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Comandos de otimização e ponderação

Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno

DIREITO NA TEORIA DISCURSIVA DO DIREITO DE ALEXY

5.1. Comandos de otimização e ponderação

Como vimos acima, para Alexy princípios são comandos de otimiza- ção, cujas colisões se resolvem através da ponderação. Não se deve tratar aqui, em um estudo introdutório, de expor em detalhes a distinção entre re- gras e princípios e a ponderação, muito menos de analisar exaustivamente as objeções à teoria dos princípios. Isso já foi feito pelo próprio Alexy de forma, a meu ver, satisfatória.51Por isso vou me limitar aqui àquela que,

embora seja antiga e já tenha sido respondida por Alexy, tem sido talvez a crítica à teoria dos princípios que tem obtido maior repercussão no Brasil: as objeções de Habermas.

Dentre as objeções contra a teoria dos princípios, as de Habermas não são, a meu ver, as mais importantes. As objeções e desenvolvimentos críti- cos de Bäcker,52Klement,53Poscher,54Riehm,55Sieckmann56e outros são

mais agudas.57Porém, não cabe tratar delas aqui.58A razão pela qual me

concentro, aqui, nas objeções de Habermas, é a difusão e a repercussão que elas experimentaram, o que certamente ocorreu em virtude da importância de Habermas no cenário filosófico atual. Começarei com a objeção de

Habermas aos princípios como comandos de otimização. Em Facticidade e

Validade, Habermas afirma que princípios jurídicos não devem ser conce-

bidos como comandos de otimização, porque a ideia de padrões que podem ser cumpridos em graus suprimiria o código binário do direito, lícito-ilí- cito,59não havendo, além disso, um critério racional para a ponderação.60

A crítica de Habermas contra os princípios como comandos de otimiz- ação não se sustenta. Ela se baseia na falsa suposição de que todos os padrões jurídicos possuem um caráter binário. Que as normas concretas, isto é, normas referentes a casos concretos, possuem sempre um caráter definitivo, ou seja, um código binário lícito-ilícito, admite o próprio Alexy.61Assim, para Alexy, não pode ser “mais ou menos” proibido – e as-

sim mais ou menos ilícito – trafegar em certa velocidade em certa via. Imagine-se que a velocidade máxima de tráfego em determinada via seja 60 km/h. É claro que, para Alexy, dirigir abaixo desse limite é lícito e diri- gir acima desse limite é ilícito, ou seja, dirigir por exemplo a 50 km/h é lí- cito e dirigir a 70 km/h é ilícito. Além disso, não se pode a rigor dizer, mesmo para Alexy, que dirigir a 140 km/h nessa via é “mais” ilícito que di- rigir a 70 km/h nessa mesma via. Até aí Habermas e Alexy estão de acordo. Mas, para Alexy, há padrões no direito que podem ser cumpridos em graus; esses padrões são os princípios, que, enquanto comandos de otimização, não são comandos definitivos. Assim, embora não se possa dizer que diri- gir a 140 km/h em uma via cujo limite de velocidade é 60 km/h seja mais

ilícito que dirigir a 70 km/h nessa mesma via, não só se pode mas na

verdade deve-se reconhecer que dirigir a 140 km/h nessa via gera mais in-

segurança no trânsito (ou é mais inseguro) que dirigir a 70 km/h nessa

mesma via. Se Habermas tiver razão, ou seja, se na argumentação jurídica não existirem, de modo algum, padrões que são cumpridos em graus, não se pode falar em “maior” e “menor” segurança no trânsito: dirigir a 70 km/h e a 140 km/h em uma via cujo limite de velocidade é 60 km/h têm que ser consideradas condutas igualmente inseguras, porque ilícitas. Não são necessárias considerações filosóficas profundas para demonstrar a im- propriedade dessa tese de Habermas; do ponto de vista do senso comum já se percebe ser ela inadequada. Se isso não for considerado suficiente, basta porém mencionar um exemplo técnico real do direito, relacionado ao já

citado exemplo hipotético do limite de velocidade. O Código Brasileiro de Trânsito, em seu artigo 218, determina a existência de três sanções difer- entes para aqueles que dirigem acima do limite de velocidade: um primeiro nível, quando se ultrapassa a velocidade máxima em até 20% (cuja sanção é: “infração média e multa”), um segundo nível, quando se ultrapassa a ve- locidade máxima em mais que 20% e menos que 50% (cuja sanção é: “in- fração grave e multa”), e um terceiro nível, quando se ultrapassa a velocid- ade máxima em mais que 50% (cuja sanção é: “infração gravíssima, multa com valor triplicado, suspensão imediata do direito de dirigir e apreensão do documento de habilitação”). Isso demonstra que a segurança no trânsito pode ser descumprida em graus. Poder-se-ia citar mais exemplos. Porém, isso não é necessário. O exemplo citado acima mostra, a meu ver, que a ob- jeção de Habermas não se sustenta, e que Alexy tem razão quando afirma que “naturalmente o resultado definitivo de uma fundamentação de direito fundamental deve possuir uma estrutura binária. Algo só pode ser válido ou não ser válido. Porém, o caráter binário do resultado não implica o caráter binário de todos os passos da fundamentação.”62Por isso, se embora, por

um lado, seja preciso apontar tanto a importância de Habermas na form- ação da teoria discursiva de Alexy quanto a importância de Habermas para a filosofia política em geral, por outro lado é preciso também apontar a in- adequação com que Habermas trata algumas questões específicas da teoria do direito, como a questão da estrutura lógica dos princípios, que acabei de abordar.

No que diz respeito à racionalidade da ponderação não vou abordar to- dos os pontos da resposta de Alexy. Basta consignar que a ponderação seria um processo arbitrário se ela não estivesse conectada à argumentação jurídica. Se a atribuição de pesos abstratos aos princípios envolvidos, a at- ribuição de grau à lesão a um princípio (leve-média-grave), bem como à importância do cumprimento do princípio oposto e, por fim, a comparação entre ambas, fosse um processo arbitrário não sujeito a qualquer fundamentação, poder-se-ia falar em arbitrariedade e assim em falta de ra- cionalidade. Mas a teoria dos princípios e com ela a ponderação dependem da argumentação jurídica. Aquele que aplica princípios deve fundamentar as atribuições de pesos aos princípios bem como o escalonamento da

interferência no princípio envolvido em uma colisão e o escalonamento da importância do cumprimento do princípio oposto. Essa fundamentação ra- cional é possível, porque são possíveis argumentos práticos e jurídicos que comparam esses pesos e esses escalonamentos. Naturalmente, como res- salta o prórpio Alexy, não se pode exigir, aqui, precisão matemática. Mas não existem, aqui, apenas duas opções, a saber, precisão matemática e ar- bítrio puro. Existe um terceiro caminho, que afirma ser possível a racional- idade da ponderação, porque é possível fundamentar juízos de valor e de dever. Esse é o caminho da teoria discursiva do direito de Alexy.