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LIMITES AO EXERCÍCIO DE DIREITOS NOS CONTRATOS BENÉFICOS

No documento A Boa-fé objetiva no contratos benéficos. (páginas 175-178)

CAPÍTULO XII – BOA-FÉ OBJETIVA NOS CONTRATOS BENÉFICOS

12.4. LIMITES AO EXERCÍCIO DE DIREITOS NOS CONTRATOS BENÉFICOS

O direito subjetivo à realização do contrato benéfico não pode ser exercido de qualquer modo. Deve o instituidor da liberalidade agir com lealdade, cooperar e proteger a contraparte, mesmo que nada lhe aproveite do contrato, porque os interesses prevalentes no direito dos contratos não são mais apenas patrimoniais. Mesmo quem não obtém proveito patrimonial com o contrato deve colaborar para o cumprimento adequado da prestação, agir no sentido de evitar riscos, ocorrências acidentais ou prejudiciais ao programa contratual. Por reflexo da incidência do princípio da boa-fé objetiva, incide o dever de informar acerca de riscos ou outros aspectos relacionados ao contrato benéfico, especialmente dos potenciais efeitos que o benefício pode vir a causar. Quem pratica a liberalidade, portanto, não perde os limites positivos e negativos de atuação, após o cumprimento da prestação principal. Tais deveres acessórios estão vinculados ao processo de realização do contrato benéfico. Os interesses da contraparte não podem ser considerados atendidos apenas com o cumprimento da prestação principal.

Esses deveres de conduta, impostos pela boa-fé objetiva, incidem ainda sobre quem é beneficiado pelo contrato. Aquele a quem o contrato aproveita, pelo fato de não ser devedor de prestação principal, não é exonerado dessas obrigações acessórias de conduta. A tutela de proteção ao adimplemento substancial do programa do contrato benéfico impõe ao beneficiário os mesmos deveres acessórios, positivos e negativos.

A relação jurídica proveniente de um contrato benéfico é permeada pela confiança entre as partes. A reciprocidade da confiança conduz à consideração das mútuas expectativas, da satisfação do sentido total da liberalidade, tanto por quem pratica quanto por quem recebe o benefício.

A contrariedade, por qualquer um dos participantes de contrato benéfico, a deveres acessórios provenientes da boa-fé objetiva, representa inadimplemento contratual, ato ilícito vedado pelo ordenamento e sancionado com a imposição de

responsabilidade civil. Na aferição desse tipo de descumprimento e na avaliação dos efeitos jurídicos dele decorrentes, não importa o elemento subjetivo da conduta do agente. Basta a prática de ato incompatível com os parâmetros de comportamento eleitos pelo ordenamento jurídico.

12.5. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM NOS CONTRATOS

BENÉFICOS

Além dos deveres acessórios de conduta, a parte que pratica a liberalidade, pela unção aos valores e princípios da ordem constitucional, ainda precisa observar certos limites ao exercício de direitos. É também inaceitável, no âmbito dos contratos benéficos, o exercício de posições jurídicas inadmissíveis, mesmo da parte a quem o contrato não aproveita. A liberalidade não exclui o imperativo respeito e consideração aos interesses da contraparte. A liberalidade não é redentora de atos de traição.

Mesmo nos contratos benéficos, de nenhuma das partes pode ser admitida posição jurídica em contradição com o comportamento anteriormente adotado. Nesse tipo de contrato, o venire contra factum proprium é perfeitamente aplicável. O instituidor do benefício, ainda nas tratativas preliminares do contrato benéfico, pode adotar comportamento, no âmbito fático, capaz de repercutir na esfera alheia e de despertar uma “legítima confiança na conservação do seu sentido objetivo”.260

No curso dos contratos benéficos, situações fáticas transcendentes da esfera jurídica do instituidor não podem ser desprezadas, se presentes os pressupostos exigidos para a tutela da confiança. Essa legítima confiança não é vinculada a um estado psicológico ou subjetivo de quem recebe o benefício, mas, sobretudo, constitui uma adesão ao sentido objetivamente extraído do comportamento praticado. Confia-se naquilo que razoavelmente poderia ser esperado, a partir da conduta inicial do instituidor da liberalidade.

260

Despertada a legítima confiança, objetivamente, não é aceito o exercício de um comportamento em contrariedade à conduta inicial do agente, sendo irrelevante o elemento meramente subjetivo. Quem pretende praticar uma liberalidade deve ter a consciência de que suas atitudes, mesmo à margem da letra do contrato, podem gerar confiança e expectativas que o ordenamento tutela, em razão da preocupação com a repercussão social desse tipo de fato. Ainda que lícito (se isoladamente considerado), o instituidor do benefício não pode adotar, posteriormente, comportamento contraditório com o inicial. Esta segunda conduta, aparentemente lícita do instituidor da liberalidade, é eivada de antijuridicidade, com base na conexão com o contexto dinâmico do vínculo contratual. No campo dos contratos benéficos, a conduta posterior é tornada ilícita porque, em razão da contradição com o comportamento anterior, viola a confiança legítima de outrem e a boa-fé objetiva, nos termos do artigo 187 do Código Civil.

12.6. ABUSO DE DIREITO NOS CONTRATOS BENÉFICOS

A figura do abuso de direito, do mesmo modo, é intolerável no campo dos contratos benéficos, para ambas as partes.

Os comportamentos dos contratantes devem ser apreciados internamente, no confronto entre o exercício formal do direito e o respectivo fundamento valorativo. O artigo 187 do Código Civil é aplicável aos contratos benéficos e, nestes, cometerá ato ilícito quem exercer um direito com manifesto excesso dos limites impostos pelos fins econômicos ou sociais, pela boa-fé ou os bons costumes.

Nos contratos de comodato, por exemplo, o benefício concedido é continuado, durante o prazo estabelecido na avença. Nenhum dos contratantes, no curso da avença, pode optar por conduta aparentemente lícita, mas em dissonância com os fundamentos do sistema. Do lado do comodatário, a utilização do bem deve observar não apenas as prescrições formais expressas no corpo da avença, mas também o respectivo conteúdo valorativo, do sentido substancial do adimplemento. Ainda que o exercício do direito do comodatário possa aparentar regularidade, será

ilícita a conduta exercida em contrariedade ao vetor axiológico do contrato de comodato. Da parte do comodante, apesar da ausência de contraprestação, o exercício do direito de retomada do objeto do comodato não pode ser abusivo. A extinção do contrato deve contemplar não apenas o esquema formal do contrato, mas também o respeito e a consideração para com o comodatário. Isso não significa que o direito à retomada sofra mitigações prejudiciais a quem praticou o benefício, mas sim que a restituição não dispensa considerações sobre a dignidade humana de quem foi favorecido.

12.7.

RESPONSABILIDADE

CIVIL

PRÉ-CONTRATUAL

NOS

No documento A Boa-fé objetiva no contratos benéficos. (páginas 175-178)