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4. Modos de pôr o problema do empreendedorismo

4.2 Empreendedorismo como comportamento

Em contraste com a abordagem de traços, a abordagem que concebe o empreendedorismo como comportamento procura centrar-se “sobre o que o empreendedor faz e não sobre o que o empreendedor é” (Gartner, 1989, p. 57).

Trata-se de uma abordagem que procura enfatizar a criação de negócios e/ou de empresas como sendo o objetivo fundamental da ação do empreendedor, pelo que o seu foco de análise e de investigação reside na determinação do conjunto de atividades e processos implicados na criação de um novo empreendimento. Aliás, de acordo com o próprio Gartner (1989), a criação de organizações constitui-se como o elemento diferenciador essencial entre empreendedores e não-empreendedores. Para Gartner, Carter e Reynolds (2010, p. 101), o empreendedorismo é um processo de organização, como “é por meio das ações dos empreendedores que as organizações vêm à existência”.

Esta visão coloca a criação da organização num primeiro nível de análise, dado assumir que não existirá empreendedorismo sem essa criação, sendo que, ao nível individual, são analisadas quais as atividades ou dimensões necessárias para permitir que a organização possa existir (Kobia & Sikalieh, 2010). Segundo esta visão, o empreendedorismo será o processo através do qual um indivíduo ou um grupo de indivíduos utilizam esforços organizados e os meios necessários para encontrar oportunidades para criar valor e crescer, cumprindo desejos e necessidades, por meio da inovação e singularidade, não importando os recursos que são atualmente controlados (Coulter, 2001; Kobia & Sikalieh, 2010).

Esta conceção implica percecionar o empreendedorismo como um processo dinâmico de visão, mudança e criação (Kuratko, 2014), apelando a uma centração nos comportamentos que os indivíduos passarão a ser capazes de demonstrar, com vista à criação de novas organizações capazes de produzirem valor, facto que introduz na literatura acerca do empreendedorismo uma nova área de estudo relevante – o estudo do comportamento empreendedor. Como Bird, Schjoedt e Baum (2012) defendem, trata-se de recentrar a atenção da pesquisa para a ação humana concreta e observável, no que diz respeito à criação e emergência de empresas e organizações.

O comportamento empreendedor tem sido definido como o estudo do comportamento humano envolvido na identificação e exploração de oportunidades através da criação ou desenvolvimento de novos empreendimentos (Bird & Schjoedt, 2009), bem como na exploração e criação de oportunidades quando envolvido no processo de criação de organizações (Gartner et al., 2010). O comportamento empreendedor também é reconhecido cada vez mais como um elemento promotor da mudança social e facilitador da inovação dentro das organizações estabelecidas (Kuratko, Ireland, Covin & Hornsby, 2005).

Ao efetuar uma análise acerca das principais objetivos de investigação acerca do comportamento empreendedor, constata-se que existe uma intenção de obter resultados que permitam alcançar três desideratos distintos e complementares: a) explicar, prever, modelar e mudar o comportamento (Kautonenvan, Gelderen & Tornikoski, 2013; Barba-Sánchez & Atienza-Sahuquillo, 2012; Obschonka, Silbereisen, & Schmitt-Rodermund, 2012); b) compreender a relação entre os níveis individual e organizacional (Allinson, Chell & Hayes, 2000; Davidsson, Delmar & Wiklund, 2002); c) determinar como o comportamento empreendedor pode ser aprendido e o que influencia o seu desenvolvimento, adaptação e adoção (Fayolle & Lyon, 2000; Rae, 2000; Pittaway & Cope, 2007).

A procura de atingir estes três desideratos tem sido também responsável pela crescente e notável aproximação que se constata que os investigadores do âmbito do empreendedorismo têm realizado relativamente a alguns dos conceitos básicos da psicologia cognitiva, procurando, dessa forma, explicar a forma como os empreendedores pensam e se comportam (Sánchez, Carballo & Gutiérrez, 2011; Mitchell et al., 2004; Krueger, 2003; Baron, 2007). De entre as dimensões cognitivas mais estudadas, destacam-se elementos cognitivos, tais como a autoeficácia, os scripts, os estilos cognitivos e as heurísticas pessoais (Sánchez et al., 2011). Uma das dimensões que tem recebido alguma atenção por parte dos investigadores que procuram analisar o comportamento empreendedor remete para a eventual previsibilidade do mesmo, dado ser esse um dos fatores mais relevantes para a produção de intervenções com vista à promoção do empreendedorismo junto dos indivíduos, com vista a fazer face aos desafios atuais e à incerteza social reinante no que diz respeito às dinâmicas de trabalho e emprego (S. Heinonen & Ruotsalainen, 2012).

Dada a necessidade de se compreender preditivamente o comportamento empreendedor, em várias investigações tem sido apresentados alguns conceitos – por exemplo, os conceitos de intenção empreendedora (Shapero, 1984) e de orientação empreendedora (Lumpkin & Dess, 1996) – que se procuram traduzir como conceitos que permitem inferir a possível manifestação desses comportamentos em situações futuras.

No caso do conceito de orientação empreendedora, destaca-se o facto de ser um constructo que necessita de uma clarificação conceptual que permita identificar concretamente quais as dimensões inerente ao mesmo. Na realidade, é comum ver este conceito referenciado de formas muito diversas, segundo a conceção específica dos autores. Na investigação, é comum ver a orientação empreendedora descrita como uma característica de ação (apresentando-se como uma postura estratégica do indivíduo), como uma dimensão afetivo-motivacional (ao surgir referenciada como atitude), como uma componente ambiental (pertencente à dimensão cultural de uma empresa) ou como uma dimensão de personalidade (ao serem destacadas, como facetas da orientação empreendedora, a autonomia, a capacidade de inovação, a agressividade, a orientação para o risco e proatividade) (Doneman, 2010; Inacio, Edmundo &

Gimenez, 2012; Krauss, Frese, Friedrich & Unger, 2005; Lumpkin & Dess, 1996; Madsen, 2007; Mazzarol, 2007; Schmitt-Rodermund & Vondracek, 2002).

Já a intenção empreendedora tem sido apresentada como o antecedente comportamental mais frequentemente referenciado no que diz respeito à futura criação de organizações (Kautonen et al., 2013; Gelderen et al., 2008), encontrando o seu suporte teórico num conjunto de abordagens – com especial incidência para a Teoria do Comportamento Planeado (Ajzen, 1985; 1991) - que procuram aliar as intenções do indivíduo às ações subsequentes (Figura 1).

Figura 1 – Teoria do Comportamento Planeado (adaptado de Ajzen (1985, 1991))

De acordo com Ajzen (1991, p. 181), a intenção refere-se à “indicação de quanto o indivíduo está disposto a tentar, à quantidade de esforço que está a planear despender, com vista à execução de um comportamento”, sendo explicada pelas atitudes do indivíduo face ao comportamento, pelas normas subjetivas e pela perceção do indivíduo relativamente ao controlo do comportamento. Em geral, quanto mais forte for a intenção, mais provável será que o indivíduo execute o comportamento esperado.

Dada a dificuldade em conseguir medir o comportamento em contexto, ao nível das investigações refletidas na literatura do empreendedorismo assiste-se a uma forte preponderância de análise das intenções empreendedoras (Miller, Bell, Palmer & Gonzalez, 2009; Paço, Ferreira, Raposo, Rodrigues & Dinis, 2011; Ferreira, Raposo, Rodrigues, Dinis & Paço, 2012), na medida em que Ajzen (1991) apresenta a intenção como um preditor direto do comportamento. Também Krueger e colaboradores (2000) apontaram o comportamento empreendedor como sendo um comportamento intencional e planeado. Várias investigações que se sucederam na literatura do empreendedorismo aceitam estas conclusões e apresentam as intenções empreendedoras como uma das dimensões de estudo mais relevantes no âmbito

desta problemática (Leiter, Turner, D’Entremont & Kiani, 2008; Basu & Virick, 2007; Fayolle & Liñán, 2014).

Segundo Fayolle e Liñán (2014), existe um grande potencial por parte da investigação relativa às intenções empreendedoras para contribuir para uma melhor compreensão do processo de tomada de decisão empreendedora a nível individual, particularmente se se centrar na análise dos mecanismos mentais e cognitivos que subjazem a essa decisão. Caso tal venha a ser conseguido, poderiam daí decorrer impactos positivos para as várias iniciativas educativas do empreendedorismo (nas quais os modelos de intenção passariam a poder ser concebidos como promotores de indicadores e permitira a construção de instrumentos de avaliação), aumentaria a compreensão do papel do contexto e das instituições e seria possível analisar mais eficazmente a evolução, ao longo do tempo, do processo individual empreendedor, nomeadamente através de estudos longitudinais que permitissem aferir a qualidade da relação entre intenção e comportamento empreendedor.

Na realidade, o facto de estas questões não estarem ainda resolvidas apresenta-se como um fator limitante desta abordagem baseada nas intenções empreendedoras, dado ser necessária uma melhor compreensão dos mecanismos de ligação entre a intenção e a manifestação do comportamento, na medida em que não existem ainda dados de suporte claros que evidenciem a relação entre o momento de manifestação de intenção empreendedora (muitas vezes contingente a processos de educação empreendedora) e a efetiva iniciação das ações tendentes à criação de organização.

Ao nível da educação empreendedora, as dúvidas alargam-se relativamente a quais os métodos mais adequados para o desenvolvimento da intenção empreendedora e levam ainda ao questionamento acerca da dimensão temporal que varia de indivíduo para indivíduo relativamente à relação entre manifestação da intenção e execução do comportamento, sabendo que, em parte significativa dos indivíduos, o comportamento acaba por nunca ser efetivamente acionado.