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No capítulo anterior, foi feita uma breve análise das políticas utilizadas por Inglaterra e Estados Unidos, dois dos países que mais defenderam o liberalismo econômico, para alcançarem a sua atual situação de desenvolvimento. Agora, importa especificar quais seriam essas políticas, aqui tratadas sob a rubrica de Políticas Industriais e Comerciais Estratégicas – em inglês, Strategic Trade and Industrial Policies (STIPs).

As recomendações em favor de uma política industrial são bastante antigas. Bem antes de Adam Smith e David Ricardo fazerem a defesa do livre comércio, já existiam propostas de definições de normas legais para intervir no mercado e garantir proteção e desenvolvimento de indústrias domésticas.

Nesse ponto, cabe citar Joseph Schumpeter, que, em sua obra “A Teoria do Desenvolvimento Econômico”, sustenta um pensamento específico sobre o que ele denominou “fenômeno fundamental” do desenvolvimento157, o qual muito se assemelha com a abordagem de Ha-Joon Chang. Essa teoria, buscando desviar-se da simples história econômica e da parte estática da doutrina, relacionou o processo de desenvolvimento econômico a mudanças endógenas e descontínuas na produção de bens e serviços. Em sua análise, destaca-se a figura do empreendedor (ou empresário schumpeteriano) como agente fundamental do processo de desenvolvimento econômico.

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A Teoria do Desenvolvimento Econômico de Schumpeter difere da Teoria Econômica Ortodoxa, pois admite mudanças descontínuas, ou “saltos” do sistema econômico com verdadeiras alterações de paradigmas. Tais mudanças só podem ocorrer com a inovação. Para exemplificar a sua teoria, Schumpeter comparou as ferrovias com as diligências: “Adicione sucessivamente quantas diligências quiser, com isso nunca terá uma estrada de ferro”158. Por outro lado, a Teoria Econômica Ortodoxa, conhecida como Teoria do Fluxo Circular, comporta apenas a tendência do sistema para o equilíbrio e as pequenas adaptações contínuas ao próprio sistema. Em outras palavras, para que países como o Brasil alcancem o nível de desenvolvimento dos países ricos, seria recomendável se apoiarem no modelo schumpeteriano.

Não por outra razão, ao relacionar a Teoria do Desenvolvimento Econômico preconizada por Schumpeter e as políticas industriais, José Matias Pereira ensina que:

A especificação dos objetivos e instrumentos de uma política industrial cuja base normativa repouse sobre a visão neo- schumpeteriana do funcionamento dos mercados é uma tarefa que ainda precisa ser realizada. Nesse sentido, a abordagem neo- schumpeteriana, ao privilegiar a dimensão firma como unidade de análise básica, endogeneizar as estruturas de mercado e enfatizar a natureza local e tácita do aprendizado e desenvolvimento tecnológico remete a intervenção do Estado para o âmbito sistêmico. Trata-se de promover a competitividade na sua dimensão sistêmica, através de ações que atuem sobre três tipos de fatores: (i) fatores que estimulem a criação de um ambiente competitivo, ou seja, de mercados que sejam capazes de exercer sua principal função sob o prisma schumpeteriano: a seleção das firmas mais eficientes, tendo em vista aumentar a eficiência do sistema econômico; (ii) fatores geradores de externalidades positivas à competitividade empresarial, tais como desenvolvimento de infra-estrutura adequada e educação básica; e (iii) fatores político-institucionais, tais como as políticas macroeconômicas e outras políticas de caráter horizontal159.

Sendo assim, quaisquer que sejam as intervenções estatais na economia, elas devem ser baseadas em um dos três fatores acima descritos, podendo ser divididas em: políticas industriais (intervenções estatais na atividade industrial dentro de suas fronteiras) e políticas comerciais (que envolvem comércio exterior). Enquanto as últimas – como as alíquotas de determinados impostos ou as políticas

158 A teoria do desenvolvimento econômico, p. 47, pé de página.

159 PEREIRA, José Matias. Política industrial e tecnológica e desenvolvimento. Revista Académica de

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cambiais – geralmente não fazem distinção entre empresas ou indústrias, as políticas industriais – como os subsídios para pesquisa e desenvolvimento (P&D), os subsídios fiscais e a alocação de crédito – são destinadas somente àquelas indústrias nas quais o Estado possui interesse estratégico.

O entendimento de que o Estado deve exercer um papel fundamental no processo inicial de desenvolvimento é compartilhado por Alexander Gerschenkron, que, em 1962, introduziu o conceito de “industrialização retardatária”, preconizando o seguinte:

The greater the degree of backwardness, the more intervention is required in the market economy to channel capital and entrepreneurial leadership to nascent industries. Also, the more coercive and comprehensive were the measures required to reduce domestic consumption and allow national saving160.

Em sua obra clássica, Gerschenkron expôs a experiência intervencionista do século XIX – em especial de Alemanha e Rússia, economias então retardatárias frente à Inglaterra. O modelo defendido pelo autor foi a base para a obra de Albert O. Hirschman, “Estratégia do Desenvolvimento Econômico”. Seguindo a linha de Gerschenkron, Hirschman critica os modelos de desenvolvimento preexistentes:

O desacordo com as doutrinas em voga é uma decorrência natural de tal esforço (de transformar o pensamento). Algumas vezes, só me apercebia disso quando estava elaborando as minhas próprias idéias. Em alguns setores, entretanto, há muito me mostrava insatisfeito com o estado atual dos nossos conhecimentos, por exemplo: as teorias existentes pareceram-me especialmente inaplicáveis pelo fomentador de decisões nos países subdesenvolvidos, quando precisam determinar pontos estratégicos básicos no plano de desenvolvimento, tais como assinalar prioridades de áreas ou setores ou a modalidade de esforço de industrialização a ser conseguido. Tenta-se abrir aqui novos caminhos à equação destes problemas161.

Mais tarde, Alice H. Amsdem deu a sua contribuição, afirmando que “contrary to Gerschenkron, then, government intervention may not be any greater the later the

160 Economic backwardness in historical perspective: a book of essays. Cambridge: Harvard University Press, 1962, p. 55. Tradução nossa: Quanto maior o grau de atraso, mais a intervenção é necessária na economia de mercado para guiar capital e liderança empresarial para as indústrias nascentes. Além disso, mais coercitivas e abrangentes são as medidas necessárias para reduzir o consumo interno e permitir a poupança nacional.

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industrialization. It may simply be different”162. Desse modo, Amsdem reescreve Gerschenkron nos seguintes termos:

The aphorism of Alexander Gerschenkron, therefore, may be restated as follows, taking for the granted his major original insight, that the chronological order of industrialization matters: the later a country industrializes in chronological history, the greater the probability that its major manufacturing firms will be foreign-owned163.

As ideias de Schumpeter e Gerschenkron acabaram por criar um ambiente propício à retomada ao argumento da indústria nascente após a Segunda Guerra Mundial para justificar a intervenção estatal para promover a industrialização de países em desenvolvimento da Ásia, África e América do Sul. Como via de consequência, o próprio livre comércio passou a ser contestado.

A evolução dessas ideias resultou no que se chama atualmente de Teoria da Política Industrial e Comercial Estratégica, a qual, diferentemente da Teoria da Indústria Nascente, preconiza, basicamente, que determinadas nações podem se beneficiar do livre comércio mais do que outras, se tomarem determinadas medidas intervencionistas.

Os teóricos clássicos do livre comércio consideravam o retorno da produção em escala constante ou em declínio (o custo médio total não é alterado à medida que a produção aumenta) e a existência de competição ideal em produtos e mercados (muitos produtores e poucas barreiras à entrada de novos competidores), bem como ignoravam a existência dos custos da informação. Já os teóricos da política industrial e comercial estratégica partem de premissas diferentes, deduzindo que as indústrias nacionais podem se beneficiar assimetricamente do comércio internacional com a intervenção do Estado em sua defesa, já que o mundo real se mostra bastante diferente do que é defendido nas teorias econômicas ortodoxas. Caso o governo o faça de maneira efetiva, poderá trazer não só lucros, mas também empregos e desenvolvimento para o seu território.

162 The rise of “the rest”: challenges to the west from late-industrializing economies. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 80. Tradução nossa: Contrariamente a Gerschenkron, então, a intervenção governamental pode não ser maior quanto mais tarde for a industrialização. Ela pode simplesmente ser diferente.

163 Ibidem, p. 81. Tradução nossa: O aforismo de Alexander Gerschenkron, portanto, pode ser reformulado da seguinte forma, considerando o ponto principal de sua ideia original, de que a ordem cronológica da industrialização importa: quanto mais tarde na história cronológica é a industrialização de um país, maior a probabilidade de que as suas principais empresas de produção sejam de propriedade estrangeira.

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Foi nesse contexto que surgiram as STIPs. Importante ressaltar que esse termo será empregado como sinônimo de política industrial lato sensu, definida por Warner Max Corden164, e Gerald Adams e Andrea Bollino165, como uma expressão abrangente de medidas e programas os quais, direta ou indiretamente, afetam o setor industrial. Sendo assim, seriam parte de uma política (ou estratégia) industrial os seguintes elementos: planejamento geral indicativo; formalização de diretrizes e objetivos; organização institucional específica; articulação com a política macroeconômica; targeting de indústrias ou tecnologias específicas; instrumentos e políticas auxiliares (políticas de comércio exterior, financiamento, políticas de fomento, políticas de regulação e competição); investimento em infraestruturas econômica e de ciência e tecnologia; sistema educacional e treinamento de mão de obra; e formação de recursos humanos especializados166.