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Comissão Econômica para a América Latina

1.1 Os antecedentes da Teoria da Dependência

1.1.1 Comissão Econômica para a América Latina

A CEPAL foi criada em fevereiro de 1948 para pensar na realidade econômica e social dos países latino-americanos7. Desenvolveu um pensamento que desafiou a construção teórica desenvolvimentista e seus modelos ideais, sendo as primeiras reflexões formuladas por Raul Prebisch (1901-1986) -, economista argentino que apresentou uma consistente corrente teórica sobre o sistema econômico mundial e apontou contradições severas na teoria das vantagens comparativas8.

A partir da chave teórica centro-periferia, Prebisch defendia a necessidade de a América Latina adotar a industrialização para substituir a importação e, assim, organizar um mercado interno menos dependente. Com a contribuição de Celso Furtado, Aníbal Pinto e outros intelectuais, a essa dimensão foi acrescida a perspectiva sobre a formação histórica dos países latinos e caribenhos, constituindo-se a escola do pensamento histórico-estruturalista cepalina (CEPAL, 2020).

Raul Prebisch produziu três documentos (CEPAL, 1951, 1962, 1973) que constituíram a matriz analítica de referência sobre as relações interestatais que envolviam as economias periféricas e as implicações do desequilíbrio nas contas externas, inflação e desemprego. Nesses documentos, Prebisch chamava atenção para as condições herdadas do período colonial, como baixa especialização produtiva e heterogeneidade tecnológica.

Também fez parte dessa matriz a proposta de intervenção estatal na industrialização para avançar em setores que o mercado não resolveria espontaneamente.

A existência da CEPAL como escola de pensamento latino-americano foi fundamental para produções intelectuais baseadas na realidade da região. Os cepalinos estudaram a balança comercial entre 1925-1949 e conseguiram comprovar a desigualdade do comércio entre os países da periferia e do centro do sistema, identificando que enquanto os

7 Em 1984 a CEPAL incorporou os países caribenhos em sua produção intelectual.

8 A teoria das vantagens está relacionada ao comércio internacional e sua primeira vertente foi elaborada por Adam Smith (1723 -1790) que criou a Teoria das Vantagens Absolutas, segundo a qual cada país deveria se especializar na produção e exportação daquilo que tivesse melhor desempenho em termos do menor número de horas de trabalho empregadas. Em seguida, David Ricardo (1772- 1823) elaborou a Teoria das Vantagens Comparativas indicando que cada país deveria manter o equilíbrio de sua balança comercial, produzindo o que lhe garantisse a maior vantagem absoluta ou a menor desvantagem comparativa em relação ao tempo de M.O.

envolvidos.

produtos básicos (agropecuária e extração mineral) tinham os preços deteriorados no médio e longo prazo, os produtos industrializados dos países centrais não perdiam valor, mesmo em momentos de crise e ainda tinham seus preços majorados ao longo do tempo. Esse levantamento também esclareceu o porquê do subdesenvolvimento na região, demonstrando com clareza que, ao contrário de promover o equilíbrio nas relações comerciais, a Teoria das Vantagens Comparativas resultava no atraso e no subdesenvolvimento, fazendo emergir assim diferentes tipos de capitalismo.

A contribuição de Prebisch constituiu a base da Escola Cepalina, fornecendo um caminho para que outros pesquisadores pudessem aprofundar a reflexão sobre economia política e sobre a realidade da América Latina. Esse caminho foi sistematizado por Couto (2007) da seguinte maneira:

• Ciclo econômico e repúdio às teorias do equilíbrio geral: antecedente de sua concepção centro-periferia. Prebisch concluiu que os movimentos de renda que se contraiam e se dilatavam não estavam limitados a esfera interna dos países e que havia uma realidade cíclica na qual ocorria uma sucessão de desequilíbrios, sendo, portanto, contraditória a visão de equilíbrio geral. Criticava a visão estadunidense da Escola de Chicago, que pregava que o livre funcionamento dos mercados corrigiria os problemas, sem que fosse necessária política compensatória.

Inspirado por Keynes e por Schumpeter, aprofundava sua compreensão sobre ciclos econômicos e o papel empreendedor do Estado no processo de desenvolvimento.

• Sistema centro-periferia e industrialização na América Latina: já atuando na CEPAL, desenvolveu estudos sobre o desequilíbrio da balança de exportação, indicando o baixo coeficiente de importações dos EUA. Na Conferência ocorrida em Havana em 1949, emitiu um documento com dados e uma tese geral que conclamava a América Latina a engajar-se no esforço da industrialização para substituir o alto número de importações. Questionou o sistema de Divisão Internacional do Trabalho, que trazia como consequência maior deterioração dos preços dos produtos primários, enquanto os preços dos produtos manufaturados se mantinham estáveis mesmo em período de crise. A manutenção dos preços era explicada devido a força sindical dos trabalhadores do centro, que não perdiam remuneração nas fases de declínio. A renda do trabalhador passou a ser uma

preocupação e em 1951 Prebisch desenvolveu o conceito de elasticidade-renda da demanda. Segundo essa proposição quando a renda cresce, diminui a demanda por bens primários e aumenta por bens manufaturados.

• Mercado comum Latino-Americano e a insuficiência do sistema: Prebisch entendia que era possível alcançar estabilidade monetária com crescimento, porque para ele os fatores que causavam a inflação não eram causados por oscilações monetárias e sim por fatores estruturais como o alto custo de produtos importados. Denunciava que inflação era sempre argumento para retirar renda de novos grupos econômicos atuantes nas economias periféricas. Para ele, era um erro a teoria de “crescer para depois distribuir”. Neste período, o autor passou a se preocupar muito com as disparidades de renda nos países latino-americanos, passando a defender a reforma agrária em 1961.

• Insuficiência do sistema: acumulação de capital e a redistribuição de renda somente seriam possíveis por meio de uma grande participação do Estado sobre a poupança, sobre a terra e a iniciativa individual, dado que havia incapacidade de o sistema capitalista absorver deliberadamente a população ativa e a população desocupada devido ao tipo de progresso tecnológico implementado. A preocupação com o desemprego estrutural tornou-se constante na produção do economista.

• Comércio internacional, desequilíbrio externo e desenvolvimento econômico:

neste período Prebisch formulou uma nova política comercial para corrigir o déficit virtual do comércio e evitar o estrangulamento externo. Ele afirmava que a industrialização deveria alcançar bens de maior complexidade, atingir novos mercados e incluir capacidade interna para fretes marítimos e seguro, sendo esses dois últimos componentes os maiores responsáveis pelo déficit virtual na balança de pagamentos.

• Teoria da transformação - síntese entre o liberalismo e o socialismo: Prebisch encerrou sua produção na Revista da Cepal revendo suas ideias e trabalhando na proposta de uma síntese entre o socialismo em um modelo de sociedade que preservaria o sistema democrático, o Estado assumiria a regulação da acumulação e da distribuição do capital, tendo como padrão o liberalismo com garantias do que produzir e do que consumir.

Os cepalinos argumentavam que o processo de industrialização não reduziria a vulnerabilidade externa, porque, se por um lado, esse processo aliviava importações, por outro impunha complexas exigências decorrentes da nova estrutura produtiva e do aumento da concentração do nível de renda.

Prebisch e Furtado compartilhavam da mesma opinião a respeito dos obstáculos para o novo estágio de difusão do progresso técnico e da tendência de estagnação estar relacionada a insuficiência dinâmica. Para eles, esses obstáculos eram resultado de duas condições da estrutura econômica da região - especialização e heterogeneidade tecnológica (COUTO, 2007, p.33) e apontavam a tendência de piora na balança de pagamento, na inflação e no desemprego.

Bielschowsky explica que a questão da insuficiência dinâmica argumentada por Prebisch estava relacionada ao fato de que a periferia adotava tecnologias importadas do centro “em condições totalmente distintas, e seu emprego implicava sobreutilização do recurso escasso, capital, em detrimento do recurso abundante, trabalho” (2000, p.40). Furtado vai derivar daí o conceito da “insuficiência dinâmica da demanda”, concluindo que o progresso aumentou a capacidade produtiva, no entanto, o padrão produtivo pouco empregador diminuiu a renda e, portanto, a capacidade de crescimento do mercado interno.

Com isso, havia tendência de redução da taxa de lucro, falta de mercado consumidor para novos itens e, consequentemente, redução do crescimento e tendência à estagnação da economia.

No entanto, a tese sobre a tendência ao “estagnacionismo” foi invalidada com o crescimento do Brasil e de toda América Latina na metade de 1960, dando lugar a outros argumentos mais densos: a tese sobre a heterogeneidade estrutural e a tese sobre a dependência. Bresser-Pereira (2010) chama a atenção para o fato de que foi no Brasil que o pensamento sobre a dependência encontrou mais acolhida, sendo o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) o espaço acadêmico central. Segundo Bresser, o debate envolvia dois grupos, um mais preocupado com as questões do desenvolvimento econômico e outro mais preocupado com a luta por direitos sociais.