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3. Objetivos desenvolvimentais e finalidades da educação empreendedora em contexto

3.2 Competências empreendedoras

Contudo, ainda assim existem alguns autores que têm procurado identificar concretamente quais as competências empreendedoras que poderão ser alvo de intencionalização a partir da introdução da educação empreendedora nos contextos educativos (Gibb, 2007; Kuip & Verheul, 2003)

Gibb (1998, p. 5) refere-se às competências empreendedoras essenciais como "as capacidades que constituem as condições básicas e necessárias, suficientes para o exercício de comportamento empreendedor eficaz individualmente, organizativa e socialmente num ambiente cada vez mais turbulento e global". A partir da análise da literatura sobre as características do empreendedorismo, Gibb (1998) argumenta que as competências empreendedoras que devem ser ensinadas aos indivíduos incluem a tomada de decisões intuitiva, a resolução criativa de problemas, a capacidade de concluir acordos, o pensamento estratégico, a gestão de projetos, a gestão do tempo, a persuasão, a capacidade de venda e de negociação e a motivação dos outros através do exemplo. Essas competências seriam fundeadas em várias qualidades subjacentes, como a autoconfiança, autoconhecimento, um alto nível de autonomia, um locus de controlo interno, um elevado nível de empatia com as partes interessadas, em especial os clientes, uma disposição para o trabalho árduo, a orientação para uma realização elevada, uma alta propensão a tomar (moderadamente) riscos e a flexibilidade. Segundo Boyles (2012), vários investigadores que se centraram na análise e definição de competências empreendedoras, quer teórica quer empiricamente, produziram uma multitude de conceitos, incluindo a noção de capital humano (Gimeno, Folta, Cooper & Woo, 1997; Shane, 2000), capital social e competências sociais (Aldrich & Zimmer, 1986; Baron & Markman, 2003), autoeficácia (Boyd & Vozikis, 1994; Chen, Greene & Crick, 1998; Markman, Balkin & Baron, 2002) e criatividade (Tu & Yang, 2013; Ward, 2004), que demonstraram relação com a ação empreendedora. De forma genérica, estes autores evidenciaram que competências mais fortes nestas áreas se traduziam no incremento da possibilidade de emergência de comportamentos empreendedores e/ou de sucesso empreendedor.

Procurando efetuar uma categorização mais elucidativa destas competências, Boyles (2012) afirma que todas as competências empreendedoras definidas por vários autores aparentam ser passíveis de ser enquadradas em três categorias: competências cognitivas, competências sociais e competências orientadas para a ação (“action-oriented”). Este autor procurou ainda demonstrar a ligação existente entre estas competências empreendedoras investigadas por diversos autores e os conhecimentos, competências e habilidades que se consideram relevantes para a adaptabilidade dos indivíduos no século XXI.

Apresenta-se, de seguida, a tabela 12 que permite uma melhor compreensão da meta-análise efetuada por Boyles (2012).

Tabela 12

Competências Empreendedoras versus conhecimentos, competências e habilidades para o século XXI

Competências empreendedoras

Conhecimentos, competências e habilidades para o séc. XXI

Cognitivas

Reconhecimento de

oportunidades (Kirzner, 1977; Schumpeter, 1942); Capacidade de aplicar pesquisa sistemática (Fiet, Clouse & Norton Jr., 2004); Criatividade (Gilad, 1984; J. A. Timmons, 1978)

Informação, media e literacia

Capacidade do indivíduo raciocinar logicamente para resolver problemas complexos; para retirar significado e conhecimento a partir da informação; para criticamente avaliar a informação e distinguir o que é necessário e relevante, reconhecer padrões e desenvolver pensamentos divergentes (Lemke et al., 2003; Vockley, 2008)

Pensamento criativo

Ato de criar algo novo ou original; a aplicação de análise, comparação, inferência, interpretação, avaliação e síntese para o desenvolvimento de novas soluções para problemas complexos (Lemke et al., 2003; Vockley, 2008)

Sociais

Empreendedorismo como um processo social (ByersKist& Sutton, 1997); competências sociais e humanas (Baron & Markman, 2003); Capital social (Aldrich & Zimmer, 1986); Acesso a recursos (Shane & Cable, 2002)

Comunicação e colaboração

Interação cooperativa para resolver problemas e criar inovações, a capacidade de ler e gerir emoções, para comunicar e criar significados através de várias ferramentas e processos (Lemke et al., 2003; Vockley, 2008)

Orientadas para a ação Iniciativa (Crant, 1996; Frese et al., 1997); auto-eficácia (Chen et al., 1998); Proatividade (Frese et al., 1997; Lumpkin & Dess, 1996)

Produtividade e resultados

Capacidade de utilização dos recursos de forma eficaz e

eficiente, para desenvolver planos e monitorizar adequadamente o decorrer dos mesmos, flexibilidade e adaptabilidade, iniciativa (Lemke et al., 2003; Vockley, 2008)

Uma outra visão distinta é a de Lackéus (2015) que define competências empreendedoras como conhecimentos, habilidades e atitudes que afetam a disposição e a capacidade para executar o trabalho empreendedor de criação de novo valor. Esta definição alinha com grande parte da literatura sobre competências em geral, bem como sobre competências empreendedoras (Burgoyne, 1989; Mitchelmore & Rowley, 2010; Sánchez, 2011c).

Apresentamos, de seguida, a análise de Lackéus, na tabela 13. Ao analisarmos a tabela, verifica- se que as linhas superiores representam competências cognitivas, ou seja, competências baseadas principalmente capacidade intelectual, e as linhas inferiores representam algumas das competências não-cognitivas mais típicas.

Tabela 13

Competências empreendedoras cognitivas e não-cognitivas (Lackéus, 2015)

Tema Subtema Autor Breve descrição

Conhecimento Modelos mentais Kraiger et al. (1993)

Conhecimento acerca de como conseguir atingir objetivos com poucos recursos. Modelos de risco e probabilísticos. Conhecimento declarativo Kraiger et al. (1993)

Princípios de criação de valor empreendedora, geração de ideias, oportunidades, contabilidade, finanças, tecnologias, risco, entre outros.

Auto-insight

Kraiger et al. (1993)

Conhecimento do ajuste pessoal acerca de ser empreendedor ou se tornar empreendedor.

Habilidades

Competências de marketing

Fisher et al. (2008)

Realizar pesquisas de mercado. Avaliação de mercado. Marketing de produtos e serviços. Persuasão. Lidar com clientes. Comunicar uma visão.

Competências financeiras

Fisher et al. (2008)

Criar um plano financeiro. Criar um plano de negócio. Obter financiamento. Assegurar o acesso a recursos.

Competências de

oportunidade

Fisher et al. (2008)

Reconhecer e atuar sobre oportunidades de negócio e outro tipo de oportunidades. Competências de desenvolvimento de produto, serviço ou conceito

Competências interpessoais

Fisher et al. (2008)

Liderança. Motivar os outros. Gerir pessoas. Resolver conflitos. Socializar. Competências de aprendizagem Fisher et al. (2008)

Aprendizagem ativa. Adaptação a novas situações. Lidar com a incerteza.

Competências estratégicas

Fisher et al. (2008)

Definir prioridades. Focalização em objetivos. Definir uma visão. Desenvolver uma estratégia. Identificar parceiros estratégicos.

Atitudes

Desejo empreendedor

Fisher et

al. (2008) “Eu quero”. Necessidade de realização.

Autoeficácia Fisher et

al. (2008)

“Eu consigo”. Crença na capacidade de executar certas tarefas com sucesso.

Identidade empreendedora Krueger (2003); Krueger (2007)

“Eu sou/Eu tenho valor”. Crenças pessoais. Identidade de papel. Valores.

Proatividade Sánchez (2011c) “Eu faço”. Orientação para a ação. Iniciativa. Proatividade. Incerteza /

tolerância à ambiguidade

Sánchez (2011c)

“Eu arrisco”. Conforto com a incerteza e ambiguidade. Adaptabilidade. Abertura a surpresas.

Inovação Krueger (2003)

“Eu crio”. Novos pensamentos e ações. Imprevisibilidade. Visão. Criatividade. Capacidade de mudança. Perseverança Markman et al. (2005); Cotton, (1991)

“Eu supero”. Capacidade de superação de dificuldades e circunstâncias adversas.

Esta diferenciação entre competências cognitivas e não-cognitivas pode constituir-se como uma das questões mais relevantes para a diferenciação da educação empreendedora e para a sua afirmação no contexto escolar, na medida em que as políticas educativas atuais, ao valorizarem as avaliações através de testes padronizados, muitas vezes em larga escala, com implicações ao nível da seriação e do ranking das instituições educativas, têm conduzido a escola para um foco nas competências cognitivas, descurando as dimensões não-cognitivas. Esta postura tem conduzido a um estreitamento do currículo, a um ensino de preparação para testes e a uma desvalorização do papel do próprio professor (Amrein & Berliner, 2002; Ball, 2003; Hursh, 2007; Young & Muller, 2010).

O risco com essa negligência de competências não-cognitivas é cada vez mais reconhecido pelos investigadores (Farrington et al., 2012; Gutman & Schoon, 2013; Levin, 2013), com destaque para as fortes evidências decorrentes das investigações desenvolvidas que apontam para o facto de estas competências serem relevantes ao nível do desempenho dos alunos, quer ao nível académico, quer futuramente ao nível da entrada para o mercado de trabalho (Moberg, 2014a). Contudo, refere-se que esta relação entre competências cognitivas e não-cognitivas ao nível das intervenções educativas de promoção do empreendedorismo é interdependente dos próprios objetivos e finalidades de cada intervenção.

Tal como poderá ser visto na figura 10, nas intervenções direcionadas a indivíduos mais jovens e orientadas por um modelo de educação através do empreendedorismo, fará mais sentido apostar no desenvolvimento de competências empreendedoras de índole não-cognitiva. Contudo, em intervenções com jovens adultos ou adultos, com intervenções baseadas em abordagens de educação para o empreendedorismo, existe um predomínio de competências de índole cognitiva no âmbito das competências empreendedoras a desenvolver (Kuip & Verheul, 2003).

De referir ainda que o modelo de desenvolvimento de competências de Cunha & Heckman (2007) indicia que as diferentes competências empreendedoras, cognitivas e não-cognitivas, se desenvolvem em diferentes estádios do desenvolvimento, destacando que as competências adquiridas em contexto precoce (como por exemplo, no nível de educação de 1º ciclo de ensino básico) superam os benefícios do investimento nestas competências em períodos subsequentes (como por exemplo, no ensino secundário ou na universidade). O investimento precoce no desenvolvimento de competências empreendedoras pode ser particularmente efetivo a longo prazo (Huber, Sloof & Van Praag, 2012). Desta análise ressalta a constatação de que será bastante mais relevante apostar no desenvolvimento de competências não-cognitivas aquando da intervenção junto de crianças mais pequenas e favorecer a introdução de dimensões cognitivas, nomeadamente com a introdução de constructos de cariz económico-empresarial,

em momentos mais avançados do desenvolvimento. Segundo Huber e colaboradores (2012), as várias competências não-cognitivas a desenvolver podem ser, por exemplo, a autoeficácia, a necessidade de realização, a propensão para o risco, a orientação social, a persistência, a motivação, a capacidade de análise, a proatividade e a criatividade.

Figura 10 – Relação entre o desenvolvimento de competências cognitivas e não-cognitivas em intervenções educativas, ao longo do tempo (adaptado de Lackéus (2015))

Tal como verificaremos no capítulo seguinte, o estudo do impacto dos diferentes programas e modelos de educação empreendedora no desenvolvimento destas competências não-cognitivas ainda é relativamente escasso (Huber, Sloof & Van Praag, 2012; Huber, Sloof & Van Praag, 2014; Moberg, 2014a, 2014b), pelo que esse será um dos desideratos que procuraremos atingir com o estudo empírico inerente a esta investigação.

De referir que, em Portugal, foram também definidas pela Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação (DGIDC), em 2007, as principais competências-chave para o empreendedorismo que deveriam ser alvo de promoção ao longo da educação básica e do ensino secundário (Pereira et al., 2007) e que deveriam nortear as intervenções produzidas em contexto escolar no âmbito da educação empreendedora.

Assim, as competências-chave identificadas foram: • Autoconfiança/Assumpção de riscos; • Iniciativa/Avaliação/Energia;

• Resiliência;

• Planeamento/Organização; • Criatividade/Inovação;

• Relacionamento interpessoal/Comunicação.

Tal como é possível verificar, todas as competências-chave do empreendedorismo identificadas poderão ser consideradas como sendo competências de índole não-cognitiva, facto que corrobora e amplifica a necessidade de, ao longo do presente trabalho, serem problematizadas quais as melhores abordagens e metodologias para desenvolver este tipo de competências, bem como a identificar modelos que permitam a avaliação da eficácia das intervenções produzidas ao nível da promoção deste tipo de competências.

Apesar desta visão que assume que o principal objetivo da educação empreendedora em contexto escolar passa pelo desenvolvimento de competências se apresentar como claramente dominante na literatura científica desta área, é importante referir que, mais recentemente, têm surgido autores que, na base da experiência acumulada com projetos de intervenção já com alguns anos, têm procurado alargar o âmbito desses objetivos e finalidades.

De facto, decorrente de uma experiência já longa de aplicação de intervenções baseadas na promoção do empreendedorismo em contexto escolar, quer ao nível do ensino primário quer secundário, patrocinadas pelo Governo do Québec através das suas políticas educativas desde há vários anos, alguns autores canadianos têm produzido publicações que tendem a procurar alargar o âmbito da relevância que as intervenções de educação empreendedora produzem nos indivíduos (Duchaine, 2007; Lapointe, Labrie & Laberge, 2010; Rollin, Daigle & Lemay, 2011; Samson & Morin, 2013).

Uma das vertentes mais interessantes das abordagens desenvolvidas passa pela tentativa de associar o impacto das intervenções de educação empreendedora desenvolvidas com dimensões relacionadas, por um lado, com o sucesso escolar e o incremento do envolvimento dos alunos na escola (Lapointe et al., 2010), mas também, por outro lado, com a promoção do desenvolvimento psicológico e vocacional dos alunos alvos de intervenção (Ministère de l’Éducation, 2012a, 2012b).

Neste enquadramento, Morin, Fournier & Shore (2010) propõem um modelo compreensivo de relação entre a promoção do empreendedorismo e o desenvolvimento psicológico, que concebe as questões intrínsecas ao empreendedorismo como integrantes da própria dinâmica inerente ao desenvolvimento vocacional das crianças e jovens, concluindo que os aspetos alvo de mobilização no âmbito das intervenções de cariz empreendedor são os mesmos que contribuem para o desenvolvimento pessoal e da identidade da criança, ao permitirem que a mesma desenvolva um maior autoconhecimento e um conhecimento mais profundo da realidade que a envolve.

Apresenta-se, de seguida, o modelo esquemático da proposta destes autores (Figura 11).

Figura 11 – Modelo compreensivo de relação entre a promoção do empreendedorismo e o desenvolvimento psicológico e vocacional de Morin, Fournier & Shore (2010)

De acordo com a visão de Morin e colaboradores (2010), com a integração do empreendedorismo nesta abordagem mais ampla de promoção do desenvolvimento vocacional, a escola garante aos seus alunos o estimular da coerência desenvolvimental entre a experiência empreendedora providenciada ao aluno, o desenvolvimento do seu poder de ação, a estruturação da identidade e a possibilidade de descoberta do sistema de ensino e do mundo do trabalho.

Segundo estes autores, a relevância desta abordagem pode ser verificada em três eixos: a) os alunos aprendem a desenvolver a consciência de si próprios, o seu potencial e os seus modos de atualização; b) os alunos aprendem a apropriar-se de estratégias relacionadas com o desenvolvimento de um projeto e reforçam o seu sentimento de eficácia pessoal; c) os alunos aprendem a desenvolver o seu conhecimento do mundo do trabalho, dos papéis sociais e das profissões. Como resultado global deste processo de crescimento e desenvolvimento de todos os seus atores, é concretizada por parte da escola o desiderato do estabelecimento de uma efetiva cultura empreendedora, orientada para a formulação e concretização de projetos empreendedores relevantes (Morin et al., 2010).

Do nosso ponto de vista, este enquadramento de Morin et al. (2010) permite evidenciar a relação entre a educação empreendedora e o desenvolvimento vocacional e psicológico das crianças e jovens em contexto escolar, facto que, complementado com a observação da relevância, anteriormente descrita, da existência de uma abordagem de desenvolvimento de competências na operacionalização das atividades educativas concretas a realizar, traduz-se num dos elementos fundamentais para justificar os objetivos e finalidades da educação empreendedora como válidos e cuja necessidade de introdução no contexto escolar se assume como premente.

4. Operacionalização dos processos de intervenção de educação