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A contrução dos direitos fundamentais*

3.4. A RACIONALIDADE DA PONDERAÇÃO 1 A posição central do problema da racionalidade

3.4.5. A fórmula do peso

A fim de mostrar que juízos racionais sobre a intensidade de interfer- ência e graus de importância são possíveis, deve ser analisada inicialmente uma decisão do Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha sobre avisos referentes à saúde.28O tribunal classificou o dever dos fabric-

antes de gêneros de tabaco de colocar em seus produtos indicações sobre o perigo do fumo para a saúde como uma interferência relativamente leve na liberdade profissional. Uma proibição total de qualquer produto de tabaco deveria ser julgada, ao contrário, como uma interferência grave. Entre tais casos leves e graves podem ser enquadrados casos em que a intensidade da interferência é média. Desse modo surge uma escala com os níveis “leve”, “médio” e “grave”. O exemplo mostra que a intensidade da interferência pode ser determinada com a ajuda dessa escala.

O mesmo é possível no lado das razões opostas. Os riscos para a saúde dos fumantes são altos. As razões justificadoras da interferência são portanto graves. Estabelecendo-se desse modo com segurança primeira- mente a intensidade da interferência como leve e o grau de importância do motivo da interferência como alta, pode o resultado do exame da propor- cionalidade ser designado, com o Tribunal Constitucional Federal, como “evidente”.29

A doutrina da decisão sobre o tabaco se confirma quando se analisam outros casos. Um caso de um tipo verdadeiramente distinto é a decisão Tit-

anic. A amplamente conhecida revista satírica Titanic designou um oficial

da reserva paraplégico que, apesar de sua deficiência, conseguiu sua con- vocação para um treinamento militar, primeiramente como “assassino nato”, e então como “aleijado”. Uma corte alemã condenou a revista Titan-

ic a uma reparação de dano no valor de 12 mil Marcos Alemães. A revista Titanic apresentou uma reclamação constitucional. O Tribunal Constitu-

cional Federal realizou uma “ponderação (referente ao caso)”30entre a

liberdade de opinião da revista e os direitos de personalidade do oficial. Esse caso também pode ser reconstruído com a ajuda da escala triádica leve-média-grave. A formação de uma tal escala triádica não é porém sufi- ciente para se mostrar que a ponderação é racional. Para esse fim é preciso mostrar que classificações desse tipo podem ser inseridas em um sistema inferencial ou de conclusões que, como um todo, está conectado ao con- ceito de correção. No caso de subsunção sob uma regra, o sistema de con- clusões subjacente pode ser expresso através de um esquema dedutivo, o esquema da “justificação interna”, que se formula com a ajuda dos enun- ciados e predicados da lógica e da lógica deôntica, e que pode ser inserido em uma teoria do discurso jurídico.31Tem importância central tanto para a

teoria do discurso jurídico quanto para a teoria dos direitos fundamentais que exista, para a ponderação, uma contraparte desse esquema dedutivo.32

Essa contraparte é a fórmula do peso.

O núcleo e ao mesmo tempo a forma mais simples da fórmula do peso reza:

Nessa fórmula faltam ainda as variáveis para os pesos abstratos dos princípios colidentes (Gi, Gj) e as variáveis para a certeza das suposições

empíricas sobre o que a respectiva medida significa, no caso concreto, para a não-realização de um princípio e a realização do outro princípio (Si, Sj).

Porém aqui pode-se deixar de lado isso, de modo que a forma simples acima indicada pode substituir a forma completa33

Tanto na forma mais simples quanto na forma completa, Iirepresenta

a intensidade da interferência no princípio Pi, que é, no nosso caso, o

princípio garantidor da liberdade de opinião da revista Titanic. Ijrepresenta

a importância do cumprimento do princípio oposto Pj, ou seja, aqui o 194/443

princípio que tem por objeto os direitos de personalidade do oficial paralítico. Gi, jrepresenta, por fim, o peso concreto do princípio cuja viol-

ação é examinada, ou seja, Pi. A fórmula do peso expressa que o peso con-

creto de um princípio é um peso relativo. Ela faz isso de forma simples, de- finindo o peso concreto como quociente entre a intensidade da interferência nesse princípio (Pi) e a importância concreta do princípio oposto (Pj).

É forçosa a objeção de que só se pode falar em quocientes em conexão com números e que números não são empregados na ponderação em direito constitucional. A resposta a essa objeção pode começar com a constatação de que as fórmulas lógicas que são empregadas para expressar a estrutura da subsunção também não são utilizadas na argumentação jurídica, o que não modifica o fato de elas serem o melhor meio de se explicitar a estrutura inferencial da aplicação de regras. O mesmo é verdade para a representação da estrutura inferencial de aplicação dos princípios com a ajuda de números que são inseridos para as variáveis da fórmula do peso.

Os três valores do modelo triádico – leve-médio-grave – podem ser representados através de l, m e s. O modelo triádico de modo algum exaure as possibilidades da ordenação em escala. A ponderação pode começar quando uma escala com dois valores, l e s, está disponível. Ponderar só é impossível se todas as coisas possuírem o mesmo valor.34No mais há in-

úmeras possibilidades de refinamento da escala. Especialmente interessante é uma escala triádica dupla, que trabalha com nove níveis: (1) ll, (2) lm, (3)

ls, (4) ml, (5) mm, (6) ms, (7) sl, (8) sm, (9) ss. De importância suprema é

que sejam estabelecidos limites para o refinamento. Classificações são juízos. Qualquer um entende proposições como “a interferência é leve (l)” ou “a interferência é uma interferência média grave (ms)”. Mas o que se deveria entender pela proposição “a interferência é uma interferência do tipo leve grave médio (lsm)”, que seria possível através da adição de uma terceira tríade? Só é possível fundamentar aquilo que se compreende. A fundamentabilidade de proposições sobre intensidade é condição da racion- alidade da ponderação. Disso se segue que o escalonamento trabalha, no âmbito dos direitos fundamentais, com escalas relativamente rudimentares. Afinal é a natureza do direito, aqui do direito constitucional, que estabelece limites ao refinamento do escalonamento e exclui completamente

escalonamentos do tipo infinitesimal.35Medições calculáveis com ajuda do

contínuo de pontos entre 0 e 1 estão, portanto, fora de questão.

Se a fórmula do peso deve expressar a estrutura inferencial da ponder- ação, mesmo escalas rudimentares não são possíveis sem a classificação de números. Há inúmeras possibilidades de atribuir uma ordenação numérica aos três valores do nosso modelo triádico. Uma possibilidade verdadeira- mente simples e, ao mesmo tempo, altamente instrutiva é a progressão geo- métrica 20, 21e 22, ou seja, 1, 2 e 4.36Na decisão Titanic o Tribunal Con-

stitucional Federal classificou a intensidade da interferência (Ii) na liber-

dade de opinião (Pi) como grave (s). A importância da proteção dos direitos

de personalidade (Pj) do oficial (Ij) no caso da designação “assassino nato”

teve, em virtude do contexto altamente satírico, classificação de valor mé- dio (m), tendendo na verdade a um valor leve. Se introduzirmos, para s e m, os valores correspondentes de nossa progressão geométrica, o peso con- creto de Pi(Gi, j) assume o valor 4/2, ou seja, 2. Se, ao contrário, Iifosse m

e Ijfosse s, o valor seria 2/4, ou seja, 1/2. A precedência de Pié assim ex-

pressa através de um peso concreto maior que 1, a de Pjatravés de um peso

concreto menor que 1. Em todos os casos o empate ou impasse é o valor 1. A designação do oficial como “aleijado” foi, ao contrário, considerada pelo Tribunal como interferência grave (s) na personalidade. Desse modo surgiu um impasse, que teve como consequência o insucesso da reclamação constitucional da revista Titanic no que diz respeito à imposição da re- paração de dano por causa da designação “aleijado”. No caso da desig- nação “assassino nato” a liberdade de opinião prevaleceu, de modo que a reparação de dano foi, nesse ponto, desproporcional, ou seja, inconstitu- cional, e a reclamação constitucional foi, nessa medida, fundamentada.

A racionalidade de um esquema inferencial depende essencialmente da questão se ele combina premissas que, enquanto tais, podem por sua vez ser fundamentadas. Na fórmula do peso as premissas são representadas por números, que designam juízos. Um tal juízo constitui a afirmação de que a designação pública de uma pessoa gravemente deficiente como “aleijado” representa uma lesão grave ao direito de personalidade. Com essa afirm- ação é levantada uma pretensão de correção que pode ser justificada em um discurso. A comensurabilidade das classificações em ambos os lados da

ponderação é assegurada pelo fato de o discurso ser conduzido a partir de um ponto de vista uniforme: o ponto de vista da constituição.37O Tribunal

Constitucional Federal fundamenta sua classificação com o fato de que a designação de “aleijado” seria, hoje em dia, compreendida como expressão de desprezo e humilhação.38Naturalmente pode-se discutir isso, assim

como muita coisa no direito. Mas a possibilidade de se discutir algo não implica irracionalidade. Se assim fosse, não só a ponderação, mas também a argumentação jurídica enquanto tal seria irracional. É correto, ao con- trário, que a fundamentabilidade, independentemente do fato de ela não poder ser identificada com a provabilidade, implica racionalidade e com isso uma objetividade que se localiza entre a certeza e o arbítrio.

O objetivo foi alcançado. A ponderação prova-se como uma forma de argumento39do discurso jurídico racional,40o que é suficiente para en-

fraquecer a objeção da irracionalidade especificamente voltada contra a ponderação. Naturalmente poder-se-ia ainda questionar de forma bastante geral a possibilidade da argumentação jurídica racional, bem como se pensar em entrar, com base naquilo que até aqui foi explicado, na refutação das objeções dos seis outros grupos. Mas não mais há oportunidade para isso aqui. Deve ser suficiente estabelecer que, de todo modo, a objeção da irracionalidade, da qual todo o resto depende, pode ser eliminada. Com isso dá-se o passo mais importante para a defesa da construção dos direitos fun- damentais em princípios.

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* Traduzido a partir do original em alemão Die Konstruktion der Grundrechte, publicado originalmente em Grundrechte, Prinzipi- en und Argumentation, L. Clérico/J.-R. Sieckmann (orgs.), Baden-Baden, 2009, p. 9-19.

1 Cf. R. Alexy, Theorie der Grundrechte, 3aed., Frankfurt/M., 1996 (2areimpressão), p. 75 s.

2 Cf. R. Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, 3aed., Frankfurt/M., 1996 (3areimpressão), p. 273 ss.

3 E. Forsthoff, Zur Problematik der Verfassungsauslegung, in: E. Forsthoff, Rechtsstaat im Wandel, 2aed., München, 1976, p. 173.

4 R. Dworkin, Is Democracy Possible Here? Princeton, 2006, p. 27; Sobre isso cf. K. Möller, Balancing and the structure of con- stitutional rights, in: International Journal of Constitutional Law, 5, 2007, p. 458-461.

5 Cf. artigo 2o, parágrafo 2o, proposição 3 da Lei Fundamental. 6 Cf. R. Alexy (nota 1), Theorie der Grundrechte, p. 267-272. 7 Cf. R. Alexy (nota 1), Theorie der Grundrechte, p. 100-104. 8 L. Alexander, Legal Objectivity and the Illusion of Legal Prin-

ciples, manuscrito, 2008.

9 R. Poscher, Einsichten, Irrtümer und Selbstmißverständnis der Prinzipientheorie, in: Die Prinzipientheorie der Grundrechte, J.- R. Sieckmann (org.), Baden-Baden, 2007, p. 65, 70. 10 J. H. Klement, Vom Nutzen einer Theorie, die alles erklärt, in:

JZ, 2008, p. 760.

11 R. Poscher (nota 9), Einsichten, Irrtümer und Selbstmißver- ständnis der Prinzipientheorie, p. 73 s.

12 J. Habermas, Faktizität und Geltung, 3aed., Frankfurt/M., 1994, p. 315; B. Schlink, Der Grundsatz der Verhältnis- mäßigkeit, in: Festschrift 50 Jahre Bundesverfassungsgericht, P. Badura/H. Dreier (orgs.), Bd. 2, Tübingen, 2001, p. 460.

13 Cf. J. Habermas (nota 12), Faktizität und Geltung, p. 315, que afirma que, com a construção em princípios, uma “viga mestra” viria abaixo.

14 E.-W. Böckenförde, Grundrechte als Grundsatznormen, in: E.- W. Böckenförde, Staat, Verfassung, Demokratie, Frankfurt/M., 1991, p. 190.

15 M. Jestaedt, Die Abwägungslehre – ihre Stärken und ihre Sch- wächen, in: Staat im Wort. Festschrift f. Josef Isensee, O. Depenheuer/M. Heintzen/M. Jestaedt/P. Axer (orgs.), Heidel- berg, 2007, p. 260, 262 s., 275; R. Poscher (nota 9), Einsicht- en, Irrtümer und Selbstmißverständnis der Prinzipientheorie, p. 79; J. H. Klement (nota 10), Vom Nutzen einer Theorie, die alles erklärt, p. 761, 763.

16 Assim, por exemplo, D. M. Beatty, The Ultimate Rule of Law, Oxford, 2004, p. 162: “a proporcionalidade é um critério univer- sal de constitucionalidade”.

17 M. Jestaedt (nota 15), Die Abwägungslehre – ihre Stärken und ihre Schwächen, p. 268, 274; R. Poscher (nota 9), Einsichten, Irrtümer und Selbstmißverständnis der Prinzipientheorie, p. 76; J. H. Klement (nota 10), Vom Nutzen einer Theorie, die alles erklärt, p. 759.

18 M. Jestaedt (nota 15), Die Abwägungslehre – ihre Stärken und ihre Schwächen, p. 269 s.

19 M. Jestaedt (nota 15), Die Abwägungslehre – ihre Stärken und ihre Schwächen, p. 269.

20 J. H. Klement (nota 10), Vom Nutzen einer Theorie, die alles erklärt, p. 756; R. Poscher, Grundrechte als Abwehrrechte, Tübingen, 2003, p. 76; M. Jestaedt (nota 15), Die Abwä- gungslehre – ihre Stärken und ihre Schwächen, 269. 21 R. Poscher (nota 20), Grundrechte als Abwehrrechte, p. 77 s. 22 Isso valeria, em todo caso, para a otimização em relação às

possibilidades jurídicas. Na otimização em relação às possibilid- ades fáticas, poder-se-ia se também insistir na irracionalidade da ponderação.

23 J. Habermas (nota 12), Faktizität und Geltung, p. 315 s. 24 B. Schlink, Freiheit und Eingriffsabwehr – Rekonstruktion der

klassischen Grundrechtsfunktion, in: EuGRZ, 11, 1984, p. 462. 199/443

Cf. ainda B. Schlink (nota 12), Der Grundsatz der Verhältnis- mäßigkeit, p. 460.

25 R. Alexy (nota 1), Theorie der Grundrechte, p. 101-103. 26 Sobre isso cf. L. Clérico, Die Struktur der Verhältnismäßigkeit,

Baden-Baden, 2001, p. 26-139.

27 R. Alexy (nota 1), Theorie der Grundrechte, p. 146. 28 BVerfGE, 95, p. 173.

29 BVerfGE, 95, p. 173 (p. 187). 30 BVerfGE, 86, p. 1 (p. 11).

31 R. Alexy (nota 2), Theorie der juristischen Argumentation, p. 273-283.

32 R. Alexy, On Balancing and Subsumption. A Structural Compar- ison, in: Ratio Juris, 16, 2003, p. 448.

33 Sobre isso cf. R. Alexy, Die Gewichtsformel, in: Gedächtniss- chrift f. Jürgen Sonnenschein, J. Jickeli/P. Kreutz/D. Reuter (orgs.), Berlin, 2003, p. 783-791.

34 Sobre isso cf. A. Barak, The Judge in a Democracy, Princeton- Oxford, 2006, p. 166: “não se pode ponderar sem uma escala”. 35 R. Alexy, Verfassungsrecht und einfaches Recht – Verfassungs- gerichtsbarkeit und Fachgerichtsbarkeit, in: VVDStRL, 61, 2002, p. 25 s.

36 A grande vantagem da progressão geométrica consiste no fato de ela representar da melhor maneira a crescente força de res- istência dos direitos quando a intensidade da interferência é crescente, o que constitui a base da refutação à objeção dog- mática que se refere à redução da força dos direitos fundamen- tais. Cf. R. Alexy (nota 32), On Balancing and Subsumption. A Structural Comparison, p. 787.

37 R. Alexy (nota 32), On Balancing and Subsumption. A Structur- al Comparison, p. 781 s.

38 BVerfGE, 86, p. 1 (p. 13)

39 R. Alexy (nota 2), Theorie der juristischen Argumentation, p. 123. O mesmo soa quando em Barak (nota 34), The Judge in a Democracy, p. 173, diz-se: “a ponderação introduz ordem no pensamento jurídico”. Cf. ainda Barak (nota 34), The Judge in a Democracy, p. 164.

No documento Alexy, Robert - Teoria Discursiva Do Direito (páginas 193-200)