exista um alto grau de concentração337. Por isso, apesar de a utilização de consultorias especializadas ou de escritórios de advocacia não ser obrigatória, algumas vezes se mostra necessária.

A petição deve conter elementos de prova de dumping, de dano e de nexo causal entre as importações objeto de dumping e o dano alegado338. Essas informações são relativas à indústria doméstica, ao mercado, ao produto, ao produtor externo e ao dumping, e podem ser oferecidas em caráter confidencial, desde que demonstrada a sua sensibilidade. Após o protocolo das versões – uma confidencial e uma não confidencial – da petição, o DECOM procederá a uma análise preliminar, no prazo de 20 (vinte) dias. Se o Departamento entender que a petição está devidamente instruída, iniciará a investigação; caso contrário, solicitará informações complementares.

Na prática, é raro uma petição ser considerada devidamente instruída logo após o protocolo, sendo comum a autoridade brasileira requerer informações adicionais até mais de uma vez. Para cada pedido de informação complementar, conta-se novo prazo de 20 (vinte) dias para a autoridade se manifestar sobre a instrução da petição. Caso a autoridade se satisfaça com as informações aportadas no processo, o peticionário será notificado quanto à abertura da investigação no

337 Outro motivo seria que, quanto maior a fragmentação do setor, maior o incentivo ao free rider, que não precisaria custear o procedimento, beneficiando-se automaticamente em caso de imposição de uma medida.

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prazo de 30 (trinta) dias contados a partir da data em que a petição foi considerada devidamente instruída.

Com a publicação da circular de abertura, se inicia o contraditório do processo. As partes interessadas conhecidas serão notificadas e será concedido prazo de 20 (vinte) dias, contados a partir da data da publicação, para a habilitação na investigação. O procedimento brasileiro prevê, ainda, ampla oportunidade de defesa aos interessados, inclusive com o requerimento de audiências e aporte de informações.

O produtor estrangeiro receberá um questionário e terá 40 (quarenta) dias, prorrogáveis por mais 30 (trinta), para devolvê-lo ao DECOM, devidamente respondido. A participação do produtor estrangeiro vem aumentando nos últimos anos, inclusive quando se trata de exportadores localizados em economias não consideradas de mercado, em especial a China339.

O DECOM poderá realizar verificações in loco tanto nas informações fornecidas pela indústria doméstica quanto nas disponibilizadas pelo produtor estrangeiro. Não existe qualquer exigência de que essas verificações sejam efetuadas, mas o DECOM vem realizando-as sistematicamente em todas as investigações, inclusive em território estrangeiro. Essas verificações, teoricamente, resultam em uma melhora da qualidade dos dados aportados no processo, visto que somente a expectativa de sofrer uma conferência já poderia inibir o fornecimento de informações incorretas.

Caso as informações disponibilizadas não possam ser comprovadas na verificação in loco, ou caso as informações sejam prestadas fora do prazo estabelecido, o DECOM poderá estabelecer as suas conclusões com base nos fatos disponíveis, entre eles, os contidos na petição de abertura da investigação. A instrução é finalizada com uma audiência, na qual o DECOM informa as partes interessadas sobre os fatos essenciais os quais embasarão o seu posicionamento final. Geralmente, o documento com os fatos essenciais – chamado de nota técnica – é enviado às partes no dia anterior à audiência. Posteriormente, com base na nota técnica, o DECOM emite o seu parecer final sobre o caso.

339 Por atuarem em um mercado com alto grau de interferência governamental, os dados dessas empresas não costumam ser considerados pelo DECOM, e, por isso, a margem de dumping é geralmente estabelecida por país de origem e não por empresa investigada, o que diminuiria o incentivo em fornecer dados.

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A nota técnica é, na maioria das vezes, um documento bastante volumoso e importante para a defesa das partes, pois, o que não constar dele também não constará do parecer final. Assim, a não consideração de um argumento importante na nota técnica pode significar um desfecho final desfavorável, tendo em vista que a decisão final da CAMEX será tomada, primordialmente, com base no parecer final do DECOM.

Terminada a audiência final, contam-se 15 (quinze) dias para a manifestação formal das partes, oportunidade em que poderá ser feito o pedido de inclusão de determinada informação no parecer final. Findo o prazo, considera-se a instrução encerrada.

Todo o processo descrito deverá ser concluído um ano após a abertura, exceto em circunstâncias excepcionais, quando o prazo poderá ser de até 18 (dezoito) meses; no entanto, um direito antidumping provisório poderá ser aplicado 60 (sessenta) dias após a abertura da investigação, tendo vigência máxima de seis meses.

3.4.2 O processo decisório sobre a aplicação de medidas antidumping no