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As Teorias do Comércio Internacional podem ser incorporadas em dois grupos.

No primeiro, encontram-se as Teorias Ortodoxas do Comércio Internacional, que são a Teoria das Vantagens Absolutas, de Adam Smith; a Teoria das Vantagens Comparativas, de David Ricardo; e, a mais recente, a Teoria baseada no chamado Modelo H-O, de Eli Hecksher e Bertil Ohlin. O segundo grupo, abalizado no modelo de Joseph Schumpeter e Alexander Gerschenkron, é representado pela Teoria do Comércio Internacional Estratégico.

2.3.1 Teorias Ortodoxas do Comércio Internacional

Conforme já citado, Adam Smith construiu a sua teoria para o comércio internacional baseado nas vantagens absolutas, ou seja, se um país A possui vantagem absoluta ou meio de produção para fabricar automóveis, e o país B, vantagem absoluta para produzir bicicletas, ambos terão vantagens com o comércio livre – com o país A exportando carros e o país B exportando bicicletas.

A Teoria Ricardiana para o comércio internacional, também conhecida como Teoria Clássica, sustenta que a análise do comércio internacional deve ser feita com base na vantagem relativa (ou comparativa) e não em vantagens absolutas. Para demonstrar a sua teoria, David Ricardo formulou o já citado exemplo, no qual considerando dois países – Portugal e Grã-Bretanha –, o comércio internacional poderia ser benéfico para ambos, a despeito de a Grã-Bretanha ser mais produtiva corporações multinacionais (MNCs) constrangerem os governos contemporâneos, também criam incentivos e novas justificativas para as intervenções do Estado na forma de STIPs.

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do que Portugal tanto em produtos agrícolas quanto em manufaturados, pois não o é na mesma proporção.

No entanto, a suposição do modelo clássico de que há apenas um fator de produção (i.e., o trabalho) operando com base em coeficientes técnicos fixos mostrou-se bastante irrealista. Assim, a teoria ortodoxa mais recente do comércio internacional modificou a explicação concernente às vantagens comparativas. A ideia básica por trás dessa última teoria é a de que os países diferem quanto à dotação relativa de fatores de produção, que agora passam a ser tanto o trabalho quanto o capital.

Essa teoria ortodoxa mais moderna foi desenvolvida por Eli Hecksher e Bertil Ohlin (por isso tratada como Modelo H-O), e também identifica a vantagem comparativa como base para o comércio internacional, tendo as seguintes primícias: (i) os fatores de produção são móveis dentro do país, mas não entre países; (ii) os mercados, tanto nacional como internacional, são perfeitamente competitivos, e não existem lucros excessivos; (iii) os retornos com a escala de produção são constantes; (iv) não existem custos de aquisição de tecnologia, não sendo a tecnologia uma fonte de vantagens comparativas; e (v) os bens são intensivos em diferentes fatores de produção (i.e., países ricos em mão de obra exportariam produtos intensivos em mão de obra, e países ricos em capital exportariam bens intensivos em capital).

Assim, as duas diferenças fundamentais do modelo ricardiano para o modelo H-O são que o segundo: (i) considera dois fatores de produção (capital e trabalho); e (ii) pressupõe que as tecnologias de produção são idênticas em ambos os países. No modelo H-O, as vantagens comparativas e o comércio são determinados por diferenças internacionais nas dotações de fatores. Os países têm vantagens comparativas naqueles bens cuja produção requer fatores relativamente abundantes domesticamente, ou seja, fatores endógenos de determinado país ou região.

De acordo com a Teoria H-O, um país exportará a commodity cuja produção é intensiva no fator relativamente mais abundante domesticamente. Assim, por exemplo, a especialização dos países latino-americanos na produção de produtos primários para a exportação, associada à importação de produtos manufaturados, seria um corolário do teorema de Hecksher-Ohlin, dado que esses países possuem uma abundante dotação de recursos naturais e de mão de obra de baixa qualificação. Mesmo nesse modelo mais moderno, permanece a ideia de que um

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país como o Brasil jamais poderia exportar aviões, sendo economicamente mais coerente exportar soja.

Segundo as teorias ortodoxas, deve-se aderir às regras do livre mercado, admitindo que, devido ao predomínio de estruturas de mercado em concorrência imperfeita (notadamente oligopólios), de externalidades, de informação assimétrica e de bens públicos, os mercados podem falhar (“falhas de mercado”) na alocação de recursos os quais proporcionem bem-estar para toda a população. Somente em caso de falhas de mercado, os governos deveriam lançar mão de políticas intervencionistas, porém privilegiando instrumentos de política industrial horizontal os quais beneficiem o sistema econômico como um todo, e não um ou mais setores em detrimento dos demais.

Os autores neoclássicos tradicionais utilizam três argumentos contrários à adoção de políticas industriais setoriais: (i) alegam que mecanismos de proteção de indústrias específicas provocam fortes distorções na alocação de recursos e, por conseguinte, redução da produtividade da economia190; (ii) suspeitam que benefícios setoriais tendem a fomentar o aparecimento de atividades e rendas improdutivas (rent-seeking)191; e (iii) asseguram que, tal como os próprios mercados, os governos também podem errar (falhas de governo), tanto na identificação correta das falhas de mercado quanto na seleção precisa dos prováveis setores passíveis de proteção.

Paul R. Krugman faz um interessante contraponto nas críticas às STIPs, ao afirmar que: “[...] showing that free trade is better than no trade is not the same thing as showing that is better than sophisticated government intervention”192.

Em qualquer das teorias ortodoxas, duas críticas são igualmente pertinentes: (i) embora as vantagens comparativas criem ganhos a partir do comércio e da especialização, esses ganhos podem ser distribuídos de forma desigual entre os países; e (ii) todas as teorias ortodoxas favorecem a permanência das relações de poder entre os países no cenário internacional.

190 CORDEN, Warner Max. Trade policy and economic welfare. 2. ed. rev. Oxford: Oxford University Press, 1997, p. 62.

191 KRUGMAN, Paul R. Is free trade passé? Journal of Economic Perspectives, Nashville, v. 01, n. 02, p. 131-144, Fall 1987, p. 140.

192 Ibidem, p. 150. Tradução nossa: mostrar que o livre comércio é melhor do que não existir comércio não é a mesma coisa que mostrar que é melhor do que intervenções governamentais sofisticadas.

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2.3.2 Teoria do Comércio Internacional Estratégico

Deve-se registrar que os teóricos do comércio internacional estão divididos em duas posições: os que – como James A. Brander e Barbara J. Spencer193, Laura D’Andreas Tyson194, entre outros – defendem a política comercial estratégica, e os que – como Avinash K. Dixit195, Gene Grossman e Elhanan Helpman196, Jonathan Eaton197, entre outros – criticam essa política.

As principais posições desses dois grupos foram reunidas e editadas por Paul R. Krugman. Segundo o economista, o argumento da política comercial estratégica:

[...] begins with the observation that in a world of increasing returns and imperfect competition, luck firms in some industries may be able to earn returns higher than the opportunity cost of resources they employ. For example, suppose that economies of scale are sufficiently large in some industry that there is only room for one profitable entrant in the world market as a whole; that is, if two firms were to enter they would both incur losses. Then whichever firm manages to establish itself in the industry will earn super-normal returns that will not be competed away198.

Assim, os teóricos partidários do comércio internacional estratégico entendem que, em circunstâncias especiais, ganhos podem ser transferidos para as indústrias domésticas, além de permitirem que países em desenvolvimento exportem bens com maior valor agregado.

James A. Brander e Barbara J. Spencer sustentam que, em determinados setores da economia com concorrência imperfeita e lucros extravagantes, a utilização da ajuda governamental poderia mover os lucros para as indústrias

193 International R&D rivalry and industrial strategy. Review of Economic Studies, Londres, v. 50, p. 707-722, 1983, p. 720.

194 Who’s bashing whom? Trade conflict in high-technology industry, p. 35.

195 Optimal trade and industrial policy for the U.S. automobile industry. In: FEENSTRA, Robert (Ed.).

Empirical research in international trade. Cambridge: MIT Press, 1988, p. 82.

196 Protection for sale. American Economic Review, Nashville, v. 84, n. 04, p. 833-850, set. 1994, p. 836.

197 Optimal trade and industrial policy under oligopoly. American Economic Review, Nashville, v. 67, p. 297-308, 1977, p. 300.

198 Is free trade passé? Journal of Economic Perspectives, v. 01, n. 02, p. 134. Tradução nossa: [...] começa com a observação de que, em um mundo de retornos crescentes e concorrência imperfeita, algumas empresas de sorte em alguns setores podem ser capazes de obter retornos superiores ao custo de oportunidade dos recursos que empregam. Por exemplo, suponha que as economias de escala são suficientemente grandes em alguns setores e que só existe espaço para um novo agente no mercado mundial como um todo, isto é, se duas empresas atuarem, as duas incorreriam em perdas. Então, qualquer empresa que consiga se estabelecer no setor vai ganhar retornos anormais, que serão concorridos por outras.

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domésticas, de modo que os seus lucros excedam os gastos com subsídios199. Desse modo, no geral, haveria um ganho para o país como um todo. Os autores exemplificam a aplicação da Teoria do Comércio Internacional Estratégico nos seguintes termos:

[…] Imagine that there is some good that could be developed either by an American or European firm. If either firm developed the product alone, it could earn large profits; however, the development cost are large enough that it will have a protected domestic market, they may ensure that their firm enters while deterring the US firm – and thereby also ensure that Europe, not America, gets the monopoly profits200.

Nesse mesmo sentido, Laura D’Andreas Tyson ensina que a Teoria do Comércio Internacional Estratégico “have demonstrated that under conditions of increasing returns, technological externalities, and imperfect competition, free trade is not necessarily and automatically the best policy”201.

A Política Comercial Estratégica não se confunde com a intervenção governamental em setores estratégicos. Segundo Kenneth Flamm, essa última pode gerar externalidades apenas para a economia nacional, e não necessariamente possui vínculos fora das fronteiras. O autor exemplifica a sua observação: um subsídio governamental para promover a construção de redes de fibra ótica, caso não venha a melhorar em nada a competitividade internacional de uma indústria doméstica, não será uma política comercial estratégica202.

Aliadas, a Teoria da Política Comercial Estratégica e a Teoria do Desenvolvimento Industrial podem resultar em Strategic Trade and Industrial Policies (STIPs) mais eficazes. Em virtude de todas as características das indústrias de bens manufaturados, a combinação de políticas industriais e comerciais dirigidas para o desenvolvimento da architecture-of-supply poderia permitir que indústrias domésticas conseguissem competir em mercados globais caracterizados por lucros

199 International R&D rivalry and industrial strategy. Review of Economic Studies, v. 50, p. 715. 200 Tradução nossa: Imagine que um determinado bem poderia ser desenvolvido tanto por uma

empresa americana quanto por uma europeia. Se qualquer empresa desenvolver o produto sozinha, poderia ganhar grandes lucros; no entanto, os custos de desenvolvimento são grandes o suficiente para que ela tenha o mercado interno protegido, eles (europeus) podem assegurar que a sua empresa atue no (mercado) enquanto detêm a firma E.U. – e assim também garantem que a Europa, e não a América, receba os lucros de monopólio.

201 Who’s bashing whom? Trade conflict in high-technology industry, p. 03. Tradução nossa: tem demonstrado que, sob condições de retornos crescentes, externalidades tecnológicas e de concorrência imperfeita, o livre comércio não é necessariamente e automaticamente a melhor política.

202 Mismaneged trade? Strategic policy and the semiconductor industry. Washington: Brookings, 1996, p. 25.

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anormais e criar incentivos para que empresas estrangeiras do mesmo mercado promovam investimentos diretos.

Laura D’Andreas Tyson sustenta que, atualmente, as STIPs nos Estados Unidos tendem à incoerência e ineficiência da época da Guerra Fria, quando o governo americano intervinha em setores nos quais possuía interesse militar estratégico. Tais intervenções não seriam projetadas para maximizar a competição da indústria doméstica americana, mas para assegurar o abastecimento da indústria militar de componentes e sistemas. Para Tyson, já que o governo irá intervir de qualquer forma, que o faça para promover o bem geral da população, seguindo, no mínimo, uma coerência lógica203.