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Empreendedorismo como identificação e criação de oportunidades

4. Modos de pôr o problema do empreendedorismo

4.3 Empreendedorismo como identificação e criação de oportunidades

De acordo com Shane e Venkataraman (2000, p. 220), “para existir empreendedorismo têm de existir primeiramente oportunidades empreendedoras”.

Este facto definido pelos autores parece, em larga medida, ter sido integrado por diversos autores nas suas propostas de definição do conceito de empreendedorismo e de empreendedor, tal como já constatamos previamente, de tal forma que existem visões que consideram que o foco no estudo das oportunidades é o elemento que diferencia a teoria do empreendedorismo e a torna única (Ardichvili, Cardozo & Ray, 2003; Davidsson, 2015; Nielsen, Klyver, Evald & Bager, 2012; Rae, 2007).

O artigo de Shane e Venkataraman (2000) introduziu uma definição de empreendedorismo que muitos consideram distintiva, na qual o empreendedorismo é concebido como o processo de “identificação, avaliação e exploração de oportunidades” (p.12). Esta definição transformou- se numa das definições mais usadas e citadas no campo de empreendedorismo (Aldrich & Cliff, 2003), contribuindo para um processo de investigação dentro deste campo em que o indivíduo e o seu funcionamento, ainda que não sob a forma de uma perspetiva de traços, se tornou no alvo fundamental de análise, levando à emergência de uma nova abordagem centrada no estudo dos processos de cognição empreendedora.

Através da sua proposta, Shane e Venkataraman (2000) colocam como dimensão fundamental de estudo no âmbito do empreendedorismo a razão pela qual alguns indivíduos, e não outros, exploram oportunidades, como essas oportunidades são exploradas, quando e quem as explora. Os autores propõem que a investigação neste campo estude as fontes de oportunidades, o processo de descoberta, a avaliação e exploração das mesmas e os indivíduos que enveredam pela criação de empresas.

Ao invés dos autores já anteriormente referenciados que se centraram na análise de traços de personalidade dos empreendedores, os investigadores dos processos de cognição empreendedora têm procurado desvelar os padrões cognitivos dos empreendedores e começaram a colocar hipóteses de que existiria uma forma específica de pensar e raciocinar por parte destes, que se traduziria numa vantagem cognitiva e numa diferenciação individual (Mitchell et al., 2000; 2002).

Nesse sentido, a cognição empreendedora tem sido definida como “as estruturas de conhecimento que as pessoas usam para fazer avaliações, julgamentos e tomadas de decisão envolvendo a avaliação de oportunidades, criação de negócio e crescimento” (Mitchell et al., 2002, p. 97).

Quanto ao conceito de oportunidade empreendedora, este é visto como um grupo de ideias, crenças ou ações que permitem a criação de bens e serviços futuros que se encontram ausentes dos mercados no momento corrente (Venkataraman, 1997), ou seja, uma oportunidade pode ser uma possibilidade de descoberta de uma necessidade do mercado, através da combinação de recursos que permitem acrescentar valor (Kirzner, 1973). As oportunidades descrevem um fenómeno abrangente, que começa com algo que não está desenvolvido e que se torna cada vez mais desenvolvido através do tempo pela ação do empreendedor (Kirzner, 1977). Os empreendedores identificam estas oportunidades, ou criam as mesmas, como forma de acrescentar valor a uma sociedade (Sánchez, 2011a).

Os autores que se referem ao empreendedorismo segundo uma abordagem de valorização das oportunidades empreendedoras têm assumido duas visões distintas na sua conceptualização (Bygrave & Hofer, 1991).

Numa dessas visões, segundo um ponto de análise que se assume como realista, os autores estimam que as oportunidades existem por si próprias e que cabe aos indivíduos detetá-las e identifica-las, com vista a conseguir a sua transformação em realidades económicas viáveis. Nesta conceção, as oportunidades pré-existem ao indivíduo, cabendo a este possuir as competências e capacidades cognitivas necessárias para as identificar e explorar (Shane & Venkataraman, 2000; Venkataraman, 1997).

Numa segunda conceção distinta, segundo um ponto de vista construtivista, os autores consideram que as oportunidades são uma construção de indivíduos que analisam o mercado para aí recolher as informações necessárias à construção de uma ideia a explorar, ou seja, uma oportunidade de negócio. Neste ponto de vista, a oportunidade é conceptualizada como uma construção social que emerge entre o criador de um projeto e o ambiente no qual ele se insere (Alvarez, Barney & Young, 2010; Alvarez & Barney, 2006).

A primeira destas conceptualizações, também denominada de abordagem de identificação de oportunidades, foca-se na capacidade do indivíduo empreendedor de explorar as oportunidades, preocupando-se ainda em questionar o porquê de os outros não serem capazes de o fazer igualmente. De acordo com Shane (2003, p. 62), esta capacidade é “influenciada por uma conjunto de características, quer de índole psicológica, quer de índole não-psicológica” (Figura 2).

Figura 2 – Fatores implicados na exploração de oportunidades (adaptado de Shane (2003))

De entre os fatores de cariz não-psicológico descritos, vários dizem respeito a uma noção de capital humano e à ideia de que “um empreendedor com mais experiência será capaz de explorar uma oportunidade melhor do que um empreendedor sem essa experiência” (Shane, Locke & Collins, 2003, p. 69).

Segundo este modelo, considera-se que muita desta experiência decorre da quantidade de informação e de competências que o indivíduo acumula e do seu nível de educação geral, sendo esta última vista também como um dos fatores que aumenta a possibilidade de um indivíduo vir a explorar uma determinada oportunidade (Audretsch, 2003; Shane, 2003).

Aspetos como a experiência de carreira (Dyer, 1994; Politis, 2005; Shane, 2003), a idade e o estatuto social são também vistos como dimensões e fatores que afetam a capacidade dos indivíduos para identificar e explorar oportunidades (Shane, 2003).

Já no que concerne aos aspetos psicológicos, destaca-se que este modelo de atributos de Shane (2003) também identifica um conjunto de fatores psicológicos que influencia a possibilidade de os indivíduos explorarem oportunidades, ainda que o autor refira que “as características psicológicas não são condições suficientes e não causam diretamente a exploração de oportunidades empreendedoras. Ao invés, elas influenciam a decisão de exploração” (2003, p. 96).

Na literatura científica relativa ao empreendedorismo regista-se que, quer pela definição proposta (Shane & Venkataraman, 2000), quer pela construção deste modelo de atributos individuais (Shane, 2003), vários autores transformaram a área de investigação relativamente à cognição empreendedora e, nomeadamente, à análise dos processos cognitivos inerentes ao processo de identificação de oportunidades e de tomada de decisão, numa das principais áreas

de investigação do empreendedorismo e na qual a perspetiva psicológica tem assumido alguma preponderância (Baron, 2004; Frese, 2007; Krueger, 2003).

Ainda assim, tem-se assistido ainda a um crescente número de autores que, inserindo-se numa segunda conceção, mais relacionada com a criação de oportunidades de acordo com um modelo construtivista de interpretação do fenómeno, têm procurado alertar para dificuldade de construção de modelos interpretativos positivistas da ação empreendedora, acreditando que esta decorre de um processo construtivo, narrativo e desenvolvimental (Crawford, Dimov & McKelvey, 2015; Karp, 2006).

De acordo com Karp (2006), aplicar um paradigma positivista ao estudo do empreendedorismo significaria aceitar que o empreendedor atuaria sistematicamente de uma forma racional, fazendo sempre as ações de forma correta e de acordo com uma prescrição pré-determinada para o sucesso. Dessa forma, tendo em consideração que, na realidade, os empreendedores atuam subjetivamente de acordo com a sua própria perceção da realidade, atuando ainda na base de emoções, intuição e cognições, é importante considerar que o empreendedor age em função da construção do futuro em que acredita, e desenvolve e cria oportunidades de acordo com as suas convicções e sonhos (Karp, 2006).

No fundo, de acordo com esta visão mais construtivista, os empreendedores agem de acordo com uma base emocional e de compreensão da realidade que se encontra subjacente às situações que já experienciaram, às suas opções subjetivas para a criação de valor empreendedor e à sua capacidade de compreensão dos potenciais efeitos dessas suas opções (Alvarez & Barney, 2006; Grégoire, Cornelissen, Dimov & van Burg, 2015; Karp, 2006).