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2.2 Teorias da Política Industrial

2.2.3 Teoria Institucionalista

A Teoria Institucionalista explica como os arranjos institucionais podem criar barreiras para importações e investimentos estrangeiros, além de direcionar as ações governamentais. O principal exemplo dado pelos doutrinadores partidários dessa teoria é o Japão, que teria um sistema de colaboração entre entes privados e governos, e a combinação de ambos (keiretsu). Essa prática garantiria vantagens para a indústria doméstica japonesa para competir no mercado internacional.

180 OLSON, Mancur, The logic of collective action: public goods and the theory of groups, p. 58. 181 KINDLEBERGER, Charles, The world in depression: 1929-1939, p. 88.

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Esse sistema japonês consiste em redes empresariais, cujas indústrias as quais as integram colaboram entre si com fins estratégicos, em especial no que se refere a negócios internacionais. O sistema japonês já foi motivo de crítica por parte dos Estados Unidos, por supostamente gerar uma barreira disfarçada ao livre comércio, a qual pode ser exemplificada no caso de peças para automóveis:

Particularly with respect to auto-parts, the concern is that vertical relationships within Japanese corporate groups, known as keiretsu, could act as a structural impediment to trade. The special nature of these relationships is perhaps one of the most distinguishing features of the Japanese auto industry. Auto producers, such as Nissan and Toyota, are involved in long term arrangements with their keiretsu suppliers or subcontractors. […] in return for long term commitment by the automaker, subcontractors make relationship specific investments that are specifically directed towards the needs of the auto maker and are of no value to firms outside the keiretsu group. Such investments would include the design costs of modifications that improve the fit or ease of assembly with other parts produced by the keiretsu, but which are not of relevance to the particular production process of other auto manufacturers. Another example might involve investment by the supplier in “just in time” delivery, such as building a plant close to the auto-maker’s plant or cooperating with other suppliers to coordinate delivery. “Just in time” production methods are a prominent feature of Japanese supply arrangements182.

Assim, uma estrutura empresarial característica de uma determinada nação beneficiaria a competitividade das indústrias domésticas, e, consequentemente, seria capaz de colocá-las em posição mais favorecida perante os seus competidores internacionais.

Outro exemplo de aplicação da Teoria Institucionalista teria ocorrido na Inglaterra. Nesse caso, faltava ao governo instituição para promover o desenvolvimento, conforme diz John Zysman:

182 SPENCER, Barbara J.; QIU, Larry D. Keiretsu and relationship-specific investment: a barrier to trade? NBER Working Paper, Massachusetts, n. 7.572, fev. 2000, p. 155. Tradução nossa: Particularmente com respeito a autopeças, a preocupação é que as relações verticais dentro dos grupos japoneses de empresas, conhecidos como keiretsu, poderiam agir como um impedimento estrutural para o comércio. A natureza específica dessas relações é talvez uma das características mais distintivas da indústria automobilística japonesa. Fabricantes de automóveis, como Nissan e Toyota, estão envolvidos em acordos de longo prazo com seus fornecedores de keiretsu ou subcontratados. [...] Em troca do compromisso de longo prazo com a montadora, os subcontratados fazem investimentos especificamente voltados para as necessidades da montadora e que não são de nenhum valor para as empresas de fora do grupo keiretsu. Esses investimentos incluem os custos de concepção de modificações que melhoram o ajuste ou a linha de montagem com peças de outros materiais produzidos pelos keiretsu, mas que não sejam de relevância para o processo de produção específico de outros fabricantes de automóveis. Outro exemplo pode envolver investimentos por parte do fornecedor para poder fazer entregas “just in time”, como construir uma montadora perto do fabricante ou cooperar com outros fornecedores para coordenar a entrega. O método “just in time” de produção é uma característica proeminente do regime de abastecimento japonês.

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In its attempts to promote economic development by exercising industrial leadership, the government confronted substantial institutional constraints. The organization of both the financial system and the state’s economic administration – constructed in years when Britain was an industrial pioneer with a preeminent position in international – markets-limited government’s ability to intervene systematically and purposefully in industry affairs to promote industrial redevelopment. The government’s struggle to build and reform institutions that would serve interventionist purpose opened up conflicts about the distribution of gains from growth and about the place of businessmen, bureaucrats, union leaders, and financiers in the governance of the economy. In parts as a consequence, the seemingly technical question of how to promote industry became a political struggle within the elite over who would govern the process. The broader battle about whether and how to conduct a promotional policy to reverse industrial decline shattered an underlying consensus about the need to give new priority to industrial growth. The will to modernize the economy was therefore dissipated in a struggle about who would gain and who would lose from development. The financial system enters the story as a source of constraints on state action and as a source of political conflict when the government attempted to lift those constraints183.

Todas as três teorias expostas possuem lições para países em desenvolvimento que buscam criar políticas industriais eficientes. A Teoria Institucionalista revela a importância dos órgãos governamentais e a cooperação dos mesmos com a iniciativa privada; uma releitura da Teoria Estruturalista indica que talvez fosse possível se beneficiar dos chamados bens públicos internacionais, caso nações em desenvolvimento conseguissem se utilizar dos mecanismos multilaterais disponíveis como compensação das limitações as quais lhe são impostas; e, em se tratando da Teoria do Desenvolvimento Tecnológico, vale notar que, talvez, ela possa ser considerada a mais importante das três teorias, pois, se no passado a indústria-chave foi a têxtil, é difícil negar que a indústria de alta

183 Government, markets and growth, p. 171. Tradução nossa: Em suas tentativas de promover o desenvolvimento econômico, exercendo a liderança da indústria, o governo enfrentou consideráveis limitações institucionais. A organização tanto do sistema de administração financeira quanto econômica do Estado – construído nos anos em que Grã-Bretanha foi pioneira industrial, com uma posição proeminente nos mercados internacionais –, limitou a capacidade do governo para intervir de forma sistemática e propositadamente para promover a reconversão industrial. A luta do governo para construir e reformar as instituições que serviriam ao intervencionismo gerou conflitos sobre a distribuição dos ganhos do crescimento e sobre o papel dos empresários, burocratas, líderes sindicais e financeiros na gestão da economia. Em algumas partes, como consequência, a questão aparentemente técnica de como promover a indústria tornou-se uma luta política dentro da elite sobre quem iria reger o processo. O conflito mais amplo sobre se e como conduzir uma política de promoção de inversão do declínio industrial quebrou um consenso subjacente sobre a necessidade de dar maior prioridade ao crescimento industrial. A vontade de modernizar a economia foi, portanto, dissipando-se em uma luta sobre quem ganharia e quem perderia com o desenvolvimento. O sistema financeiro entra na história como uma fonte de restrições sobre a ação do Estado e como uma fonte de conflito político, quando o governo tentou levantar essas restrições.

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tecnologia cumpra esse papel de agregar valor às exportações de países em desenvolvimento e promover diversos outros setores da economia.

A união das três teorias poderia oferecer subsídios para a criação de políticas industriais eficientes, principalmente considerando as atuais características do comércio internacional.

Duas das maiores características do processo de globalização econômica são a mobilidade de capital e o maior destaque dos produtos de alta tecnologia (technologisation of trade184), os quais podem tanto ser incorporados em produtos finais como utilizados em processos de produção de outros itens. Sendo assim, essa technologisation of trade cria incentivos para que os governos intervenham na economia para desenvolver domestic architectures-of-supplies (arquiteturas de fornecimento domésticas), permitindo que indústrias domésticas tenham acesso adequado a essas tecnologias com a presteza necessária para que sejam competitivas internacionalmente.

Essas architectures-of-supplies também funcionam como um forte atrativo para investimentos externos diretos, o que credencia o assunto para estar presente na agenda das negociações internacionais. A presença do tema nas negociações internacionais é ainda mais importante na medida em que, conforme afirma Laura D’Andreas Tyson:

Technology-intensive industries violate the assumptions of free trade theory and the static economic concepts that are traditional basis for US policy. In such industries, cost fall and product quality improves as the scale of production increases, the returns, to technological advance create beneficial spillovers for other economic activities, and barriers to entry generate market structures rife with first-mover advantages and strategic behavior. A nation’s competitive position in industries with these characteristics is less a function of its national factor endowments and more a function of strategic interactions between its firms and governments, and between them and the firms and governments of other nations185.

184 Entende-se por technologisation of trade a tendência de grande parte do valor comercializado entre os países corresponder a bens de alta tecnologia.

185 Who’s bashing whom? Trade conflict in high-technology industry, p. 78. Tradução nossa: Indústrias intensivas em tecnologia violam os pressupostos da teoria do livre comércio e os conceitos estáticos tradicionais da economia, que são base para a política dos Estados Unidos. Nessas indústrias, o custo cai e a qualidade do produto melhora com o aumento da escala de produção; os retornos, com o avanço tecnológico, criam repercussões benéficas para outras atividades econômicas; e as barreiras às entradas geram estruturas de mercado repletas de vantagens para o que toma a iniciativa e tem comportamento estratégico. A posição competitiva de uma nação em indústrias com essas características é menor em função da sua dotação de fatores nacionais e maior em função da interação estratégica entre as empresas e governos, e entre esses e as empresas e governos de outras nações.

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A citação acima expõe um ponto fundamental para o desenvolvimento do tema proposto neste trabalho. Mesmo para os Estados Unidos – nação hegemônica em diversos setores de alta tecnologia – não é interessante permanecer com políticas de livre comércio. Ora, se até para uma nação hegemônica esse sistema não é interessante atualmente, porque seria para PEDs, como o Brasil? Ainda mais considerando que a esse tipo de indústria poderia elevar o valor das exportações, incentivar a maior educação de seus cidadãos (já que ela exige empregados qualificados) e beneficiar a nação como um todo.

A questão é, se a Teoria Econômica Neoclássica não serve para elevar o padrão de vida em países em desenvolvimento, ela simplesmente não deve ser a base das políticas governamentais e das negociações internacionais em determinados setores da economia, como não o é para os países já desenvolvidos186. Da mesma forma, determinados acordos firmados no âmbito da OMC simplesmente não proporcionam um ambiente favorável para a agregação de valor aos produtos provenientes de PEDs. Um exemplo é o TRIPS, que impeliu países em desenvolvimento a implementar políticas excessivamente rígidas em matéria de propriedade intelectual. Nas palavras de Joseph E. Stiglitz:

[...] os direitos de propriedade intelectual criam, na verdade, um monopólio. O poder monopolista gera rendas monopolistas (lucros em excesso) e são esses lucros que supostamente oferecem o incentivo à pesquisa. As ineficiências associadas ao poder monopolista no uso do conhecimento são particularmente sérias, porque o conhecimento é o que os economistas chamam de “bem público”: todos podem potencialmente ser beneficiar dele, não há custos de utilização. Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos, disse isso de forma muito mais poética quando descreveu o conhecimento como uma vela – ao acender outra vela, a luz da vela original não diminui. Eficiência econômica significa que o conhecimento deveria ser posto à disposição livremente, mas o regime de propriedade intelectual destina-se a restringir a utilização. A esperança é que as ineficiências do poder monopolista sejam contrabalançadas pelo aumento da inovação, de tal modo que a economia cresça com mais rapidez187.

186 Um bom exemplo disso são os subsídios agrícolas, os quais não obedecem à mesma lógica das negociações de bens manufaturados, ou seja, ainda são “aceitáveis” perante os acordos da OMC, unicamente porque a agricultura em países em desenvolvimento, em especial no Brasil, é bem mais competitiva do que o mesmo setor nos Estados Unidos ou na Comunidade Europeia.

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Outro fato histórico que demonstra a importância de um regime de propriedade intelectual adequado para os PEDs é justamente a forma como as nações dominantes de hoje tratavam o tema no passado. Segundo Ha-Joon Chang:

Convém observar que esses primeiros regimes de direito de propriedade intelectual (DPI) eram muito “deficientes” a julgar pelos padrões atuais. Em muitos países, os sistemas de patente careciam de exigências de disclousure, incorriam em custos elevadíssimos para fazer processar os requerimentos de uso que davam proteção inadequada aos concessionários. A maioria das leis de patente era muito frouxa na verificação da originalidade da invenção. Nos Estados Unidos, por exemplo, até a reforma da lei em 1836, concediam-se patentes sem nenhuma prova de originalidade. Isso levou não só ao patenteamento de tecnologias importadas, como animou muitos escroques a tratar de “ganhar dinheiro” patenteando artefatos já em uso (“falsas patentes”)188.

Por fim, cumpre ressaltar que nenhum país avançado chegou ao seu atual nível de desenvolvimento econômico e social sem o suporte da ciência e da tecnologia (C&T), visto que dificilmente existe o primeiro (desenvolvimento), sem a contribuição do segundo (C&T). A competição entre os países desenvolvidos pela apropriação da informação, do conhecimento e do desenvolvimento da inovação no mundo contemporâneo demonstra que os países emergentes, como é o caso do Brasil, devem implementar esforços os quais permitam construir um modelo de desenvolvimento tecnológico autônomo, no qual o aperfeiçoamento do sistema de propriedade intelectual não pode ser desconsiderado. Uma política industrial moderna e estruturada parece oferecer a base para a construção de estratégias desenvolvimentistas eficientes.

Por outro lado, também é necessário que tais políticas industriais sejam coordenadas como políticas comerciais, pois conforme afirmam Jeffrey A. Hart e Aseem Prakash:

[...] Strategic Trade and Industrial Policies (STIPs) need to be seen as two synergistic pillars of state interventions to support domestic firms in the global economy. Though economic globalization, technologisation or traded goods and the increasing economic salience of multinational corporations (MNCs) constrain contemporary governments, they also create incentives and new rationales for state interventions in the form of STIPs189.

188 Kicking away the ladder: development strategy in historical perspective, p. 146

189 Strategic trade and investment policies: implications for the study of international political economy.

The World Economy, v. 20, n. 04, p. 459. Tradução nossa: [...] Políticas Comerciais e Industriais

Estratégicas (STIPs) precisam ser vistas como dois pilares sinérgicos das intervenções estatais para apoiar as empresas nacionais na economia global. Apesar de a globalização econômica, a tecnologização das mercadorias negociadas e o aumento da relevância econômica das

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Sendo assim, é indispensável para a compreensão do tema ora exposto um maior aprofundamento sobre as Teorias do Comércio Internacional, o que será feito no próximo item.