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Ao se falar da utilização da STIPs como formas de se alcançar o desenvolvimento no Brasil, é bastante provável que se faça, automaticamente, a associação com o passado recente, no qual a política de substituição de importações gerou danos profundos à economia do país e agravou o atraso tecnológico em relação aos demais países desenvolvidos.

O motivo pelo qual tais políticas funcionaram na Ásia e não no Brasil pode estar ligado às diferenças estruturais entre os países asiáticos e os latino- americanos, mais ainda porque, na Ásia, as estratégias de substituição de importações foram sendo rapidamente trocadas por mecanismos de indução exportadora, quer pelo aumento e diversificação da pauta, incorporando bens de maior conteúdo tecnológico, quer pela conquista de novos mercados na economia mundial. Sobre os referidos mecanismos de indução exportadora, André Nassif ensina que:

Entenda-se por mecanismos de indução exportadora não apenas as fórmulas de promoção das vendas externas (como subsídios fiscais e creditícios, marketing internacional, promoção comercial etc.) – fartamente utilizadas nos países do Leste Asiático e pródigas no Brasil ao longo da década de 1970 –, mas as estratégias por meio das quais a concessão de instrumentos de proteção dos setores domésticos nas fases iniciais de substituição de importações era permanentemente condicionada as diversas exigências de desempenho positivo, incluindo os compromissos de orientar parcelas crescentes da produção para os mercados externos, à medida que as curvas de custos médios de longo prazo das empresas deslocavam-se para baixo (também exigência da política industrial em vigor)222.

222 Estratégias de desenvolvimento em países de industrialização retardatária: modelos teóricos a experiência do leste asiático e lições para o Brasil. Revista do BNDES, v. 12, n. 23, p. 155.

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Com base no relato acima e nos exemplos do item anterior, pelo menos quatro pontos podem ser destacados como possíveis causas do sucesso asiático e dos resultados latino-americanos: (i) regulamentação severa dos setores privados receptores de subsídios públicos; (ii) direcionamento de recursos à educação; (iii) estímulo à formação superior de técnicos relacionados às indústrias pesadas e de alta tecnologia, com ênfase nas engenharias223; e (iv) esforço de compensar o elevado custo do protecionismo das indústrias nascentes com o aumento e a diversificação das exportações.

Além das críticas advindas de experiências empíricas, as STIPs também são censuradas pelo suposto perigo em dar poder demais ao Estado. Economistas liberais clássicos e neoclássicos sustentam que a atuação do Estado deve se restringir ao inevitável para corrigir falhas de mercado, questionando, particularmente, a necessidade de uma intervenção estratégica para a melhora da economia doméstica como um todo. Estado deveria buscar a equidade em suas políticas, sendo que essas intervenções acabariam por beneficiar apenas os produtores do fator de produção escasso.

Esses críticos também apontam que as STIPs só se tornarão particularmente interessantes se outros países não as retaliarem, fazendo com que as suas indústrias domésticas também tenham benefícios, e permitindo que as mesmas possam competir no mercado internacional. Se essas retaliações ocorrerem, os ganhos objetivados pelas STIPs podem não se concretizar.

Outra crítica contundente é a forma de escolha dessas indústrias estratégicas. Por evidente, as indústrias domésticas verão a possibilidade de transferir os seus problemas para fora das fronteiras nacionais224, o que poderia ocasionar a criação de uma pressão por suporte estatal, a qual dificultaria a distinção das intervenções em indústrias que realmente significariam benefícios para toda a nação de outras não estratégicas.

Alguns doutrinadores também questionam a implementabilidade de STIPs (em especial, os já citados, Gene Grossman, Avinash K. Dixit e Paul R. Krugman, além de Jagdish Bhagwati). Tais autores afirmam que as STIPs são idênticas às políticas de indústrias nascentes e às políticas de substituição de importações, o que

223 AMSDEM, Alice H, Asia’s next giant: South Korea and late industrialization, p. 08-11. 224 Questões que encarecem a produção, como infraestrutura deficiente.

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daria estímulos à rent-seeking225 e à alocação equivocada de recursos. Uma das principais preocupações desses teóricos é justamente na forma de se escolher qual indústria será estratégica, conforme apontado por Jagdish Bhagwati:

Edward Mansfield did careful work on the returns from seventeen industrial innovations, and he found that the highest discrepancy between social and private returns from innovations was in “threat innovation” and then in “stain removers”, neither of which would rank high on a high tech list, or even appear on such a list at all. Besides, these discrepancies are so different across industries, and so difficult to predict, at selecting any industry, or any bunch of industries, for prior support is nothing more than an act of faith. The empirical basis for such a selection is shaky indeed226.

Segundo os críticos, as intervenções estratégicas dos Estados deveriam se focar em indústrias com lucros fora da normalidade, as quais não são facilmente identificadas, já que a competição imperfeita não é per se um indício de lucros absurdos, visto que uma concorrência com poucos agentes pode ser suficiente para que os preços caiam. Ademais, seria difícil determinar qual o nível de lucro que seria considerado aceitável.

Outra crítica também contundente é que, para que as políticas estratégicas funcionem, faz-se necessário diferenciar claramente quais são as indústrias nacionais e quais são as estrangeiras. No mundo globalizado, essa distinção está cada vez mais difícil de ser feita.

Os críticos também defendem que a teoria a qual embasa as STIPs não explica como indústrias domésticas se tornaram líderes em pesquisa e desenvolvimento sem a intervenção do Estado, ou como essa intervenção – algumas vezes intensa – simplesmente não funcionou. Dessa forma, esses críticos ressaltam que as STIPs podem, no máximo, facilitar a criação de condições de sucesso para indústrias domésticas.

225 O termo é aqui empregado como a ação de determinadas empresas ou setores que, ao influenciarem o governo a intervir em seu favor, criariam problemas na dissipação natural das rendas, podendo gerar prejuízos para toda a sociedade.

226 Toward a counter-counterrevolution in development theory. In: THE WORLD BANK ANNUAL CONFERENCE ON DEVELOPMENT ECONOMICS 1992, Washington, 1993. Proceedings… Washington: The World Bank, 1993, p. 36. Tradução nossa: Edward Mansfield fez um trabalho cuidadoso sobre os lucros de dezessete inovações industriais, e descobriu que a maior discrepância entre os retornos social e privado das inovações foi na “ameaça de inovação” e depois em “removedores de manchas", nenhum dos dois estaria no alto da lista de produtos de alta tecnologia, ou sequer apareceria em uma lista semelhante. Além disso, essas discrepâncias são tão diferentes entre os setores, e tão difíceis de prever, que a seleção de qualquer indústria, ou de qualquer grupo de indústrias, para o apoio prévio, nada mais é do que um ato de fé. A base empírica para essa seleção é bastante questionável.

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Estudiosos (os já citados, Alexander Gerschenkrons, John Zysman e Jeffrey Hart) também argumentam que existem diferentes formas de capitalismo, e que somente alguns tipos admitem o uso de intervenções estratégicas. De fato, parece que determinadas nações são mais propensas a obter sucesso com o uso de STIPs do que outras, e que essa propensão está diretamente relacionada com a pouca influência dos economistas neoclássicos, pois, assim, os governos são menos pressionados a não intervir, exatamente como Laura D’Andreas Tyson descreveu sobre o ocorrido no Japão: “The invisible hand is at work in Japan, but it is not Adam Smith’s invisible hand – it is the invisible hand of government working with Japanese industry”227.

Também é verdade que as STIPs não geram resultados imediatos, podendo, por vezes, levar vários anos (e, consequentemente, vários mandatos com governantes e legisladores diferentes) para os resultados aparecerem. O sucesso na implementação de políticas de intervenção estratégica dependeria da confiança do setor privado em acreditar que elas continuarão independentemente de mudanças políticas. Sobre essa crítica, vale citar Jeffry A. Frieden e David A. Lake, que identificaram dois tipos de Estado: o regulador e o desenvolvimentista.

Regulatory states have minimal capabilities for strategic economic interventions, and their policies seek to ensure an unfettered working of markets and correction of market failures wherever they arise. The developmental states, in contrast, are capable of adopting and willing to stick with STIPs even in the face of temporary difficulties228.

A questão da credibilidade das ações do governo está intrinsecamente ligada à natureza das instituições político-sociais de determinada nação, sendo imprescindível avaliar o quanto o governo está sujeito às pressões de grupos de interesse229, à transparência do processo decisório230 e à coesão social e política231.

227 Who’s bashing whom? Trade conflict in high-technology industry, p. 57. Tradução nossa: A mão invisível está trabalhando no Japão, mas não é a mão invisível de Adam Smith – é a mão invisível do governo trabalhando com a indústria japonesa.

228 International Political Economy: perspectives on global power and wealth, p. 188. Tradução nossa: Estados reguladores têm capacidades muito limitadas para realizar intervenções econômicas estratégicas, e as suas políticas procuram garantir uma livre ação dos mercados e a correção de falhas de mercado, sempre que elas surgem. Os Estados desenvolvimentistas, ao contrário, são capazes de adotar STIPs mesmo em face de dificuldades temporárias.

229 HART, Jeffrey A.; BORRUS, Michael, Display’s the thing: the real stakes in the conflict over high resolution displays. Journal of Policy Analysis and Management, v. 13, n. 01, p. 34.

230 COWHEY, Peter F.; RICHARDS, John E. Institutions and the restructuring global networks. Berkeley: Institute of European Studies, 1993, p. 12. Disponível em: <http://ies.berkeley.edu/research/ files/SAS04/SAS04-Global_Networks.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2009.

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Essa crítica também é bastante contundente, pois, se o poder político é excessivamente descentralizado, o poder central (ou federal, dependendo da forma de governo) pode ter dificuldade em dar credibilidade para as suas políticas públicas. Desse modo, políticas de intervenção estratégica podem ser mais eficazes em países com concentração de poder.

Michael E. Poter defende a existência de quatro fases de crescimento econômico: factor-driven232, investment-driven233, innovation-driven234 e wealth-

driven235, sendo que nem sempre o estado desenvolvimentista é o melhor para assegurar credibilidade às suas políticas236, pois, conforme relatam Jeffrey A. Hart & Aseem Prakash:

STIPs are linked with the investment-driven phase in which the developmental state actively facilitates economic growth. State support may in fact constitute a credible commitment to deter foreign competitors from engaging in predatory strategies such as reducing prices to drive domestic competitors out of business. However, in innovation-driven phase of growth, the micromanagement of the economy by the developmental state is counter-productive, since bureaucrats seldom have the information needed to correctly pick winners. In this phase, the regulatory state (which does not undertake STIPs) may provide more appropriate institutional setting, since it rights and preventing inefficiencies caused by imperfect competition. A recent example which seems consistent with this theory is the development of digital high-definition television (HDTV) in the United States under the guidance of the FCC, as contrast with the commitment of the Japanese government to the hybrid analog-digital system called MUSE/Hi-Vision237.

231 KATZENSTEIN, Peter J. Corporatism and change: Austria, Switzerland and the politics of industry.

Ithaca/Nova Iorque: Cornell University Press, 1987, p. 56.

232 Factor-driven: fase em que a governo deverá atuar na promoção e direcionamento dos fatores de produção.

233 Investment-driven: fase em que o governo deverá atuar na promoção e direcionamento dos investimentos.

234 Innovation-driven: fase em que o governo deverá atuar na promoção e direcionamento da inovação.

235 Wealth-driven: fase em que o governo deverá atuar na promoção e direcionamento de ações que promovam o bem-estar social.

236 The competitive advantage of nations. Nova Iorque: Free Press, 1990, p. 546.

237 Globalization and governance. Londres: Routledge, 1999, p. 254. Tradução nossa: STIPs estão relacionadas com a fase de investimento-orientado, na qual o Estado desenvolvimentista facilita ativamente o crescimento econômico. O apoio do Estado pode efetivamente constituir um compromisso crível para dissuadir os concorrentes estrangeiros de procederem a estratégias predatórias, como a redução de preços para eliminar os concorrentes nacionais do negócio. No entanto, na fase de inovação-orientada de crescimento, a microgestão da economia pelo Estado desenvolvimentista é contraproducente, uma vez que os burocratas raramente têm as informações necessárias para escolher corretamente os vencedores. Nessa fase, o Estado regulador (que não empreende STIPs) pode ser mais adequado institucionalmente, uma vez que as ineficiências causadas poderiam impedir concorrência imperfeita. Um exemplo recente, que parece ser consistente com essa teoria é o desenvolvimento da televisão digital de alta definição (HDTV) nos Estados Unidos, sob a orientação da FCC [Federal Communications Commission], como contraste

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Conhecendo a teoria, as críticas e alguns exemplos de STIPs, conclui-se que a utilização dessas medidas está longe de ser unanimidade; no entanto, é certo que todas as nações hoje desenvolvidas se utilizaram, em maior ou menor grau, de políticas dessa natureza. Cabe agora estudar com mais profundidade o caso brasileiro, e averiguar, com base nas premissas dos itens anteriores, se existem STIPs no Brasil, e se elas foram estrategicamente criadas visando ao desenvolvimento.