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COEXISTÊNCIA DE INTERESSES E PONDERAÇÃO

No documento A Boa-fé objetiva no contratos benéficos. (páginas 130-134)

CAPÍTULO VIII DIGNIDADE HUMANA E BOA-FÉ

8.4. COEXISTÊNCIA DE INTERESSES E PONDERAÇÃO

O reconhecimento do outro é a aceitação do multiculturalismo, da diversidade de crenças, de opções sexuais, políticas, enfim, do pensar e existir de forma diferente,

201

ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana... op. cit., p. 8.

202

BARROSO, Luís Roberto [org.]. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos

sem discriminações. O pensar e ser diferente se realizam no campo da dialética dos seres humanos, na coexistência de interesses. Coexistência de interesses implica em possíveis conflitos. Eles se multiplicam na medida da complexidade da sociedade e de suas relações humanas, sociais, e culturais.

Considerada a igualdade substancial como elemento integrativo da dignidade humana, a solução desses possíveis conflitos demanda a prática metodológica de compatibilização de princípios, pela técnica da ponderação. Também na esfera privada essa técnica de ponderação mostra-se de aplicação indispensável.

Para a correta aplicação da técnica da ponderação, impõe-se a compreensão da estrutura das normas de direitos fundamentais. Robert Alexy destaca a distinção entre regras e princípios. Tal distinção é necessária porque, diante de um conflito, a falta de uma correta distinção pode levar a falsos conflitos. Para ele, “o ponto

decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”203

Nessa perspectiva, princípios são mandamentos de otimização que podem ser satisfeitos em variados graus. A satisfação de um princípio não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas, cujo âmbito é determinado pelos princípios e regras colidentes. As regras, por outro lado, são normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Regras possuem determinações no universo daquilo que é fática e juridicamente possível.

A distinção qualitativa entre regra e princípio “é um dos pilares da moderna

dogmática constitucional, indispensável para a superação do positivismo legalista, onde as normas se cingiram a regras jurídicas”.204 A partir dessa percepção, a Constituição é encarada como um sistema aberto de princípios e regras, através do

203

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais... op. cit., p. 90.

204

qual fluem “valores jurídicos suprapositivos”,205

com especial relevo para a justiça e a realização dos direitos fundamentais.

Tratando-se de alteridade como elemento fundamental à igualdade substancial, que por sua vez é elemento integrativo da dignidade humana, a este estudo interessa a hipótese de conflito entre princípios. No direito a diferenças no âmbito dos interesses privados, qual a metódica possível?

Defende Robert Alexy que, se dois princípios colidem, um deles tem que ceder. Isso não quer dizer, entretanto, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deva ser introduzida uma cláusula de exceção. Diz ele que “na

verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta.”206 Com isso, defende que os conflitos entre princípios ocorrem na dimensão do peso e a solução correta depende da aplicação da técnica da ponderação. A colisão entre princípios não pode ser posta em termos do tudo ou nada.

Conceitualmente, a “ponderação pode ser descrita como uma técnica de decisão

própria para casos difíceis (do inglês „hard cases‟), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado.”207 Na tarefa tradicional de subsunção, a premissa maior incide sobre a premissa menor e produz a solução do caso concreto. Nos casos difíceis, mais de uma premissa maior é igualmente válida e da mesma hierarquia. A subsunção não é capaz de solucionar o caso. A técnica da ponderação é aquela pela qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos.208 Quando dois ou mais princípios de uma mesma hierarquia entram em conflito, deve ser utilizada técnica de atribuição de pesos aos elementos em conflito, ao menos para decidir sobre a aplicação preponderante de um deles. Numa

205

BARROSO, Luís Roberto [org.]. A nova interpretação constitucional... op. cit., p. 30.

206

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais... op. cit., p. 93.

207

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: O princípio da

dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.55.

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primeira fase, esse exercício de ponderação pode se desenvolver num campo abstrato, quando se analisa em tese a convivência entre os enunciados normativos, pela experiência ou pela observação de casos que se repetem. Se essas normas não convivem adequadamente, há de se pesquisar os elementos do caso real.

No conflito entre princípios, a solução que prestigiar a dignidade humana terá preferência sobre as demais. O que decorre da premissa maior de que os direitos fundamentais têm preferência sobre as demais disposições normativas. O princípio da unidade da Constituição não é abalado por essa preferência. Dentro do plexo de normas constitucionais, justifica-se a superioridade de algumas que possuem funções diferenciadas. Essa preferência ocorre no campo da hermenêutica e não compromete a unidade do sistema.

Diante da opção da Constituição pela maior carga axiológica à dignidade humana, o exercício da ponderação há de preferir os direitos fundamentais sobre outras normas.

Mesmo para os positivistas, a opção do legislador constituinte representa uma razão verdadeiramente normativa para a preferência dos direitos fundamentais. Para além dessa visão positivada, sobram razões universais de ordem humanitária e democrática, para tal prevalência. O privilégio à centralidade da pessoa humana resulta na possibilidade de restrição parcial de outros princípios para assegurá-la. No caso de colisão, a técnica da ponderação há de apontar a solução que assegure a concretização da dignidade individual.

A medida da necessidade do exercício da ponderação, todavia, é proporcional à da necessidade de controles que evitem abusos ou subjetivismos. A atribuição de pesos aos princípios não pode ficar ao sabor dos casuísmos, sobretudo porque essa atuação ocorre em meio ao terreno de disposições constitucionais que a ordem jurídica guindou ao mais elevado patamar.

A técnica da ponderação deve atentar sempre para o caso concreto, com ênfase no maior número de elementos normativos e no peso que eles assumem para a solução que em maior grau concretize o valor da dignidade humana.

No documento A Boa-fé objetiva no contratos benéficos. (páginas 130-134)