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O CONCEITO CONSTRUTIVO DE METAFÍSICA

No documento Alexy, Robert - Teoria Discursiva Do Direito (páginas 158-163)

Direitos humanos sem metafísica?*

1.4. O CONCEITO CONSTRUTIVO DE METAFÍSICA

É interessante que Habermas aponte Frege como alguém que preparou sua terceira via. Ora, Frege não é exatamente um metafísico enfático, mas com certeza defende as teses metafísicas mais fortes. Assim, os pensamen- tos não pertencem, segundo Frege, ao mundo exterior enquanto mundo das coisas perceptíveis sensivelmente, o primeiro mundo, nem ao mundo interi- or enquanto segundo mundo que é constituído por objetos psíquicos, por exemplo, representações, mas sim a um terceiro mundo de entidades ab- stratas ou ideais:

Os pensamentos não são coisas do mundo exterior nem representações. Deve ser reconhecido um terceiro reino. O que pertence a ele corresponde às rep- resentações, na medida em que ele não pode ser percebido através dos sen- tidos, mas corresponde às coisas, na medida em que ele não precisa de um portador que possua esses conteúdos de consciência. Assim, por exemplo, o pensamento que pronunciamos no teorema de Pitágoras é verdadeiro em qualquer época, verdadeiro independentemente do fato de alguém o consider- ar verdadeiro. Ele não necessita qualquer portador. Ele não é verdadeiro somente após ser descoberto, mas é verdadeiro como um planeta que, antes que alguém o tenha visto, já estava em interação com outros planetas.30

Habermas objeta contra tal análise de Frege: “Contudo, o que significa ainda aqui ‘metafísica’?”31A isso se deve responder que, no final das

contas, trata-se da aceitação da existência de objetos que não são entidades físicas nem psíquicas. Se a tese de Frege sobre a existência de pensamentos é transferida a normas forma-se o conceito semântico de norma, com cuja ajuda pode-se dizer aquilo que está disponível como norma se um direito humano vale.32Esse é o primeiro passo na direção da metafísica dos direit-

os humanos.

Com esse primeiro passo certamente ainda não se entra na região em torno da qual a disputa sobre o caráter não-metafísico da moral é travada. O conceito semântico de norma é na verdade importante para o problema geral da fundamentabilidade, mas não porém para o conteúdo da funda- mentação. Para o nosso problema possui um significado decisivo o fato de os direitos humanos pressuporem metafísica mais que uma tal ontologia

semântica. Se a fundamentação explicativa acima esboçada for verdadeira, então, quando o indivíduo faz uso de sua – para ele necessária – competên- cia de afirmar, questionar e argumentar, ele pressupõe o reconhecimento dos outros como participantes igualmente legitimados do discurso. Quando, além disso, ele conduz o discurso com seriedade, ele reconhece os outros como autônomos. Reconhecer o outro como autônomo significa reconhecê-lo como pessoa. Pessoas possuem porém um valor e uma dig- nidade. Assim, repousa no caráter discursivo do ser humano um sistema de conceitos em que, em primeiro lugar, a necessidade vai relativamente de encontro a nossa competência discursiva, que, em segundo lugar, possui significado normativo e que, em terceiro lugar, leva ao povoamento do nosso mundo com entidades que os reinos físico e psíquico não podem, at- ravés de sua própria força, produzir: pessoas. A tese metafísica tem sua fonte não só na estrutura do mundo e na razão do indivíduo, mas antes, bem no sentido de Habermas, na estrutura da comunicação.33Entretanto, se

o edifício da metafísica deve se estabilizar, devem ser acrescentadas autointerpretações e atos de realização do indivíduo, como mostra a ne- cessidade de complementação do argumento explicativo através do argu- mento existencial. Como edifício ela tem, além da necessidade e da norm- atividade, uma tendência ao todo. Não se espera somente salvação no sen- tido de redenção ou elevação.34O lugar da salvação foi ocupado pela cor-

reção. Por isso essa metafísica pode ser confrontada, enquanto metafísica construtiva, com a metafísica enfática. Uma metafísica construtiva tem, ao mesmo tempo, um caráter racional e universal. Assim pode-se formular o resultado na tese: direitos humanos não são possíveis sem uma metafísica racional e universal.

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* Traduzido a partir do original em alemão Menschenrechte ohne Metaphysik?, publicado originalmente em Deutsche Zeitschrift f. Philosophie, 52, 1, Berlin, 2004, p. 15-24.

1 Uma radicalização dessa forma fundamental é a afirmação de que tanto determinadas proposições dessa forma fundamental, ou seja determinadas afirmações negativas de existência, quanto sua negação, ou seja, as correspondentes afirmações positivas de existência, são sem sentido; sobre isso cf. R. Carnap, Scheinprobleme in der Philosophie, Frankfurt/M., 1966, p. 47 ss., 62 ss.

2 A. MacIntyre, After Virtue, 2aed., London, 1985, p. 69. 3 G. Patzig, Ethik ohne Metaphysik, Göttingen, 1971. 4 J. Rawls, Justice as Fairness: Political not Metaphysical, in:

Philosophy and Public Affairs, 14, 1985, p. 223-251.

5 J. Habermas, Nachmetaphysisches Denken, Frankfurt/M., 1988. 6 Detalhes sobre isso: R. Alexy, Die Institutionalisierung der

Menschenrechte im demokratischen Verfassungsstaat, in: Philo- sophie der Menschenrechte, St. Gosepath/G. Lohmann (orgs.), Frankfurt/M., 1998, p. 246 ss.

7 Cf. R. Dworkin, Das egoistische Gen, 2aed., Reinbek bei Ham- burg, 1996, 154 ss., 270 ss.

8 G. Patzig, Gibt es eine rationale Normenbegründung?, in: Angewandte Chemie, 114, 2002, p. 3502.

9 D. Gauthier, Morals by Agreement, Oxford, 1986, p. 222. 10 J. M. Buchanan, The limits of liberty, Chicago-London, 1975, p.

60.

11 Sobre isso cf. R. Alexy, Diskurstheorie und Menschenrechte, in: R. Alexy, Recht, Vernunft und Diskurs, Frankfurt/M., 1995, p. 142 ss.

12 G. Radbruch, Fünf Minuten Rechtsphilosophie, in: G. Radbruch, Gesamtausgabe, A. Kaufmann (org.), Bd. 3, Heidelberg, 1990, p. 79.

13 R. Alexy (nota 11), Diskurstheorie und Menschenrechte, p. 127 ss.

14 Essa prática corresponde àquilo que Robert Brandon descreve como “práticas de apresentar e exigir razões”; cf. R. Brandon, Articulating Reasons, Cambridge/Ma., 2000, p. 11.

15 A participação séria significa aqui participação séria em sentido forte, ou seja, participação genuína no discurso; cf. R. Alexy (nota 11), Diskurstheorie und Menschenrechte, p. 149, 151. 16 R. Brandom (nota 14), Articulating Reasons, p. 26.

17 R. Alexy (nota 11), Diskurstheorie und Menschenrechte, p. 139 s.

18 R. Alexy (nota 11), Diskurstheorie und Menschenrechte, p. 151 ss.

19 A. Quinton, The Nature of Things, London, 1973, p. 235. 20 Aristoteles, Metaphysik, Hamburg, 1989, B 2, 997 a, p. 34 s. 21 I. Kant, Prolegomena zu einer jeden künftigen Metaphysik, die

als Wissenschaft wird auftreten können, in: Kant’s gesammelte Schriften, Bd. IV, Königlich Preußischen Akademie der Wis- senschaften (org.), Berlin, 1903/1911, p. 265.

22 J. Habermas (nota 5), Nachmetaphysisches Denken, p. 21. 23 Cf. J. Habermas (nota 5), Nachmetaphysisches Denken, p. 21,

47.

24 J. Habermas (nota 5), Nachmetaphysisches Denken, p. 269. 25 J. Habermas (nota 5), Nachmetaphysisches Denken, p. 57. 26 J. Habermas (nota 5), Nachmetaphysisches Denken, p. 33. 27 G. W. F. Hegel, Grundlinien der Philosophie des Rechts, J.

Hoffmeister (org.), 5aed., Hamburg, 1995, p. 16.

28 J. Habermas (nota 5), Nachmetaphysisches Denken, p. 19, 27. 29 J. Habermas (nota 5), Nachmetaphysisches Denken, p. 27 s. 30 G. Frege, Der Gedanke. Eine logische Untersuchung, in: G.

Frege, Logische Untersuchung, G. Patzig (org.), Göttingen, 1966, p. 43 s.

31 Cf. R. Alexy, Theorie der Grundrechte, 3aed., Frankfurt/M., 1966, p. 442 ss.

32 Cf. R. Alexy (nota 31), Theorie der Grundrechte, p. 42 ss.

33 J. Habermas (nota 5), Nachmetaphysisches Denken, p. 55. 34 Contudo um certo brilho reconciliador entra em jogo através do

fato de o reconhecimento dos direitos humanos apoiado por razões poder ser entendido como reflexo prosaico do pensamento enfático de Sêneca, de que o ser humano é, para os seres humanos, uma coisa sagrada.

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Direitos fundamentais no

No documento Alexy, Robert - Teoria Discursiva Do Direito (páginas 158-163)