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3.3 O antidumping na OMC

3.3.1 O Acordo Antidumping

3.3.1.2 Determinação do dano material

O dano material definido pelo artigo 3º do Acordo Antidumping é o mesmo descrito no artigo VI do GATT, ou seja, dano material causado a uma indústria nacional, ameaça de dano material ou atraso real na implantação de tal indústria. O que se especifica no AAD é a forma de determinação desse dano.

Segundo o artigo 3º do AAD, a determinação do dano deverá se basear: (i) no volume das importações a preços de dumping, (ii) no efeito dessas importações sobre os preços do país importador e (iii) no consequente impacto de tais importações sobre os produtores nacionais desses produtos.

Sobre o primeiro fundamento, o Acordo obriga as autoridades a ponderar se houve aumento significativo das importações, tanto em termos absolutos quanto em relação à produção ou ao consumo do país importador. Assim, excetuadas outras formas de análise, a autoridade deverá ponderar o volume de importações com o mercado aparente de determinado produto e com a produção da indústria doméstica do produto similar. Se, por exemplo, as importações a preço de dumping aumentaram 100% (cem por cento), mas o mercado aparente aumentou 150% (cento e cinquenta por cento) e a relação entre o volume importado e o volume produzido também aumentou, isso pode significar que o produtor doméstico perdeu mercado para o produto importado. As análises importação versus consumo aparente e importação versus produção são apenas exemplificativas. Na prática, diversas outras verificações são feitas para se avaliar o efeito das importações no produtor doméstico.

Com relação ao efeito das importações a preços de dumping sobre os preços do país importador, as autoridades encarregadas da investigação deverão levar em conta se os preços dos produtos importados a preços de dumping são significativamente menores do que os preços dos produtos similares no Estado- membro importador, ou ainda, se tais importações tiveram por efeito deprimir significativamente os preços ou impedir aumentos significativos que teriam ocorrido na ausência de tais importações. Nessa análise, o que se faz é a comparação do preço de exportação com o preço praticado pelo produtor doméstico, encontrando- se a margem de dano. Recomenda-se a aplicação da margem de dano quando for inferior à margem de dumping (a chamada “regra do menor direito” ou lesser duty).

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Apesar de recomendada, não existe obrigatoriedade na aplicação da regra do menor direito306.

Quando existe uma margem de dano elevada e grande disposição dessa mercadoria no mercado do país importador, pode ser que o produtor doméstico seja obrigado a diminuir os seus preços para se manter no mercado. Assim sendo, bastaria equalizar os preços do produto nacional com os do importado, no mercado do país que impõe a medida, para que o dano seja sanado, sendo dispensável a aplicação da margem de dumping “cheia”.

Embora a aplicação do lesser duty seja considerada um avanço e seja efetuada pela maior parte dos membros da OMC, ainda existem exceções e críticas importantes. Nesse sentido, Edwin Vermulst e Gary Horlick:

The subject that has come in for most criticism in the country studies is the calculation of injury margins on the basis of the lesser duty rule in Article 9.1 of the ADA. On the positive side, while the application of the lesser duty rule is not mandatory under the ADA, it would appear that most of the jurisdictions covered by this project – the major exception being the United States – in fact do apply a lesser duty rule. On the negative side and presumably because of the absence of any regulation in the ADA, practices vary widely both between countries and within countries. Some of the problematic aspects signaled by the authors of the country studies include: • the calculation of only one injury margin for all exporters from all countries; • unjustified and non-transparent calculation of target prices; • unpredictable calculation of reasonable profit in target prices; • on the exporters’ side, Brazil relies on import statistics, rather than exporters’ actual data; • zeroing of non-injurious export transactions; • weighing on the basis of exporters’ sales and disregard of domestic models for which no comparable export models exist in the calculations307.

306 Existem propostas formais – como as do Brasil, Hong Kong (China), Índia e Japão – para tornar obrigatória a aplicação da regra do menor direito. Cf. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). Proposals on the mandatory application of the lesser duty rule (Propostas do Brasil, Hong Kong - China, Índia e Japão). Documento nº TN/RL/GEN/99. Genebra, 03 mar. 2006.

307 Problems with dumping and injury margin calculations in ten user countries. Global Trade and

Customs Journal, Bedfordshire, v. 02, n. 01, p. 01-05, 2007, p. 04. Tradução nossa: O tema que

mais é alvo de críticas nos estudos dos países é o cálculo das margens de dano com base na regra do menor direito do Artigo 9.1 do AAD. No lado positivo, enquanto a aplicação da regra do menor direito não é obrigatória no âmbito do AAD, parece que a maioria das jurisdições abrangidas por esse projeto – a grande exceção sendo os Estados Unidos – aplica a regra do menor direito. No lado negativo, e, presumidamente devido à ausência de qualquer regulação no AAD, as práticas variam muito, tanto entre países como dentro dos países. Alguns dos aspectos problemáticos sinalizados pelos autores dos estudos de países incluem: • um cálculo da margem de dano apenas para todos os exportadores de todos os países; • cálculo dos preços-alvo não justificado e não transparente; • imprevisibilidade do cálculo do lucro razoável nos preços-alvo; • do lado dos exportadores, o Brasil se baseia em estatísticas de importação, ao invés de em dados de exportadores reais; • zeroing às operações não prejudiciais de exportação; • definição de pesos com base nas vendas dos exportadores e desrespeito dos modelos nacionais, para os quais não existem modelos comparáveis de exportadores nos cálculos.

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Para que possa haver a aplicação da medida, o impacto do volume das importações e da margem de dano deve gerar efeitos negativos na indústria doméstica, como por exemplo, a diminuição de sua produção, das vendas no mercado interno, da utilização da capacidade instalada, da margem de lucro ou do lucro operacional bruto; o aumento de estoques; entre outros.

O Acordo assevera que os indícios de dano, em conjunto ou isoladamente, não deverão necessariamente ser considerados como indicação decisiva. Dessa forma, não é necessário que todos os indícios indiquem dano, assim como a existência de apenas um não será decisiva para a aplicação da medida. Caso, por exemplo, as vendas para o mercado interno e a produção de determinada indústria tenham aumentado, os estoques tenham caído, mas a sua margem de lucro tenha sido retraída, ainda que só exista esse elemento de dano, ele pode ser decisivo na análise da autoridade investigadora, caso a mesma entenda que o aumento de vendas e o consequente aumento de produção e diminuição de estoques só ocorreram porque a indústria doméstica sacrificou as suas margens. Por outro lado, mesmo com todos os indicativos de dano presentes, a autoridade pode entender que eles não decorreram da concorrência desleal estrangeira, mas de outros fatores, como por exemplo, os volumes e os preços de outras importações que não procedentes da origem investigada; a contração na demanda ou mudanças nos padrões de consumo; as práticas restritivas ao comércio; a concorrência entre produtores nacionais e estrangeiros; o progresso tecnológico; o desempenho exportador; ou a produtividade da indústria nacional.

A verificação do dano material certamente está entre os temas que mais foram objeto de análise pelo OSC. Isso porque, apesar de haver os parâmetros de análise, ainda existe grande discricionariedade da autoridade nacional na avaliação do dano.

Quanto à ameaça de dano, o Acordo estabelece que a aplicação da medida deve basear-se em fatos, como por exemplo, a existência de motivo convincente para acreditar que haverá, em futuro próximo, aumento substancial na importação de produtos a preços de dumping, e não meramente em alegações, conjecturas ou possibilidades remotas. Segundo o Acordo, deve ser feita a análise de pelo menos quatro fatores para a determinação da ameaça de dano: (i) taxa de crescimento da disponibilidade no mercado interno de produtos importados a preços de dumping; (ii) quantidade disponível ou iminente aumento substancial na capacidade do

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exportador; (iii) possibilidade de as importações serem realizadas a preços que terão significativo efeito para deprimir ou suprimir preços internos; e (iv) estoques do produto sob investigação.

A aplicação de uma medida antidumping com base na ameaça de um dano iminente tem poucos exemplos práticos. O Brasil, atualmente, não tem nenhum caso em que tal argumento foi utilizado, talvez porque seja difícil aportar indícios de que, em um futuro próximo, a indústria doméstica sofrerá um dano, sem que exista, em certa medida, uma conjectura. O Acordo faz ainda um alerta expresso que, mesmo nos casos em que existe ameaça de dano por motivo de importações a preços de dumping, a aplicação de medidas antidumping deve ser avaliada e decidida com especial cuidado.

A análise da ameaça de dano foi objeto do contencioso U.S. - Softwood Lumber VI. Na ocasião, o Painel se manifestou no sentido de que: “we cannot conclude that the finding of a likely imminent substantial increase in imports is one which could have been reached by an objective and unbiased investigating authority”308. E, portanto, concluiu que a decisão da autoridade americana –

International Trade Commission (ITC)309 – de aplicar a medida antidumping definitiva baseada na ameaça de dano material não era consistente com o AAD.