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PROPOSTAS CONCEITUAIS

No documento A Boa-fé objetiva no contratos benéficos. (páginas 58-61)

CAPÍTULO III – CLÁUSULAS GERAIS

3.2. PROPOSTAS CONCEITUAIS

Adverte Judith Martins-Costa que nos ensaios de um conceito de cláusula geral, a doutrina nada mais consegue do que identificar a diversidade de suas características.94 No arrolar dessas características, numa primeira aproximação com o tema, o maior destaque é para o aspecto da cláusula geral como técnica legislativa que se opõe à casuística, encontrado na maior parte da doutrina brasileira, a partir do pensamento de Karl Engisch.95

A técnica legislativa da casuística é a de regulamentação por fattispecie, na qual são fixados os critérios para aplicação da norma aos fatos. Isso ocorre por meio de tipificação de condutas, descrição de tipos de comportamento, em que ao intérprete é legada tarefa de mera subsunção, de encaixe da norma ao caso concreto. A marca da casuística, portanto, é a da determinação, que gera rigidez e a imutabilidade do sistema.

Afirma Judith Martins-Costa que essa contraposição entre a técnica da cláusula geral e a técnica da casuística, embora útil num primeiro momento aproximativo, pode gerar algumas distorções. Defende então que na contracorrente da casuística estaria a técnica de legislar através de normas dotadas de “vagueza socialmente

típica”, também chamadas de normas vagas ou abertas.96

Essa ressalva visa destacar que a generalidade não é característica exclusiva da técnica legislativa da

94

MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé... op. cit., p. 296.

95

ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução J. Baptista Machado. 3ª Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbeinkian, 1988.

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cláusula geral, mas também pode ser identificada nos métodos legislativos através de princípios.

Os princípios jurídicos não raro são confundidos com as cláusulas gerais. Há clausulas gerais que contém princípios jurídicos, o que complica ainda mais a distinção. A cláusula geral da boa-fé é exemplo disso: fala-se indistintamente do princípio da boa-fé objetiva e da cláusula geral da boa-fé. Mas os princípios jurídicos diferenciam-se porque constituem fundamento jurídico de outras normas, já existentes ou ainda por vir (hipótese de princípios programáticos).

Para uma melhor distinção, elenca Judith Martins-Costa que, enquanto os princípios podem ser subdivididos em inexpressos e expressos, não há cláusula geral implícita.97 Os princípios nem sempre são dotados de vagueza semântica, enquanto as cláusulas gerais necessariamente são (nos princípios dotados dessa vagueza semântica, o que pode ser entendido é que aí há uma cláusula geral que contém um princípio).

A distinção dos princípios, esclarece Robert Alexy, é o caráter prima facie.98 Eles exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro de possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Daí que os princípios contenham razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. Um princípio cede posição quando é conferido um peso maior no princípio contrário, o que se realiza por meio de carga argumentativa. As regras, por sua vez, exigem que se faça aquilo que elas ordenam. Diferentemente dos princípios, as regras têm uma determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades fáticas e jurídicas.

Assim, a cláusula geral é marcada pela técnica de redação de preceitos legais através de formas caracterizadas pela vagueza semântica, que indica imprecisão de significado. Essa imprecisão decorre de elementos intrinsecamente incertos, independentemente do grau de informação. As regras de significado não resolvem

97

MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé... op. cit., p. 333.

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todas as questões possíveis. Mas a imprecisão de significado é intencional, vantajosa para o fim almejado; e não representa defeito.

A cláusula geral é norma com conteúdo não descritivo de específica conduta, mas sim definidora de valores e parâmetros hermenêuticos. Por isso, “o código deixa

frequentemente a decisão jurídica dependente, não de uma descrição taxativa da situação a que corresponde a estatuição jurídica, mas de uma valoração por parte do intérprete”.99

A solução material da situação não está contida de forma explícita na cláusula geral. A norma é ponto de partida e não de chegada do intérprete, sobre quem recai maior responsabilidade na interpretação e aplicação do Direito. Não é receita pronta, nem catálogo de soluções. Exige esforço do intérprete para concretização normativa diante das circunstâncias do caso. Na cláusula geral o julgador concorrerá para a formulação da norma jurídica, por ela não estar previamente desenhada. 100

Em linha comparativa, as cláusulas gerais são marcadas pela mobilidade, na proporção da intencional imprecisão dos termos que contêm, com utilização do princípio da tipicidade em grau mínimo. A abertura semântica obsta a pretensão de respostas para todos os problemas que se apresentam. As respostas devem ser construídas pelo aplicador do Direito, a partir de critérios valorativos.101 As cláusulas gerais “atuam tecnicamente como metanormas, cujo objetivo é o de enviar o juiz

para critérios aplicativos determináveis ou em outros espaços do sistema ou através de variáveis tipologias sociais, dos usos e costumes”.102

Para demonstração dessas características, tome-se o exemplo da cláusula geral da boa-fé objetiva, prevista no artigo 422 do Código Civil brasileiro, segundo o qual os

99

ASCENSÃO, José de Oliveira. Cláusulas gerais e segurança jurídica no Código Civil de 2002. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, v.28, out./dez. 2006, p. 80.

100

MAZZEI, Rodrigo. Apresentação... op. cit., p. LXXXIII.

101

MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé... op. cit., p. 298.

102

contratantes são obrigados a guardar, quer na conclusão quer na execução dos contratos, o princípio da boa-fé. A norma não é descritiva do que sejam condutas de boa-fé, não tipifica os atos de boa-fé, nem contém hipóteses casuísticas. A mencionada norma remete a uma atividade valorativa adequada ao caso concreto.

A lei, portanto, não diz o que é boa-fé, mas instrumentaliza a jurisprudência a construir essa noção a partir de valores validados no ambiente social.

3.3. DISTINÇÃO DA CLÁUSULA GERAL NA COMUNIDADE

No documento A Boa-fé objetiva no contratos benéficos. (páginas 58-61)